A Organização das Mulheres de Cabo Verde irá abrir até o final do mês um gabinete com consultoria jurídica destinado a vítimas de violência baseado no género (VBG) para auxiliar com informações jurídicas a vítimas que não conseguem pagar um advogado. A iniciativa de dar o seu contributo, com informações dos direitos legais das vítimas, partiu da jurista colaboradora da instituição, Lais Reis, que pretende abordar diferentes questões desconhecidas de forma presencial e à distância para permitir acesso a vítimas de outras ilhas.
“Das várias formações sobre VBG que fiz parte, no final vem sempre a preocupação com o reforço dos apoios às vítimas. E isso não se traduz apenas a empunhar cartazes a clamar por direitos, porque se perguntar às pessoas pelos seus direitos, poucas irão conseguir responder”, lamenta a jurista Laís Reis.
Esta jovem, com mestrado em Direito Penal, pretende esmiuçar os direitos das vítimas desde o contexto família, ao meio laboral e outros que considera que não são abordados no dia-a-dia. “Normalmente dizem para as pessoas irem fazer queixa que o tribunal o faz o resto que é condenar ou não o agressor. Mas não é só isso, pois há outras questões como a guarda dos filhos, partilha de bens, casa comum, união de facto ou a base familiar”, exemplifica.
Explica que a questão envolve ainda direitos trabalhistas que muitas vitimas desconhecem ter. “A nível do trabalho, o propósito é detalhar se a vítima trabalha, qual seu meio de sustento, se tem um contrato de trabalho, quais implicações que a violência irá ter na pessoa, porque sabemos que afeta o psicológico da vítima. Alguém que sofre violência doméstica pode faltar ao trabalho? Tem direitos a dias de casa, como nas licenças maternidade? As pessoas não sabem e nem lhes passa pela cabeça que possuem tais direitos”, frisa, acrescentando que ainda no âmbito do trabalho, pretende esclarecer se uma vítima pode pedir transferência para a sua ilha natal, em que a empresa que presta serviços esteja também localizada, em prol da própria segurança.
Estas informações, de acordo com a profissional, especialista em direito penal, precisam ser socializadas, uma vez que quem as conhece normalmente são juristas que trabalham com a temática da VBG. Ao mesmo tempo que pretende elucidar as vítimas acerca dos direitos e com respostas que muitas vezes “nem na polícia encontram”, prefere que sejam mulheres que não possuem meios para pagar um advogado.
“O preço base de uma consultoria jurídica é de 2500 escudos e quando falamos em VBG muitas vítimas são donas de casa, que não têm renda mensal, dependem do marido ou são mulheres que recebem um salário mínimo, sabendo claro que VBG atinge todos os níveis sociais. Por isso muitas preferem não procurar um advogado e nem sabem onde se dirigir para obter uma informação”, lamenta.
Laís Reis pretende dar o apoio inicial à vítima, no entanto, caso esta venha a precisar de suporte ao longo do processo irá procurar meios para a acompanhar e auxiliar a pessoa a forma de conseguir um advogado para a representar. “Meu papel no gabinete não é de advogada, mas sim de consultora jurídica, mas poderá acontecer casos de a vítima precisar de um advogado, após saber os seus direitos, encaminho-a para a Câmara Municipal para tirar um atestado de pobreza, destinado a pessoas sem recursos financeiros. O atestado dá direito, junto da Ordem dos Advogados, de pedir para que seja atribuído um advogado para ser representada e se a vítima me quiser como sua advogada e estiver sem muitos processos, estarei disponível para a auxiliar”, garante.
Ou seja, a jurista pretende tornar estes processos mais céleres, com informações e tramites legais.
Este é um passo pelo direito da vítima que a jovem, junto da Organização das Mulheres de Cabo Verde, pretende dar, no entanto, há outros caminhos que pensa que precisam ser melhorados noutros departamentos de atendimento à vítima. “Na polícia não sabem muitas vezes fornecer determinadas respostas à vítima por não serem formadas nesta área e defendo que para crimes de VBG deveriam ser polícias especialistas neste setor para receber a vítima. Por isso na OMCV fizemos a questão de ter um espaço precisamente para atender a vítima onde o que a vítima disser, não sairá para fora do espaço”, garante a jovem que, no entanto, deixa claro que o seu trabalho de consultoria não substitui a ida à esquadra.
De acordo com a delegada da OMCV, Fátima Balbina, este é apenas um dos serviços que a instituição pretende prestar em S. Vicente, no que tange a VBG. A ideia é ter um gabinete psicossocial composto por outros dois juristas, profissionais em sociologia e psicologia e uma assistente social para dar atendimento a utentes sem recursos económicos para pagar noutros espaços.