Pub.
Social
Tendência

José Pereira: “Fui o 1º inscrito para integrar o Corpo de Bombeiros de S. Vicente”

Pub.

Aos 90 anos e cerca de quatro meses, José Maria Gonçalves Pereira é uma daquelas figuras de S. Vicente que inspira confiança. Dono de uma prestigiosa memória – recusa apenas avançar as datas para não correr o risco de se enganar porque, afirma, já não está jovem -, conta com fluidez a sua história de vida, muito feliz como faz questão de dizer. Destaca entre outros a sua passagem pelo Corpo de Bombeiros de S. Vicente, de que diz ser o primeiro inscrito, acabando por assumir o posto de sub-chefe da corporação e “braço direito” do chefe, o cidadão luso Ricardo Tristão. 

Ao Mindelinsite, este conta com que é uma pessoa tranquila, mas muito organizada. Garante que em mais de nove décadas de vida fez tudo o que pretendia, mas sempre dentro de respeito. “Sou naturalmente uma pessoa curiosa. Completei o primeiro grau e, era tão aplicado que o conhecido professor Dr. Carvalho, procurou meu pai para tentar convencê-lo a fazer a minha matricula no liceu. O meu pai recusou, alegando que os meus irmãos não tiveram este privilegio e não podia fazer diferente. Foi uma estupidez porque até nem éramos muitos, apenas uma meia dúzia”, conta, lembrando que, na altura, quem finalizava o 2º. Grau em Cabo Verde era “doutor”. 

Publicidade

Inconformado, decidiu investir na sua educação por conta própria. Tornou-se autodidacta. Lia todo o tipo de livros, mas com mais vontade os que tinham a ver com a moral. Fora da escola formal, decidiu participar de um concurso lançado pela Câmara Municipal e foi seleccionado para ser Chefe do Serviço de Abastecimento de Água. “Era um cargo de respeito, sobretudo para um jovem em começo de vida. Depois casei mas, infelizmente, não tive filhos. Residia em Monte Sossego, onde fui convidado para desempenhar as funções de Cabo Chefe. Era, na altura, a autoridade máxima na zona. As pessoas respeitavam-me porque eu tentava ser um indivíduo correcto”.

Por volta de 1961, então na gestão do Dr. Henrique Teixeira de Sousa, a Câmara Municipal decidiu criar um Corpo de Bombeiros, ditado pela demanda de um serviço autónomo de extinção de incêndios. A ilha crescia, a população aumentava e os militares portugueses colocados na ilha nem sempre estavam disponíveis para atender as situações de emergência. “Fui um dos primeiros a me inscrever. Seguiram-se outros colegas. Aliás, o Corpo de Bombeiros foi montando essencialmente com funcionários da Câmara. Como tinha experiência em cargos de responsabilidade, fui convidado para auxiliar o chefe, o cidadão português Ricardo Tristão, que cumpria o serviço militar na ilha e tinha alguma experiência. Foi o único a participar de um concurso lançado pela Câmara, que estava a recrutar uma pessoa idónea para montar o 1º. Corpo de Bombeiros de S. Vicente.”

Publicidade

Espírito de bombeiro 

José Pereira conta que nunca foi um funcionário de “secretaria”, isto é, permanecia muito pouco tempo na Câmara, pelo que se sentiu livre quando entrou nos bombeiros. Passou a “viver” no quartel. “Ajudava o chefe nos treinos dos agentes e na organização do quartel. Tínhamos poucos meios – tínhamos uma escada e duas viaturas velhas cedidas pelas Câmara -, mas trabalhávamos com satisfação e tínhamos orgulho de ser bombeiros”, lembra, realçando que recebiam uma pequena gratificação de 300 escudos – o chefe auferia 500 escudos – mas ninguém se importava com os valores. 

Infelizmente, em decorrência de um conflito interno, foi obrigado a abandonar os bombeiros. Pereira revela que, na qualidade de sub-chefe do serviço, arcou com as responsabilidades. Regressou ao seu posto de origem na Câmara como Chefe dos Serviços de Abastecimento de Água e das Viaturas Municipais, cargos que manteve até a reforma, depois de mais e 40 anos de trabalho.

Publicidade

É com orgulho que Pereira afirma que teve uma vida feliz. “Testemunhei os períodos mais importantes da história de Cabo Verde e  as mudanças como algo natural, mas fiquei feliz com a independência porque passamos a mandar na nossa terra e nas nossas casas.”

Talvez por conta do seu optimismo, nunca equacionou emigrar, aliás, nem mesmo sair de S. Vicente para trabalhar noutra ilha. “Fui e sou feliz em S. Vicente e na minha casa. Tenho muitos amigos de conhecimento e sou respeitado. Nunca senti necessidade de sair da minha ilha para trabalhar no estrangeiro, talvez porque era feliz e o meu trabalho me satisfazia. Morei largos anos no Monte Sossego. Há 12 anos mudei para a minha casa no Alto Miramar, de onde espero seguir para a minha última morada”, finaliza. 

Mostrar mais

Constanca Pina

Formada em jornalismo pela Universidade Federal Fluminense (UFF-RJ). Trabalhou como jornalista no semanário A Semana de 1997 a 2016. Sócia-fundadora do Mindel Insite, desempenha as funções de Chefe de Redação e jornalista/repórter. Paralelamente, leccionou na Universidade Lusófona de Cabo Verde de 2013 a 2020, disciplinas de Jornalismo Económico, Jornalismo Investigativo e Redação Jornalística. Atualmente lecciona a disciplina de Jornalismo Comparado na Universidade de Cabo Verde (Uni-CV).

Artigos relacionados

Botão Voltar ao topo