Pub.
Social
Tendência

Mães discordam dos resultados do inquérito às mortes dos recém-nascidos no HBS: “Nunca houve intenção de responsabilizar ninguém”

Pub.

As mães de cinco dos sete recém-nascidos falecidos nas duas primeiras semanas de maio no Hospital Baptista de Sousa, ouvidas por Mindelinsite, discordam liminarmente dos resultados do inquérito instaurado pelo Ministério da Saúde e divulgado ontem. Dizem que nunca houve intenção de se apurar responsabilidades, tendo a comissão limitado a recomendar, com base em suas declarações, medidas visando a melhoria do serviço. Por isso mesmo, prometem continuar a lutar para que se faça justiça. “A substituição do CA foi mais uma cortina de fumaça para nos silenciar porque ninguém foi diretamente responsabilizado”, desabafa uma das mães. 

Em declaração ao Mindelinsite, Telma Delgado mostra-se revoltada com os resultados, mas também com a forma como estes foram tornados público sem que tivessem sido previamente informadas. “É revoltante e não concordo com aquilo que disseram porque tive uma gravidez saudável. Fiz quatro ecografias e nunca foi-me dito que tivesse qualquer problema. O meu bebé nasceu com oito meses e tinha peso normal. O único problema foi que demoraram para fazer o parto e ele nasceu com dificuldades para respirar. Estive em trabalho de parto durante toda a noite e, no início da manhã estava cansada, mas optaram por me colocar em oxigénio até a chegada da outra equipa, ao invés de fazerem uma cesariana. Foi na incubadora que o meu bebé começou a sofrer.”

Publicidade

O mais caricato, prossegue esta jovem mãe, é que agora vem a comissão dizer que todos os bebés morreram de “sepsis neonatal tardia”. “Estamos a falar de sete bebés com histórias diferentes, alguns prematuros outros nem por isso, a falecer coincidentemente de uma infecção, a meu ver, contraída dentro de um serviço do hospital. E ninguém é responsabilizado. Limitaram-se a substituir o Conselho de Administração do hospital, acredito para nos silenciar ou então para minimizar as coisas. Mas, infelizmente para eles, este processo ainda não terminou, está sim a começar. Vamos lutar até o fim.”

Telma Delgado garante que, durante a audição, conseguiram expor a situação, até porque a coordenadora da comissão tinha em mão todos os seus depoimentos dados à imprensa. Lamenta, no entanto, que tenham sido apressadas por Iolanda Landim, que as lembrava sempre que havia outras mães que teriam de ser ouvidas. “Agora, após a divulgação dos resultados do inquérito que fui perceber que este nunca foi para se apurar responsabilidades ou para penalizar qualquer profissional. Aliás, basta ver a parte final onde propõem um plano de trabalho no hospital, tendo em vista a melhoria dos serviços. E isto com base nos principais pontos das nossas reclamações. A pergunta que coloco é para quê mudar a administração se os maus profissionais continuam lá?” 

Publicidade

Por causa disso, esta mãe admite que tem medo de voltar a engravidar para não passar por tudo de novo. “Imagina se eu chegar novamente ao hospital grávida e encontrar a mesma médica, o mesmo enfermeiro e o mesmo servente! Como vou me sentir? Ou então tenho de tomar uma decisão radical de não voltar e engravidar porque tive uma gravidez normal e saí do hospital com o meu bebé em um caixão e ninguém foi responsabilizado”, desabafa Telma, que critica ainda a tentativa de se culpabilizar as mães por este trágico fim. “A partir do momento que dizem que todas nós tivemos gravidezes de risco, e que havia indicação para sermos acompanhadas, estão a responsabilizar as mães.”

Sobre este particular, Telma cita os muitos comentários nas redes sociais, inclusive de um enfermeiro que, afirma, critica estas mães por estarem a lutar por justiça e a responsabilizar o hospital. Condena igualmente outros que levantam suspeitas se estas fizeram o pré-natal, o que poderia evitar o desfecho. “Quero dizer que, em oito meses, fiz quatro ecografias e tudo estava normal. Se eu tivesse uma gravidez de risco, este seria detetado antes de dar entrada no hospital com uma simples dor de barriga. Mas, mesmo se fosse, então significa que, a partir de agora, nenhum bebé pode nascer prematuro no HBS”, diz, lembrando que as mortes destes recém-nascidos, foram antecedidas de um cenário similar no início do ano, em que morreram cinco bebés.

Publicidade

“A pergunta é quanto mais bebés precisam morrer para alguém ser responsabilizado? Falta no país um instrumento de penalização dos maus profissionais, principalmente no hospital. O povo é que fica sempre injuriado por estas situações. É por isso que, sempre que alguém ameaça reclamar, as pessoas dizem que não adianta.”

Suposições 

Para Carolina Araújo, os resultados do inquérito foram manipulados por isso vão ter de procurar, por seus próprios meios, formas de repor a justiça. “Não concordo com os resultados porque limitam a fazer uma suposição. Dizem que os bebés podem ter morrido por sepse neonatal tardia. Não houve uma conclusão definitiva, mas é um sinal de que fecharam o dossiê. E eu soube através da imprensa, nunca ninguém me chamou ou convocou para uma reunião para explicar o resultado do inquérito. Acho que deviam falar com as mães primeiro e só depois divulgar na comunicação social. Foi brutal.”

Não obstante o seu bebé ter sido prematuro extremo – nasceu com apenas 790 gramas -, Carolina Araújo não aceita que todos sejam colocados no mesmo “saco”. “Não acredito que sete bebés, de mães diferentes e cada um com a sua história, possam morrer todos com a mesma infecção. Não acredito em coincidência neste caso e, se houve um problema, só pode ter sido contraído no serviço de Neonatologia. Precisam recuar e resolver o problema, sob pena de outros bebés morrerem na mesma situação neste serviço”, desabafa.

Esta mãe mostra-se ainda mais céptica porquanto, diz, a comissão afirma que os bebés faleceram de sepse neonatal, mas as certidões de óbito indicam que, no caso do seu bebé, de outras causas. “Pergunto quantas desculpas diferentes vão dar para justificar o injustificável. Mais quantas suposições vamos ouvir, dependendo das fontes, seja o hospital ou o Ministério. No meu caso, não me devolveram a certidão, mas fiz uma foto com o meu telemóvel e diz claramente que o meu bebé morreu de pneumonia e insuficiência respiratória”, pontua esta mãe, que promete continuar a lutar e não descarta recorrer à justiça. “Este caso não está fechado, tivemos de falar para não ser escondido e vamos lutar agora para que se faça justiça e os responsáveis sejam punidos.

Bebés saudáveis

A mais jovem do grupo, de apenas 17 anos, Rady Lima diz-se desacreditada das autoridades de saúde. “Soube dos resultados quando fui abordada pela imprensa sobre isso, mas não sabia que já tinham concluído o inquérito. Mas fiquei ainda mais surpreendida por dizerem que os bebés estavam com uma infecção, quanto todos nasceram saudáveis. Mesmo no meu caso, que o meu bebé nasceu de seis meses e com pouco peso, perguntei a médica sobre o seu estado de saúde e ela me disse que a criança era saudável. Meu bebé foi para a incubadora apenas porque não estava a respirar normalmente. Foi lá que desenvolveu a infecção que provocou a sua morte e das outras crianças.”

É por isso que as sete mães decidiram lutar em conjunto por justiça, enfatiza Rady. Na mesma linha segue Janilda Santos, que até então diz desconhecer o teor do relatório, excepto por partes soltas que já leu na comunicação social. Apesar disso, mostra-se completamente perplexa com as conclusões. “Não gostei nenhum bocadinho daquilo que li até agora. Em termos de tratamento, no meu caso não tenho do que reclamar. Mas vi outras colegas serem maltratadas. Não estou a discutir apenas o meu direito porque entendo que todos temos de ser bem tratados. Não posso ficar em silêncio sobre isso. Também não concordo que a assistência dos profissionais aos bebés foi admissível, como diz o relatório.”

Sobre as mortes terem sido por sepse neonatal tardia, Janilda Santos admite que pode ser verdade, mas deixa claro que a infecção foi contraída na Neonatologia. “A minha gravidez foi saudável. Tive apenas uma infecção urinária porque bebo pouca água, mas nada de muito grave. Por isso, não aceito agora que venham dizer que a minha gravidez tenha sido de risco. E tenho como provar. Todos os meus exames feitos durante a gravidez, de sangue ou de urina, estavam normais. Agora, inesperadamente, vêm dizer que éramos todas de risco. Estamos a falar de sete mães que perderam os seus bebés, como é possível sermos todas de risco. Este relatório tenta justificar o injustificável”,  revela, lembrando que cada mãe expôs na audição problemas diferentes.

No seu caso, afirma, a última ecografia no hospital acusou uma hematoma, mas sequer foi informada sobre isso. “Durante o exame, ouvi a médica, que é estrangeira, dizer a pessoa que estava a escrever que detectou um hematoma. Acreditei que seria medicada para resolver o problema, mas não fizeram nada. Nunca nenhum médico me disse o que tinha e se precisava de tratamento. Foi só depois que o meu bebé faleceu e que tive alta, ao ler os documentos, que encontrei o exame. Na consulta pós-parto perguntei a uma outra médica e ela me disse que a hematoma pode ter sido da cirurgia”, exemplifica.

Desânimo

Este é o estado de espirito de Ruth Oliveira, que também diz discordar frontalmente dos resultados do inquérito porque, afirma, nunca antes se falou em infecção, seja das mães ou dos bebés. “No meu caso estive sete dias internada a ser medicada. Igualmente o meu bebé. Chegaram a informar-me que os remédios eram para prevenir infecções. Por isso, não aceito que venham apontar como causa de morte infecção generalizada. Por isso, vamos continuar a lutar por justiça. Mas já não temos muita esperança de que algo vai mudar.”

O inquérito às mortes dos sete recém-nascidos no Hospital Baptista de Sousa indica que estes eram prematuros e prematuros extremos e que morreram por causa de “sépsis neonatal tardia”, ou seja, de infecção generalizada. Concluiu ainda que a assistência pré-natal foi cumprida e a qualidade e segurança da assistência durante o internamento do ponto de vista técnico e humano das mães e dos recém-nascidos foi razoavelmente satisfatória. Este diz ainda que a maioria das gestantes tinha gravidez de risco aumentado para parto “pré-termo e, pelos antecedentes, foram seguidas nas estruturas primárias e tinham indicação para seguimento na consulta de alto risco para gravidas. 

Mostrar mais

Constanca Pina

Formada em jornalismo pela Universidade Federal Fluminense (UFF-RJ). Trabalhou como jornalista no semanário A Semana de 1997 a 2016. Sócia-fundadora do Mindel Insite, desempenha as funções de Chefe de Redação e jornalista/repórter. Paralelamente, leccionou na Universidade Lusófona de Cabo Verde de 2013 a 2020, disciplinas de Jornalismo Económico, Jornalismo Investigativo e Redação Jornalística. Atualmente lecciona a disciplina de Jornalismo Comparado na Universidade de Cabo Verde (Uni-CV).

Artigos relacionados

Botão Voltar ao topo