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Professor aposentado expressa “profunda mágoa” com remoção da sua folha salarial do subsídio por não redução de carga horária 

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O professor aposentado José António Fortes expressou a sua profunda mágoa com o Governo, o Ministério da Educação em particular, devido a remoção da sua folha salarial dos 30% do subsídio por não redução de carga horária, com a justificação de que não fez os descontos necessários para garantir este benefício. O docente, que lecionou durante 34 anos e foi gestor em pelo menos três escolas, garante que trabalhou 17 anos a mais do que exigido pelo Estatuto do Pessoal Docente para garantir esse subsídio. Por esta altura do campeonato já não acredita na reposição do benefício, mas diz sentir-se mais leve com este desabafo. 

Em intrevista exclusiva ao Mindelinsite, José A. Fortes relata que está aposentado há cinco anos, desde 2019. Conta que começou a trabalhar aos 15 anos, na altura, com apenas  4ª Classe, nas frentes de alta intensidade de mão-de-obra (Faimo). Aos 19 anos, após frequentar o então Ciclo Preparatório, iniciou-se na docência, após ser aprovado em um teste. Desde então, passou a leccionar.  “Quando comecei na docência tinha apenas o 2º ano do Ciclo Preparatório, mas, em paralelo, comecei a frequentar o ex-Ensino Complementar. Mesmo antes de completar o 5º ano, fui convidado para trabalhar com alunos que exigiam uma formação específica, porque viram na minha pessoa algum talento”, diz.

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Em simultâneo, prossegue este ex-docente, foi-lhe permitido ingressar na segunda fase de uma formação em exercício. “Passei então a lecionar para alunos da 5ª e 6ª classe no Concelho do Porto Novo, que na altura praticamente não tinha quadros formados. Os deslocados de São Vicente exerciam sobretudo cargos de chefia. Nas periferias – Alto Mira, Ribeira da Cruz, Norte, Tarrafal, etc. – havia um enorme défice de quadros. Por isso fui convidado para trabalhar como gestor em Tarrafal de Monte Trigo. Exercia a função de diretor administrativo, diretor pedagógico, lecionava e estudava.”

Por mérito, afirma, em 1998 conseguiu concluir a sua formação e, posteriormente, solicitou a sua transferência, por motivo de saúde e outras ambições, e foi colocado em São Vicente. Continuou os seus estudos, tendo inclusive frequentado o 11º, mas, tendo em conta a equivalência das formações anteriores, foi aceite no então Instituto de Estudos Superiores Isidoro da Graça – IESIG, atual Universidade do Mindelo. “Neste estabelecimento de ensino superior, frequentei durante dois anos um curso na área de Português, mas por razões financeiras e outras acabei por abandonar o curso”, descreve.

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Perdas salariais

Apesar de trabalhar vários anos como docente, José Fortes afirma que nunca foi contemplado com o subsídio por não redução da carga horária, quando o estipulado é que os professores do ensino básico com 15 anos de serviço passam a usufruir desta benesse, que se traduz em mais 10 por cento do valor do salário. Com 20 anos de trabalho, o valor do subsídio aumenta para 20%, com 25 anos, sobe para 30 por cento e, acima de 30 anos, atinge os 40% do salário como forma de compensar a não redução do tempo lectivo. “No meu caso, passei 17 anos com esta perda salarial”, desafia, criticando diretamente a Administração Pública que, afirma, funciona na base do “jeitinho”.

O docente acredita que foi penalizado porque nunca foi uma pessoa de pedir favores e nem de “passar graxa”, não obstante as reclamações por este direito. “Submeti os meus documentos a exigir este direito, mas nunca fui contemplado. Com isso, nunca recebi nada, mesmo tendo excedido o tempo estipulado. Em novembro de 2018, então com 34 anos de serviço, dois anos a mais de o exigido, dei entrada ao pedido de aposentação. Mas, em conversa com um responsável, este me instruiu a enviar uma carta com aviso de recepção, e  tempos depois, para minha surpresa, recebi um telefonema de um amigo me parabenizando pelos 30 por cento de subsídio por não redução da carga horária”. 

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Para provar o que dizia, segundo José Fortes, o amigo enviou-lhe uma cópia do Boletim Oficial, onde, de facto, constava o seu nome como um dos professores contemplados com o subsídio. Isso em agosto de 2019, sendo que o pagamento seria retroativo a janeiro. Mas, na altura, já tinha solicitado a reforma desde fevereiro. Por conta disso,  recebeu o subsídio uma única vez. 

“No mês seguinte, cheguei a iniciar as aulas, mas recebi logo de seguida o despacho de aposentação. Fiquei satisfeito porque, pelo menos, vinha para casa com o benefício garantido, após anos a ser roubado. Mas, para minha surpresa, no mês seguinte fui solicitar uma Declaração de Vencimento e os 30 por cento foram removidos, com a alegação de que teria de trabalhar mais dois anos para merecer o benefício.” 

Inconformado, fez algumas diligências para reaver o benefício, inclusive encontrou-se com o ministro da Educação, que evocou razões administrativas para justificar a remoção do subsídio. “Estou a ser penalizado por causa do despacho tardio desta mesma Administração Pública, que me roubou ao longo dos anos em que não recebi o subsídio por não redução da carga horária. Fiz as contas e são mais de três mil contos de perdas. Acho que o meu problema é porque não sou de cobrar favores e nem tenho pessoas conhecidas em determinados sectores da nossa Administração Pública.”

José Fortes, que disse estar a reclamar a título individual, garante que a situação que está a vivenciar afecta toda uma geração de docentes. Neste sentido, desafia o ME a resolver os problemas, primeiro dos professores que serviram de base para o sistema de ensino nacional, antes dos mais recentes. 

Precursor de medidas estruturantes 

Apesar de rejeitar protagonismo, este docente acredita que está por detrás de algumas medidas estruturantes hoje seguidas em várias escolas de São Vicente. Cita, em jeito de exemplo, o caso das crianças filhas das empregadas domésticas, que muitas vezes vão para a escola sem comer e que, na falta de um professor, eram enviadas para casa. “Optei por deixar estes alunos na escola para que pudessem ir para casa após a refeição quente. Nunca tive qualquer reconhecimento por parte da delegação ou do ME, mas felizmente recebo muita gratidão de alunos, hoje adultos, que passaram por mim. Por isso é que digo que tenho uma mágoa profunda contra o Estado de Cabo Verde.”

Acredita que conseguiu também influenciar na decisão de permanência dos alunos repetentes nas suas escolas de origem, sendo que antes  estes eram segregados em um outro estabelecimento de ensino. “Se acabaram com esta medida foi graças a minha reivindicação. Defendi que nenhum aluno deveria ser transferido por motivo de reprovação. Ao contrário, as escolas deveriam criar um projecto pedagógico para a integração destes discentes”, elencou, realçando que, do seu ponto de vista, um aluno só pode ser transferido se esta medida é benéfica, sob pena de ser uma marginalização.

José Fortes diz não ter esperança de reposição do subsídio, mas mostra-se particularmente satisfeito por poder fazer este desabafo. Refira-se que, após lecionar 11 anos em Santo Antão, foi professor durante cinco anos na Escola de Ribeira d’ Craquinha, cinco anos diretor da Escola de Lombo Tanque, mais 12 na Escola de Monte Sossego, totalizando 22 anos na ilha de S. Vicente. Durante este tempo, destacou-se pelo trabalho desenvolvido nos Jogos Escolares, tendo conquistado pelo menos cinco títulos nacionais.

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Constanca Pina

Formada em jornalismo pela Universidade Federal Fluminense (UFF-RJ). Trabalhou como jornalista no semanário A Semana de 1997 a 2016. Sócia-fundadora do Mindel Insite, desempenha as funções de Chefe de Redação e jornalista/repórter. Paralelamente, leccionou na Universidade Lusófona de Cabo Verde de 2013 a 2020, disciplinas de Jornalismo Económico, Jornalismo Investigativo e Redação Jornalística. Atualmente lecciona a disciplina de Jornalismo Comparado na Universidade de Cabo Verde (Uni-CV).

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