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Peixeiras indignadas com obras paradas no Mercado de Peixe: “Estamos amontoadas e sem condições mínimas para trabalhar”

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As peixeiras de São Vicente que vendem o seu pescado no Mercado de Peixe da Rua de Praia estão indignadas com a paralisação das obras de reabilitação e equipamento do espaço. Dizem que, por altura do arranque dos trabalhos, há cerca de dois anos, foram informadas de que estas seriam realizadas em três meses, informação aliás confirmada numa placa afixada ao lado da obra. Mas já lá vão quase dois anos e continuam amontoadas em metade do espaço do “Plurin”, sem as mínimas condições. Parte delas foi empurrada para as ruas da cidade do Mindelo e para as traseiras do mercado e, neste momento, são alvos de perseguição constante dos fiscais da Câmara de São Vicente.

As obras de reabilitação do Mercado de Peixe arrancaram em setembro de 2019 e tinham um prazo de execução de três meses. Mas, para espanto e indiganação das peixeiras, foram suspensas pouco tempo depois, sem nenhuma explicação. “Estamos a ser prejudicadas porque, por falta de espaço, algumas peixeiras, como é o meu caso, tiveram que vir para a rua fazer a sua venda. Neste momento, somos um grupo significativo que está na parte traseira do plurim, com todos os riscos que isso acarreta. Isso porque o cais está em risco de derrocada. Também acabamos por vender em meio a todo o tipo de lixo”, diz uma das três presidentes da Associação das Peixeiras de São Vicente.

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Placa com prazo de execução de 3 meses

Maria “Bibia” Mota afirma que, desde a paralisação dos trabalhos, já procurou a Câmara por diversas vezes para tentar expor a situação das peixeiras, mas limitam a dizer-lhe que têm um projecto para o mercado e que as obras vão ser retomadas. “O problema é que não estamos a ver nenhum projecto, apenas uma obra parada. E não nos dão nenhuma explicação concreta. Dizem que estão a aguardar, mas não sabemos o quê exatamente”, pontua esta peixeira, que aponta o dedo sobretudo à edilidade, enquanto entidade responsável pela execução da remodelação do mercado.

Mais por dentro do assunto, a vice-presidente da Associação das Peixeiras explica que a financiadora do projecto é o Ministério do Mar, através da Direcção Geral dos Recursos Marinhos. “Inicialmente, o presidente Augusto Neves explicou-nos que CMSV iria reformar o mercado, mas o investimento seria sobretudo em máquinas de gelo e de armazenamento de pescado. Na altura, chegamos a fazer uma lista das nossas necessidades, que infelizmente foi ignorada. A nossa revolta é que não há nenhuma decisão”, desabafa Eloisa Mota, que critica também uma tentativa de denuncia na televisão pública, em que foram “quartadas” e que, entretanto, ainda não foi exibida.

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Trabalho de cosmética

Para Bibia, o mais caricato é que em dois anos, limitaram a fazer obras de cosmética no mercado: rebocaram algumas paredes e colocaram um piso no chão, que não se quer é mais indicado porque absorve muita água. “Os tratadores de peixe foram colocados num canto numa espécie de gaiola, já as peixeiras foram todas amontoadas em um único espaço, umas sobre as outras, sem um único banheiro. E isso em plena pandemia. Em caso de necessidade, temos de correr para a sentina que fica nas proximidades do ´caisinho`. Isso quando não encontramos a porta do mercado fechado para evitar aglomeração em que temos de implorar aos seguranças para nos deixar sair”, denuncia.

Tratadores de peixe

Segundo Eloisa, num encontro recente com a vereadora responsável pela gestão dos mercados, Neusa Sança, voltaram a insistir com esta, dizendo-lhe que se encontram em uma situação precária. Lembrou que manuseiam um produto muito sensível, pelo que mereciam uma atenção especial. “Foi durante a Semana de Alimentação Adequada, organizada pelo CERAI, em que a vereadora fez uma intervenção e falou dos projectos da CMSV para o Mercado Municipal. Acredito que este pode estar com alguma carência, mas de certeza que o mercado de peixe é mais urgente. Por outro lado, vendemos um produto muito perecível que demanda cuidados redobrados.”

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A revolta destas peixeiras, sobretudo das que antes vendiam na metade do mercado cercada para obras, é ainda maior porque, dizem, estão a ser obrigadas a ficar ao relento, atrás do mercado, num espaço inundo e com risco para a sua saúde. “São Vicente inteiro conhece as condições por detrás do mercado. Aqui há todo o tipo de lixo, desde vísceras de peixes, camisinhas e mesmo fezes. As vezes somos nós que tentamos limpar para poder colocar a nossa venda. Mas é impossível eliminar o cheiro”, pontua esta jovem peixeira, para quem, antes do início da obra, a CMSV deveria ter procurado um espaço alternativo para colocar as peixeiras. Esta lembra ainda que pagam para trabalhar no mercado. “Se fosse para demorar tanto tempo, cerca de dois anos, então deveriam ter deixado o mercado como estava.”

Peixeiras empurradas para a rua

Na mesma linha, a presidente Rosa “Rosy” Martins conta que foi uma das muitas prejudicadas durante a pandemia porque foi obrigada a vender na rua. “Fui ameaçada por vender na rua. Os meus irmãos têm um bote de pesca e tínhamos de escoar o produto. Por causa do trabalho, fiquei ´presa` num canto no fundo do mercado, onde dificilmente conseguia vender porque, com medo do vírus, as pessoas sequer passam da porta do mercado. Tive de arriscar vender na rua para poder conseguir escoar o peixe”, relata Rosy.

Peixeiras nas traseiras do mercado

Lembra que, por foram do contrato com a CMSV, independentemente de conseguir vender o não o seu pescado, tem de pagar o aluguer do espaço no mercado. Por isso, teve de ocupar a sua pedra. Mas, sem negócio, acaba sempre voltar para a rua. “Estamos aqui dentro muito apertados e, como fico mais para o fundo do mercado, é mais complicado. As peixeiras das pedras da frente ainda conseguem vender alguma coisa. Há quase dois anos estamos à espera da conclusão desta obra. Estamos fechados em um pequeno chiqueiro e, quando saímos na rua, temos os fiscais nos nossos calcanhares. E quando tem muito peixe, os fiscais fecham a porta do mercado para evitar aglomeração. Colocam os clientes em fila para entrar. Muitas vezes, estes desistem, vão para suas casas e ficamos sem vender.”

Lamenta, por isso, não ter acesso ao presidente da CMSV para expor estes problemas. “Não temos ninguém por nós. Felizmente, criamos uma associação, que é a única a tentar defender-nos. Estamos a sentir presos e sem direito a queixar às nossas dores.” Este desabafo de Rosy foi aplaudida por Maria Alice, uma outra peixeira e também ela uma das presidentes da Associação das Peixeiras, para quem esta obra tem sido um atraso na vida das pessoas que trabalham no mercado. “Não temos condições de trabalhar aqui e a situação agrava-se nos fins-de-semana em que a demanda aumenta. Nesta altura, temos de pedir apoio dos seguranças para tentar afastar as pessoas. Queremos o nosso mercado reabilitado”, apela esta peixeira, uma das mais antigas e que vende peixe no plurin há 44 anos.

Em jeito de desabafo, a Associação das Peixeiras, que tem como associados todas as pessoas de São Vicente que trabalham com pescado, incluindo os de São Pedro e Salamansa, lamenta que a vereadora Neusa Sança não tenha cumprido a promessa de reunir mensalmente com o sector para ouvir as suas dificuldades, tendo em vista a procura de soluções. Tiveram uma única reunião conjunta, logo que tomou posse, e nunca mais apareceu.

Venda de peixe e alimentos na traseira do mercado

DGRM também exige explicação

A Direcção Geral dos Recursos Marinhos informa que a obra de reabilitação do Mercado de Peixe foi financiada, no quadro de um contrato programa assinado com a CMSV, que responde pela gestão. Segundo Albertino Martins, a DGRM já foi abordada por peixeiras, que questionaram o arrastar da obra. “Tivemos informações de que a obra está parada e, na semana passada, abordamos esta questão com a gestora do fundo autónomo de pesca, que garantiu que vai ver junto da CMSV o porque da paralisação da obra, até porque há verba disponível. Já fizemos a transferência de uma tranche e teríamos de ter indicações da Câmara para avançar. Não entendo porque a obra está parada.”

Albertino Martins admite que a obra extrapolou o prazo acordado e concorda que as peixeiras precisam ser recolocadas, pelo que vai pedir explicações à Câmara. “Vamos entrar em contacto com a CMSV para ver o porque da paralisação. Não é por questão financeira porque, se tivessem solicitado, a DGRM já tinha desbloqueado a segunda tranche. Acredito que possa haver algum problema de logístico, mas vamos saber ao certo ainda esta semana.”

CMSV justifica atraso com demora na vinda de equipamentos

Confrontada, a vereadora Neusa Sança, que responde pela gestão dos mercados, feiras e actividades lúdicas e administração e gestão de recursos humanos, explica que ela própria tem estado a correr atrás de informações sobre esta obra. “Agora que as coisas começaram a estabilizar na CMSV, mas tenho falado sempre com Eloisa Mota e procuro responder sempre as suas mensagens. Ainda não cheguei até as peixeiras porque estão a procura de informações. Reuni recentemente com o vereador Rodrigo Rendall, que me garantiu que estão a aguardar a vinda de alguns equipamentos.”

Esta autarca alega que este atraso foi provocado pela pandemia da Covid-19. Por outro lado, os custos da obra acabaram por aumentar, pelo que terão agora de reajustar os preços para poder importar os equipamentos em falta. Neusa lembra que esta obra é anterior a sua entrada na CMSV e que assumiu este pelouro os trabalhos já estavam paralisados. “Sei que a execução está a cargo da Spencer Construções. Estou a tentar reunir com o responsável desta obra a cerca de duas semanas para poder reunir informações, sem sucesso. Segundo o vereador Rodrigo, Este garantiu-me ainda que, logo que os equipamentos estiverem no país, a obra será no prazo de três meses.”

Neusa Sança critica, entretanto, o prazo afixado de três meses para a conclusão da obra, afirmando que já trabalhou em projectos pelo que dificilmente este poderia ficar pronto em tão curto espaço de tempo. Termina dizendo que também aguarda com ansiedade a conclusão da obra com porque é consumidora e exige qualidade do pescado.

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Constanca Pina

Formada em jornalismo pela Universidade Federal Fluminense (UFF-RJ). Trabalhou como jornalista no semanário A Semana de 1997 a 2016. Sócia-fundadora do Mindel Insite, desempenha as funções de Chefe de Redação e jornalista/repórter. Paralelamente, leccionou na Universidade Lusófona de Cabo Verde de 2013 a 2020, disciplinas de Jornalismo Económico, Jornalismo Investigativo e Redação Jornalística. Atualmente lecciona a disciplina de Jornalismo Comparado na Universidade de Cabo Verde (Uni-CV).

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