O corpo do Comandante Júlio de Carvalho foi dado hoje à terra em S. Vicente, sua ilha natal e para onde o malogrado combatente da liberdade da pátria e companheiro de Amílcar Cabral quis regressar para o seu repouso eterno. Como salientou o ex-companheiro de jornada Luís Fonseca, o guerreiro da luta de libertação da Guiné-Bissau e de Cabo Verde fez uma derradeira viagem de retorno à origem no termo de uma longa, árdua e inspiradora jornada, da qual ficaram marcas indeléveis.
“… regressa 81 anos e 10 meses depois de ser dado a luz para repousar na terra que o viu nascer e crescer, nesta cidade do Mindelo onde Amílcar Cabral começou a sonhar o sonho da libertação da Guiné e de Cabo Verde, um sonho que Julinho veio a abraçar de corpo e alma e que galvanizou a geração da luta armada”, frisou o ex-Embaixador Luís Fonseca num discurso de despedida feito em nome dos combatentes da liberdade da pátria em cerimónia realizada no Palácio do Povo.
No seu discurso, Luís Fonseca ressaltou as características ímpares daquele que foi o primeiro Comandante das Forças Armadas Revolucionárias do Povo, que, diz, foi um “militar destemido, mas sensato”, que, segundo o porta-voz, demonstrou um elevado sentido tático e estratégico na guerra contra o imperialismo português nas matas da Guiné. Fundamentalmente, refere, Carvalho mostrou ser um “cidadão excepcional”, que assumiu livremente os sacrifícios da luta armada liderada por Amílcar Cabral, tendo, conforme Fonseca, levado a cabo açoes que enfraqueceram as trincheiras do exército colonial. Além disso, salienta, Júlio de Carvalho exerceu um papel importante nas negociações de paz com a potência portuguesa.
Lutador incansável, Júlio de Carvalho continuou a dar o seu contributo para a construção dos Estados da Guiné-Bissau e de Cabo Verde após a proclamação da Independência, tendo inclusivamente assumido cargos no governo. Realça Fonseca que Carvalho cultivou altos valores éticos enquanto militar e político, condutas que ele procurou incutir com quem com ele trabalhasse. Graças a essa postura marcada por simplicidade e humildade, frisa, acabou por conquistar numerosos amigos e popularidade tanto em C. Verde como na Guiné. Nas suas palavras, Julinho, como era tratado pelos amigos, é daqueles que construíram a história, neste caso, num processo revolucionário que teve como objectivo conquistar a liberdade para os povos de dois países.
Estes dados reforçaram a leitura da biografia do comandante na reforma das Forças Armadas, nascido em S. Vicente no di 27 de janeiro de 1943, cuja vida ficou profundamente ligada à luta de libertação. Exímio desportista, acabou por assumir os ideias do PAIGC, por influência de Abílio Duarte, tendo depois assumido essa causa. A ponto de ter feito mais tarde formação militar e ido para o palco da guerra na Guiné na década de sessenta.
No entanto, Júlio de Carvalho era muito mais que um militar que marcou a sua imortalidade na história da independência da Guiné e Cabo Verde. Tanto assim que a sobrinha Mirian Lima preferiu falar do tio, daquele ser imortal que fica no coração dos familiares e verdadeiros amigos. Sim porque, sublinhou, “tio Julinho” teve a capacidade de conquistar a imortalidade nesses dois aspectos, com a mesma graça.
Da franca convivência que teve com o agora saudoso tio, Mirian Lima lembra que Júlio de Carvalho via a luta de libertação como um meio para mudar a condição de vida dos guineenses e cabo-verdianos, fardo esse que assumiu como um compromisso que foi muito além do “último tiro”.
“Ele foi um homem inteiro, um estandarte vivo da liberdade, da justiça e do afecto. E não há que se chorar a um homem que acumulou tanto significado”, descreve a sobrinha, para quem Carvalho foi um homem que demonstrava o mesmo amor por C. Verde e a família. Os mesmos princípios que o guiaram na luta por um país livre, enfatiza, transbordavam para os seus gestos delicados: uma palavra sábia, um abraço no momento certo, a capacidade de ver beleza onde outros viam rotina.
O comandante Júlio de Carvalho faleceu aos 81 anos, tendo sido homenageado tanto na Cidade da Praia como em S. Vicente, onde foi hoje sepultado com honras militares.