O histórico depósito da ex-companhia Vascónia, sita em Dji d’Sal, será um dos três núcleos do Museu da Água do Mindelo, se vingar uma proposta defendida pela Associação Aga nôs Vida criada em 2015. Antigo depósito de abastecimento de água à urbe do Mindelo, este espaço é visto pelos membros fundadores dessa entidade como ideal para acolher um dos centros museológicos de um projecto que visa contar e preservar parte fundamental da história de S. Vicente, neste caso o transporte, armazenamento e distribuição da água nesta ilha desértica.
Para os mentores, Vascónia tem tudo para ser um polo museológico, devendo inclusivamente ser preservado na sua essência, ou seja, manter a sua estrutura e os tanques onde a água vinda do Tarrafal do Monte Trigo, na ilha de Santo Antão, era armazenada pela companhia. “Este depósito tem uma forte carga histórica, além de uma boa localização. Os depósitos existem e devem ser aproveitados tal como estão. No nosso entender, jamais devem ser demolidos”, entende Carlos Vieira Ramos, presidente da Associação Aga nôs Vida, para quem esse espaço pode muito bem ser transformado em mais um ponto do roteiro turístico do Mindelo, funcionando em parceria com o Museu do Mar.
O Madeiral, situado a caminho da Ribeira d’Calhau, é outro ponto identificado pela associação para acolher um núcleo museológico, este com pendor ecológico. Segundo Carlos Ramos, que ontem fez a apresentação pública desse projecto, esse processo deve levar em conta as características dessa zona descampada, que alberga plantas e aves endémicas. Nesse sentido, diz, a referida associação defende a criação de um parque natural com uma área ainda por delimitar, mas que visa proteger a sua riqueza ambiental e promover o aumento da área arborizada.
O terceiro polo do museu não tem um espaço definido, pelo contrário deve estar associado ao roteiro das tantas fontes instaladas em torno da cidade e que forneciam água à população mindelense. Deste modo, o Museu da Água do Mindelo, cuja mascote é uma mulher de lata à cabeça, não terá uma sede, mas sim três pontos dispersos pela ilha de S. Vicente, mas cada um com o seu interesse próprio.
A concretização desse plano ainda vai levar o seu tempo. Como explica Carlos Ramos, será preciso ainda elaborar os projectos de arquitectura, adquirir mobiliários, equipamentos informáticos e peças, mas também a colaboração das autoridades. No entanto, a partir da apresentação pública do projecto, que aconteceu ontem à tarde, diz Ramos, a ideia do museu passou a pertencer à sociedade mindelense, pelo que as pessoas podem ajudar, nomeadamente disponibilizando objectos com valor histórico.
A apresentação do projecto do museu antecedeu o lançamento do livro História do abastecimento de água à cidade do Mindelo, que ficou a cargo das co-autoras Ana Cordeiro e Sónia Morais, esta última antiga funcionária da Electra, empresa que, aliás, aquiriu metade dos 500 exemplares. Segundo Cordeiro, essa publicação retrata parte da rica história da urbe do Mindelo, ela que relembra que a problemática do abastecimento de água não é exclusiva da cidade. Porém, frisa, o impacto que esse aspecto teve no desenvolvimento da ilha de S. Vicente é um caso de estudo.
No fundo foi esse o espírito que motivou a elaboração desse livro, que é composto por textos de diversos autores. No entanto é a própria Ana Cordeiro a realçar o peso do arquivo fotográfico de Djibla e dos escritos de João Morais – que aponta os marcos e as empresas decisivas no abastecimento de água a S. Vicente -, de Mário Matos – que aborda a comercialização da água nas tantas fontes espalhadas pela ilha, mas sobretudo a do Madeiral – e do falecido empresário Nena – que conseguiu identificar 49 fontes em S. Vicente. Destas, poucos ainda sobrevivem, mas, para Cordeiro, as que resistem precisam ser preservadas por fazerem parte da história da resiliência e desenvolvimento da cidade do Mindelo. Estas são, para ela, o corpo da cidade-museu do Mindelo.
Apesar da tentativa de se abordar o tema com a profundidade possível, Ana Cordeiro sublinha que há ainda muita informação escondida nos arquivos da Câmara de S. Vicente e até em Portugal, que podem ser resgatadas e trazidas a público. Por isso, o seu desejo é que o livro seja apenas um ponto de partida para pesquisas mais exaustivas.
Este acto surge enquadrado na celebração do dia mundial da água, levado a cabo pela Electra, em S. Vicente. O programa contemplou uma exposição fotográfica e uma palestra sobre a escassez de água nos poços da Ribeira d’Vinha, Ribeira d’Julião e Ribeira d’Calhau e as suas consequências para a população da ilha do Monte Cara. Os riscos do uso das águas residuais tratadas foi outro tema de debate.
Kim-Zé Brito