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Mana Rita, uma contadora de história da primeira geração da emigração feminina para Itália (3ª Parte)

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A comunidade cabo-verdiana em Itália tem história para contar, sobretudo a primeira geração filha dos anos 40/50. Uma geração com os pés bem fincados no chão, determinada a lutar com todos os meios para abater a pobreza que reinava na maioria das famílias em Cabo Verde. A salvação de muitas delas foi entregue, desta vez, na emigração feminina para Itália. A primeira a quebrar o tabu duma emigração exclusivamente masculina. Segue um extrato da nossa conversa sobre a sua vida em Itália e a sua reintegração em Cabo Verde, no dia 30 de Julho 2024 no Odjo d’Agua.

Por: Maria de Lourdes Jesus 

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Encontrar trabalho em Itália para irmãs, primas e amigas

Ajudei muitas pessoas a encontrar trabalho, mas foi em Itália. Não só encontrava trabalho, mas hospedava no meu quarto com o consentimento da minha senhora, até essa amiga encontrar trabalho.

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Em Cabo Verde, a nossa emigração era muito bem vista. As pessoas construíram uma imagem muito bela, muito positiva da nossa vida em Itália. Assim, acontecia que muitas pessoas pediam para arranjar um contrato de trabalho para a filha, neta ou sobrinha. Uma vez uma jovem, que já tinha um filho, pediu-me para ajudá-la a emigrar porque ganhava muito pouco. Disse-lhe: tens um filho tão pequeno que precisa da tua presença. Não há dinheiro que possa compensar o sofrimento e o sentido de culpa de ter delegado a educação do teu filho nas mãos dos outros, mesmo que seja da tua família. Isso dói, dói muito. É uma ferida difícil de cicatrizar. Por isso, se ganhas 10 ou 15.000$00 tenta viver com o que tens para o bem do teu filho e da tua felicidade. Não deixes que ninguém ocupe o teu lugar de mãe.

Tempo de voltar à terra definitivamente

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Voltei à minha terra após ter concluído a minha missão em Itália. A regra é uma só e vale para todos. Emigramos para procurar os meios económicos para melhorar e enriquecer a própria vida e a dos familiares, seja do ponto de vista económico que cultural. Posso dizer que a minha foi uma emigração mesmo de sucesso. Eu voltei depois de muitos anos de trabalho, que me permitiu de apoiar o meu filho nos estudos até a sua independência económica. 

Construi uma bela casa na cidade de Espargo, para mim e o meu filho e comprei mais uma que está alugada. Abri também uma conta bancária. Mas o mais importante é a minha reforma que recebo todos os meses sem nenhum problema, graças a Deus.

Conselho às pessoas que pensam voltar à terra natal

A primeira coisa a fazer é controlar sempre se os boletins trimestrais, das contribuições pagas no INPS, correspondem às horas de trabalho prestado. Há ainda muitas senhoras que declaram e pagam um número inferior de horas de trabalho, mas isso vai diminuir a reforma da trabalhadora.

Segundo é economizar, mesmo que seja pouco, para um amanhã construir a própria casa. Sem a casa é difícil que alguém volta definitivamente. Até porque já não é tempo de voltar a viver com os familiares, em geral não funciona e vou ficar por aqui. Terceiro: é muito importante transferir a residência para que a pessoa possa usufruir da assistência sanitária e medicamentosa em Cabo Verde. Sem essa transferência não tem nenhuma assistência. Quarto é abrir uma conta bancaria em Cabo Verde é já um sinal da nossa intenção futura. Manter a dupla nacionalidade é sinal de amor à Terra, pedir o NIF e requerer o bilhete de identidade cabo-verdiano mesmo na nossa Embaixada. E, por fim, nas fronteiras do nosso país é melhor se identificar com o passaporte cabo-verdiano e nas nossas instituições com o bilhete de identidade cabo-verdiano.

Outra recomendação é quando chegarem no aeroporto, despedem da língua italiana para dar espaço à língua da nossa terra. Os cabo-verdianos aqui no país não gostam muito das pessoas que voltem ao país falando mal o nosso criolo, ou dizendo que às vezes não compreendem. É visto como um disparate. Não perdoam facilmente e com razão.

Satisfeita com a vida na ilha do Sal

Sim. Estou muito satisfeita, até mais do que imaginava. Cuido muito da minha pessoa. Levanto quando me apetece, tomo um bom pequeno-almoço com muita fruta e um café. A minha refeição, em geral, é a base de peixe, verdura e hortaliças, mas às vezes também carne.

Se me apetece comer um prato italiano, encontro todos os ingredientes em Santa Maria para preparar um prato italiano. Não só: Posso fazer em casa a pasta fresca, lasanha, cannellone, fettuccine, gnocchi. Conheço bem a cozinha italiana e sempre fui uma boa cozinheira. Às vezes preparo para mim e para amigos. A minha casa não falta gente amigas. Sou uma pessoa que gosta muito de ler e não tenho problemas com a vista. Leio muito, faço croché, cozinho e vejo o noticiário e as novelas na televisão, escuto música também italiana, música clássica. Descanso à tarde e das 19h às 21h passo o meu tempo na secção, no Racionalismo Cristão. A minha vida é toda programada dia após dia.

Voltar a residir em Itália

Nunca. O nível de vida que tenho aqui com a minha pensão e com a entrada do aluguer da minha casa é impensável atingi-la em Itália. Moro em numa casa de 181 m² e gosto muito de viajar. Hoje conheço todas as ilhas de Cabo Verde, viajo para Itália dois em dois anos, para o Brasil, Holanda, Portugal, Estados Unidos e posso programar de viajar por onde quiser. Não tenho nenhum motivo para lamentar da minha vida aqui em Espargo.

Saudades da tua vida em Roma

Saudades tenho das minhas amigas, de uma certa convivência que aqui não se pode repetir, mas não sofro por isso. Tenho belas recordações da minha vida em Itália. Apreendi muitas coisas que me ajudaram a crescer e a ser a mulher madura e feliz que sou hoje. Se tenho um diploma de escola media foi graças à oportunidade que encontrei para estudar em italiano e aprender bem essa bela língua que gosto muito. 

Trabalhei em famílias italianas de prestígio, não só em termos de riqueza, mas também na maneira de ser e estar na vida. Gente educada, respeitosa dos direitos dos outros e muito generosos. Foi uma grande escola para mim. Aprendi com eles e eles comigo. A senhora onde trabalhava ensinou-me muitas coisas: a coser roupas e sobretudo a adaptar os vestidos e a modificá-los. Na cozinha aprendi os pratos tradicionais da cozinha italiana. Sou uma pessoa muito curiosa e por isso perguntava sempre, mas aprendo sobretudo roubando com os olhos.

Todas as vezes que vou para Roma tenho que tirar três momentos da minha estadia para ir almoçar nos melhores restaurantes de Roma com a família onde trabalhei durante muitos anos. Estamos sempre em contacto via WhatsApp. A senhora envia-me fotos onde foram passar fim de semana ou ferias. Quando vou de ferias levo comigo e trago belas prendas que me oferecem. São parte da minha família em Itália.

Maior desejo da sua vida hoje

Só peço a Deus que a minha saúde continue assim para que eu possa continuar a gozar do fruto do sacrifício dos meus 60 anos de trabalho na Emigração. Vou fazer 82 anos, mas fisicamente estou bem e ainda não tenho rugas e o meu cabelo é grisalho, não branco. Mas quando viajo para o exterior peço assistência no aeroporto para não ficar muito cansada.

PS – EsTa entrevista é uma homenagem à Mana Rita, essa grande mulher, protagonista de uma emigração de sucesso e ponto de referência para a comunidade cabo-verdiana em Itália e sobretudo para as segundas gerações. Agradeço muito por ter aceitado de compartilhar connosco uma parte importante da sua vida em Itália e em Cabo Verde. Aproveito esta ocasião para parabenizar a Mana Rita que hoje, 12 de setembro, completa 82 anos. Sei que se sente muito feliz e orgulhosa de ter nascido no mesmo dia de Amílcar Cabral: 12 de Setembro

Parabéns e tantíssima augúrio à nossa Mana Rita.

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Constanca Pina

Formada em jornalismo pela Universidade Federal Fluminense (UFF-RJ). Trabalhou como jornalista no semanário A Semana de 1997 a 2016. Sócia-fundadora do Mindel Insite, desempenha as funções de Chefe de Redação e jornalista/repórter. Paralelamente, leccionou na Universidade Lusófona de Cabo Verde de 2013 a 2020, disciplinas de Jornalismo Económico, Jornalismo Investigativo e Redação Jornalística. Atualmente lecciona a disciplina de Jornalismo Comparado na Universidade de Cabo Verde (Uni-CV).

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