Pub.
Opinião
Tendência

A Luz das minhas Letras!

Pub.

Podia começar a história assim… Lembro-me com uma certa nostalgia da casa onde nasci em Fajã de Janela… mas esta fórmula já foi muito revisitada, James Joyce, José Lins do Rego, Baltasar Lopes… Por isso vou começar a história assim, em media res… …em São Vicente, na Rua da Luz, vi a minha segunda luz, a luz das letras que já pressentira na minha Fajã. 

Por: João Delgado da Cruz

Publicidade

A prima Eunice gostava muito de livros, tinha muitos livros. De vez enquanto esgueirava para o quarto dela e observava aquela coisa cheia de sinaizinhos que mais tarde já na Escola Camões viria a saber que se chamavam letras. 

A prima Eunice levava-me a passear pela Avenida Marginal… sim a ilha de São Vicente além da luz das letras, tinha a luz da Rua da Luz, que se prolongava pela Avenida Marginal.

Publicidade

A prima Eunice sabia muitas histórias. De onde vinham essas histórias? Aqueles sinaizinhos guardariam histórias? As histórias eram muito bonitas, polvilhavam de cores a minha mente. Um dia essas histórias seriam também minhas?

A professora Luiza da Escola Camões não sabia contar histórias. Deviam levar a prima Eunice para nos contar histórias. A professora Luiza disse-nos que aquela coisa cheia de sinaizinhos se chamava livro… e na verdade guardavam histórias. 

Publicidade

Essas histórias poderiam ser nossas se aprendêssemos a desenhar esses sinaizinhos. Dizia-nos tudo isso doutra forma, era a mesma forma da Mãe Ia, como carinhosamente chamávamos a irmã da minha avó. Ela nos disse que teríamos de falar daquela forma. Gostei mas era muito difícil. A prima Eunice disse-me que aquilo se chamava Língua Portuguesa e os sinaizinhos eram letras que se juntavam, e numa espécie de brincadeira, criavam histórias. Para que as histórias fossem também minhas, tinha de conhecer esses sinaizinhos. Só agora entendia o que a Mãe Ia dizia na agora distante Fajã de Janela.

 A minha mãe decidiu que íamos morar na Ribeira Bote. Ainda não tinha falado da minha mãe? 

Pois bem! Ela é a coisa mais doce que há neste mundo. Iria agora para a Escola Nova estudar a primeira classe. Deixava a prima Eunice e a professora Luiza, que não sabia contar histórias, e sorria para os miúdos que tinham mais que um nome. Não disse ainda o meu nome? A professora Luiza me chamava João. Para minha mãe, Mãe Ia e a prima Eunice eu era João Henrique… havia também a pequenita prima Ana Maria, que balbuciava Djuinrique. Mais tarde, perdendo algumas sílabas, sonorizando outras, deu Djuica. Na escola Camões estudei a pré-primária, os meus colegas eram o Jorge Eduardo, António José (o Tó Zé), Luís Carlos… os outros se perderam nos labirintos da minha mente.

Pois fomos para a Ribeira Bote, a Escola Nova era mesmo nova e tinha um pátio, um pátio enorme. Tinha a Dona Lina que sabia contar histórias como a prima Eunice. Como é que ela conseguiu meter na minha cabeça aqueles sinaizinhos? Desculpem-me, elas se chamam letras. Por magia esses sinaizinhos (?) se foram misturando ao longo dos dias, meses e anos… e aqui estou me divertindo imenso a “cansar a cabeça” de alguns leitores do Mindelnside!

Mostrar mais

Constanca Pina

Formada em jornalismo pela Universidade Federal Fluminense (UFF-RJ). Trabalhou como jornalista no semanário A Semana de 1997 a 2016. Sócia-fundadora do Mindel Insite, desempenha as funções de Chefe de Redação e jornalista/repórter. Paralelamente, leccionou na Universidade Lusófona de Cabo Verde de 2013 a 2020, disciplinas de Jornalismo Económico, Jornalismo Investigativo e Redação Jornalística. Atualmente lecciona a disciplina de Jornalismo Comparado na Universidade de Cabo Verde (Uni-CV).

Artigos relacionados

Botão Voltar ao topo