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Deixou-nos o Comandante Júlio César de Carvalho, um símbolo de devoção à pátria

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“La vida no vale nada

Si no es para perecer

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Porque otros puedan tener

Lo que uno disfruta y ama” – Pablo M.

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Deixou-nos o Comandante Júlio César de Carvalho, o Tio “Julinho”, um símbolo de coragem de devoção à Pátria, de integridade e recato, a personificação daquilo que chamamos na gíria castrense e doutrina sobre lideranças éticas, um verdadeiro “role model”!

Não podia, por razões que sei muitos que me são próximos enxergarão, deixar de render este tributo ao Comandante Júlio César de Carvalho, o Camarada Julinho, numa exaltação profunda e reverente à vida e ao legado deste ser excepcional e raro, tanto como combatente quanto como ser humano, que acaba de nos deixar.

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Com este “memorial” que dedico à pessoa, ao Comandante, Camarada e amigo Julinho, busco também exortar a todos quantos que com ele privaram a uma reflexão, a seguirmos esse exemplo de dignidade, modéstia e coragem, que nos incentiva a não sucumbirmos aos “esteios” recentes que tendem a deteriorar o nosso caráter coletivo;

Um “lembrete” a muitos de nós que, nos dias de hoje, parecemos estar a perder a noção do poderoso e duradouro impacto de lideranças verdadeiramente éticas e exemplares que já guiaram as nossas vidas num passado não muito distante, neste ambiente instalado entre nós de evidente declínio moral e institucional de largo espectro, que abrange áreas várias da esfera pública e da nossa própria soberania !

Na trajetória de luta pela libertação das ex-colônias portuguesas e justiça para os povos da Guiné-Bissau e Cabo Verde, poucos nomes ecoam com tanto vigor quanto o de Júlio César de Carvalho, o Comandante “Julinho”, indubitavelmente um dos baluartes cabo-verdianos do PAIGC que, como muitos outros e muito jovens ainda, abraçaram incondicionalmente e, sem nada regatear a causa da independência.

Afirmado nas frentes de combate por onde passou pelo seu destemor impassível, sua fleuma e seu comprometimento veemente com a resistência e luta, destacou-se ao longo desta e depois da nossa Independência, não apenas como um fervoroso patriota mas também como um genuíno retrato de integridade, lealdade e probidade, um homem de palavra, um homem de estado!

Nessa moeda que traz cinzelada no seu anverso a sua efígie de guerrilheiro determinado, temos no seu reverso, o perfil de um pai excepcionalmente terno, que enternecia todos à sua volta pela forma extremosa como desvelava-se com as filhas e colmeia de sobrinhos, como se da mais frágil e delicada filigrana as vibrantes “crias” se tratassem!

O Combatente e Camarada “Julinho”, por onde passou foi um líder integrador, capaz de influenciar pela positiva ideias e ações de colectivos e pessoas, um homem e um político austero, de uma frugalidade cada vez mais rara entre nós, uma força tranquila, um action-oriented leader, cuja presença compelia respeito, inspirava pelo seu exemplo e magnetismo!

Sua postura moderada , despretensiosa e pudente , contrastava com a veemência das suas convicções, tornando-o uma personalidade estimada tanto no teatro das operações quanto na vida cotidiana. Na vida privada ou pública, ele nunca buscava os holofotes e a sua quieta mas tão intensa como funda motivação era sempre o bem maior, numa trajetória pessoal que exalta o comprometimento com a busca incansável por um futuro justo e livre para os povos da Guiné-Bissau e de Cabo Verde, tornando-se num “shining example”, sem o procurar ser efectivamente!

Depois da sua retirada da vida política activa, ele nunca se deixou desbotar, nunca se deixou emascular, nunca se silenciou em momentos espinhosos do nosso percurso, destacando-se no colectivo dos veteranos Combatentes da Liberdade da Pátria como um dos luzeiros dentre outros, uma voz inconformada mas serena, imperturbável e sensata na defesa de determinados valores, princípios e causas que alguns correligionários de curso foram entretanto “indeferindo” com o passar dos anos!

Um desportista “congênito”, manteve durante décadas, através de muito rigor e rotinas quase que espartanas, uma invejável forma física que surpreendia a todos e que só foi abalada com a chegada da implacável e demolidora mazela ! O Comandante “Julinho”, sempre subscreveu que o desporto pode ser também um meio de libertação, de integração e valorização humana por excelência, tendo sido ao longo da sua vida um apaixonado praticante e promotor de uma ou outra modalidade por onde passava!

“…Inteligente e estratego apurado…”( palavras do seu adversário nas matas da Guiné e mais tarde amigo pessoal, o Capitão de Abril Otelo Saraiva de Carvalho) o Comandante “Julinho”, para aqueles que o conheceram de perto, não empunhou armas apenas nas matas da Guiné, também cultivava e deixava-se guiar por ideais e valores elevados. Sua capacidade de análise e planificação como militar e político, se traduzia em ações efetivas e bem-sucedidas; pela força do seu exemplo, da sua práxis, procurava asseverar à sua volta que, a luta pela liberdade e construção de um país, não exige apenas pendor físico, mas também muita sabedoria e instrução , mentes aguçadas e visionárias, uma educação e um processo de conhecimento em constante movimento, mas também muita reputação e galhardia, o que foi indubitavelmente seu emblema ou insígnia de uma vida toda, que trazia tatuada na sua pele!

O Tio “Julinho”, procurava persuadir a todos ao seu redor que a verdadeira vitória vai além daquilo que foram as conquistas territoriais de colinas, bolanhas ou quartéis inimigos, a Independência em si e apenas(!) mas que, ela reside acima de tudo na luta incessante por dignidade, superação permanente de conhecimentos, respeito pelas diferenças, trabalho duro e de formiguinha ; significava valorizar o ser humano e a condição humana acima de tudo, de forma permanente e sem claudicar!

Reconhecido pelos seus superiores preceitos e respeitado por onde passava, o Comandante “Julinho” construiu pontes de amizade e admiração em lugares distantes como Cuba e Angola, onde seu caráter e exemplo foram celebrados em momentos que pude assistir em live mode!

Em Cuba, das minhas várias passagens por esta fantástica Pátria de Martí, pude captar em diversas ocasiões, como a figura do Camarada “Julinho” nas mais altas esferas das autoridades cubanas era altamente respeitada, acarinhada e referida como um exemplo de militar íntegro, inspirador, pessoa confiável, com uma invejável e sólida formação política e humana.

Em Angola, numa visita que fizemos juntos ao país amigo, ouvi de viva voz, numa visita ao Lubango e Namibe, o saudoso General Kundi Paihama muito emocionado, referir-se junto de combatentes do MPLA,à figura do combatente do PAIGC, Comandante “Julinho”, destacando o carácter, o rigor, a disciplina, o pundonor e competências do combatente, sublinhando como todos sabemos que, todo o seu percurso e prática foram fortemente marcados pelos ideais do movimento pan-africanista surgido nos finais do Século XIX e princípios do Século XX.

Os elevados valores que ele defendia e que vertiam da sua medula – o desassombro diante das adversidades, a honra, a lealdade inquebrantável à causa, a integridade em todas as suas ações, a decência – são legados que perduram e iluminam! Em sua memória, somos compelidos a continuar essa luta, esse ideal que tende por um mundo mais justo e igualitário.

É que o legado do Comandante “Julinho”, no contexto actual, nos convida a refletir sobre as nossas próprias convicções, a qualidade bem como natureza dos pseudo-valores predominantes hoje no nosso seio, às quais não nos devemos sucumbir;

Um contexto que nos exorta a resgatarmos o caminho de nobreza, da honra, da probidade e modéstia, quando somos a cada dia empurrados para um patamar muito perverso de “adaptabilidade” e “aceitabilidade” da trivialização do inadequado e do inapropriado que, insensivelmente fluem da nossa elite política on duty ;

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Numa ambiência vigente em que os nepotes se aglutinam incomplacentes sob os “auspícios” do tesouro público, ou em êxtase se copulam em “festins” e slalons admnistrativos, tráfico de influências e favores, em que as balizas entre o que é moral e a imoralidade, a dignidade e a improbidade, o bem e o mal, fluidificam vertiginosamente sob a proteção e conforto dos gabinetes das instituições republicanas do país, brindando-nos com um novo “paradigma” em que a própria Nação pleiteia hoje para se defender de si mesma; em que o triunfo da intrujice e da patranha enroupadas com garbo e encanto, tendem a sobrepor-se ao carácter, à dignidade e integridade, num desafio desabrido aos valores axiológicos que moldaram o nosso percurso ao longo de décadas, enquanto República fecundada no ventre de uma implacável luta armada e clandestina exemplar, contra o fascismo e colonialismo!

Enquanto honramos sua memória, que possamos carregar a chama de sua determinação e que seus ideais de liberdade e justiça nunca sejam esquecidos. O Comandante Júlio César de Carvalho viverá em nós, nos nossos corações, um símbolo eterno de resistência e esperança, probidade e recato genuínos, lealdade e amor à terra!

Um Guerreiro da sua craveira e têmpera não morre, vira lenda!

Até sempre Comandante

Sentidas condolências à família

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Kimze Brito

Jornalista com 30 anos de carreira profissional, fez a sua formação básica na Agência Cabopress (antecessora da Inforpress) e começou efectivamente a trabalhar em Jornalismo no quinzenário Notícias. Foi assessor de imprensa da ex-CTT e da Enapor, integrou a redação do semanário A Semana e concluiu o Curso Superior de Jornalismo na UniCV. Sócio fundador do Mindel Insite, desempenha o cargo de director deste jornal digital desde o seu lançamento. Membro da Associação dos Fotógrafos Cabo-verdianos, leciona cursos de iniciação à fotografia digital e foi professor na UniCV em Laboratório de Fotografia e Fotojornalismo.

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