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Schengen: o visto discriminatório 

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Por: Maria de Lourdes Jesus

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Cabe à população do continente africano pagar o peso exorbitante da rejeição de vistos dos países de Shengen. Segundo a revista Report, de Henley & Partners, sociedade de consulta sobre imigração, cerca de um terço dos pedidos de visto para o espaço Schengen apresentados por cidadãos africanos é rejeitado. É a maior taxa de rejeição de qualquer região do mundo, não obstante o número de pedido de entrada apresentado em relação aos outros continentes seja inferior.

O pagamento do alto custo deste “preconceito predeterminado”, tal como foi definido, não é apenas a nível individual. A dimensão atingida pela rejeição do visto Shengen está a criar um problema muito serio, que afeta toda a sociedade africana. Trata-se de limitar sobretudo a circulação de ideias, de relações comerciais, oportunidades de intercâmbio no âmbito científico, académico, artístico e cultural, comprometendo assim as relações de cooperação e desenvolvimento do continente africano e mesmo da Europa.

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O caso da Dra. Sandra Owusu-Gyamfi

Muito recentemente, a Dra. Owusu-Gyamfi, da Universidade do Ghana, manifestou na revista Nature a sua profunda frustração por não poder participar numa conferência em Lisboa sobre biodiversidade devido a rejeição do pedido de visto. “Desmoralizada, envergonhada e insultada”, são os sentimentos da estudiosa, que partilhou a sua indignação com muitos outros colegas que se encontraram na mesma situação.

A seleção do visto passa por meio de um mecanismo de controle esquizofrénico, implantado nas embaixadas com um custo exorbitante, quase exclusivamente a favor dos cofres dos países de Shengen. Em base aos dados oficiais do Schengen Visainfo, em 2023 foram rejeitados 704 mil pedidos de vistos de cidadãos africanos, que pagaram 80 euros para cada processo, para um total de 60 milhões de euros acumulados nos Estados comunitários. De acordo com estatísticas recentes do Eu Observer, em 2023 as rejeições de pedidos de visto Schengen geraram 130 milhões de euros para os serviços de imigração dos países da U.E.

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CCV Schengen em Cabo Verde

Concentração de pessoas à porta da representação do CCV em S. Vicente

Se Cabo Verde pertence ao continente africano, a população sofre da mesma forma o tratamento discriminatório que os países europeus reservam à população das ilhas. Um exemplo disto é a situação retratada por L.S., empresário na área da pesca, que tentou duas vezes, sem conseguir obter o visto Schengen.

Para qual país de Schengen pretendia viajar, senhor Luis?

Portugal. A minha mulher vive em Lisboa, mas ainda não tem cidadania portuguesa. Tenho vontade de ver a minha mulher. Por agora ela não pode vir a Cabo Verde.  Assim, tínhamos combinado passar as férias em Lisboa para matar saudades. Em 2023 tentei solicitar um visto, mas não foi possível porque não consegui inscrever-me na lista de agendamento. No dia em que deveria fazer o pedido, a página estava já esgotada. Este ano fui tentar novamente.

E como foi desta vez?

Tive que preparar de novo toda a papelada, mas desta vez paguei a um intermediário que normalmente trata toda a documentação para a requisição do visto, em geral. Paguei o seu trabalho, mais 50 mil escudos (a parte) para o agendamento. Desta vez, funcionou. Segui para S. Vicente com toda a documentação completa para entregar no C.C.V. (Centro Comum de Vistos). No dia marcado para retirar o passaporte fiquei mesmo chocado. Nenhum sinal de visto. Puseram em dúvida a minha intenção de voltar para Cabo Verde. Depois soube que é assim que respondem, em geral, quando já decidiram a quem conceder e a quem rejeitar o visto.

Faça as contas: já gastei cerca de 80 mil escudos para um visto rejeitado, sem contar o custo de transporte (S. Nicolau-S. Vicente), a estadia em Mindelo e a angústia como companheira durante todo o tempo que durou o meu calvário.

Como se sente depois de duas tentativas?


Uma grande frustração. Três coisas que não suporto e não lhes vou perdoar: primeiro, impediram-me de ir passar as férias com a minha mulher. Isso dói-me muito. Eles hoje sabem tudo de mim, até a minha conta bancária, que só eu sabia. Acho que é um desrespeito em relação à minha pessoa. Uma violação da minha privacidade e dos meus direitos como indivíduo.

Sinto-me também derrubado por pagar um visto rejeitado e 50 mil escudos para que o intermediário agendasse o meu processo. O agendamento é uma prática que alimenta muita corrupção. Todos sabem, mas ninguém faz nada. Fui submetido a uma grande humilhação. Esse tipo de tratamento machuca a pessoa, deixa marcas profundas. Ta mexe ke bo.

Acha que o Governo de Cabo Verde pode fazer alguma coisa?


Alguém do Governo tinha dito que os países Schengen facilitariam os vistos para os cabo-verdianos. Mentira. Nada disso aconteceu. Ao contrário, os europeus têm um tratamento privilegiado. Não precisam de visto, é só pagar logo à chegada a taxa de segurança aeroportuária de cerca de 30 euros e são bem-vindos. É uma forma gentil de se relacionar com um hóspede na tua casa. É a nossa morabeza que muito gosto e considero justo, mas deveria ser recíproca.

Relativamente a nós cabo-verdianos, o tratamento que esses países nos reservam no CCV é discriminatório e é preciso acabar com isso. Não gostei de ver a imagem do nosso povo em pé, a passar horas e horas, debaixo do Sol, a mendigar um visto. É uma imagem miserável que me faz lembrar a fila dos velhos tempos (nos anos ’40) que os meus avós me contavam, quando criança. Não tenho o poder de impedir que os nossos patrícios sejam maltratados no CCV.

Todavia, quero lançar aqui um apelo ao nosso Governo, aos partidos da oposição e ao Presidente da República para reagirem em defesa da nossa dignidade, da nossa imagem e para respeitarem a nação que pretendem governar.

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Kimze Brito

Jornalista com 30 anos de carreira profissional, fez a sua formação básica na Agência Cabopress (antecessora da Inforpress) e começou efectivamente a trabalhar em Jornalismo no quinzenário Notícias. Foi assessor de imprensa da ex-CTT e da Enapor, integrou a redação do semanário A Semana e concluiu o Curso Superior de Jornalismo na UniCV. Sócio fundador do Mindel Insite, desempenha o cargo de director deste jornal digital desde o seu lançamento. Membro da Associação dos Fotógrafos Cabo-verdianos, leciona cursos de iniciação à fotografia digital e foi professor na UniCV em Laboratório de Fotografia e Fotojornalismo.

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