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TACV – O risco fiscal em Cabo Verde e a urgência de uma decisão estruturante

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Américo Medina*

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Faz tempo que muitos vêm sublinhando que as recomendações reiteradas do Banco Mundial a Cabo Verde em matéria de gestão financeira e administração pública não são padronizadas nem neutras. Apontam e apontaram sempre com clareza para a necessidade de se mitigar riscos fiscais concretos e  assegurar a nossa sustentabilidade macroeconómica. Neste quadro, a transportadora aérea nacional, a TACV,  representa um caso paradigmático de um risco sistémico negligenciado.

Passados nove anos desde uma reestruturação ilusória e promessas eleitoralistas não cumpridas, a TACV passou a ser o emblema do colapso continuado de uma estratégia e de uma gestão caótica do sector dos transportes! Entretanto o Sr PM, mais uma vez (re)promete soluções, para as quais já não tem tempo: como fazer em 9 meses aquilo que não fez em 108 meses de liderança do país? 

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Da privatização mal concebida e miseravelmente executada com o grupo Icelandair, em 2019, à renacionalização apressada e mal justificada, a empresa acumulou, só num ano, mais de 14 milhões de euros em prejuízos, com um volume de negócios residual de apenas 160 mil euros; retomou as operações após uma paralisação pandémica de 21 meses (um caso inédito no setor), mas mantém uma estrutura operacional frágil e um capital próprio negativo superior a 100 milhões de euros, num estado de insolvência técnica crónica.

A TACV representa, de forma objetiva e mensurável, um risco fiscal insustentável. Entre os fatores estruturais mais graves estão os passivos acumulados, a incapacidade recorrente de gerar receitas operacionais suficientes, a ausência de investidores estratégicos com interesse real e a total falta de direção estratégica.

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O Estado, enquanto acionista único, com as suas opções desastrosas, expos-se a três dimensões críticas:

a)  Passivos contingentes: obrigações implícitas e explícitas que podem ser acionadas a qualquer momento, onerando os cofres públicos;

b) Pressão sobre o Tesouro: com impacto direto na afetação de recursos escassos para cobrir défices operacionais;

c) Deterioração da perceção de risco: que afeta negativamente a reputação de Cabo Verde junto dos mercados e das instituições financeiras internacionais, elevando o custo da dívida e dificultando o acesso a financiamento externo.

A indulgência e passividade do Governo perante esta situação, motivada por cálculos político-eleitorais de curto prazo, configura uma omissão grave do dever fiduciário do Estado. O Banco Central de Cabo Verde, por sua vez, deve incorporar essa realidade nos seus pareceres macroeconómicos e exercer a devida supervisão prudencial, reconhecendo que a TACV gera distorções nas contas públicas, cria falsas expectativas de garantias soberanas e reduz o espaço fiscal para investimentos produtivos e estratégicos.

O problema da TACV já não é apenas operacional, a cultura instalada ou de modelo de negócio inadequado (!) é um reflexo profundo de má governação, de ausência de accountability e de prioridades públicas distorcidas. Ao continuar a financiar uma empresa insolvente, uma sorvedora de recursos, o Estado sacrifica áreas prioritárias que lidam com constrangimentos orçamentais gritantes!

As lições internacionais são claras: países que insistiram em manter empresas públicas inviáveis, sem planos realistas de recuperação, agravaram as suas crises fiscais e perderam credibilidade externa. O FMI, a OCDE e o próprio Banco Mundial recomendam medidas concretas como que há muito estão na posse do UCS&OCS!

Exemplos de boas práticas existem(?) : Gana e Senegal já integram relatórios de risco fiscal nos seus orçamentos nacionais. Outros países com desafios semelhantes impõem legalmente a necessidade de planos de recuperação auditados externamente como condição prévia para qualquer apoio estatal.

Cabo Verde não pode continuar a adiar decisões difíceis. A inação em relação à TACV corrói a credibilidade do país e compromete a estabilidade macroeconómica. A defesa do interesse público exige ação decidida, transparente e ancorada em padrões internacionais de boa governação financeira.

A TACV, passados nove anos de promessas frustradas e gestão inconsistente, tornou-se um paradoxo nacional: vendida como “instrumento de soberania”, tornou-se, na prática, um vetor de fragilidade económica. O país, classificado como de alto risco fiscal em parte por causa desta empresa, não pode mais adiar a adoção de medidas firmes. É essencial que a resposta seja tecnicamente sustentada, clara nos seus propósitos e orientada para servir o interesse coletivo. Só que a atual equipa governamental já não tem nem força anímica, nem tempo, muitos menos saberes para mudar o status quo – Não é pela via da nostalgia, muito menos das  narrativas eleitorais de 2016, entretanto já esgotadas.

E cada  dia de inação, desse marasmo, compromete o progresso que o país necessita, a inércia que subsiste hoje garantirá de forma irremediável um futuro de estagnação e atraso!

*Aerospace Consultant

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Kimze Brito

Jornalista com 30 anos de carreira profissional, fez a sua formação básica na Agência Cabopress (antecessora da Inforpress) e começou efectivamente a trabalhar em Jornalismo no quinzenário Notícias. Foi assessor de imprensa da ex-CTT e da Enapor, integrou a redação do semanário A Semana e concluiu o Curso Superior de Jornalismo na UniCV. Sócio fundador do Mindel Insite, desempenha o cargo de director deste jornal digital desde o seu lançamento. Membro da Associação dos Fotógrafos Cabo-verdianos, leciona cursos de iniciação à fotografia digital e foi professor na UniCV em Laboratório de Fotografia e Fotojornalismo.

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