A Cabo Verde Empresas, associação criada para representar e defender os interesses de todos os pequenos e médios empresários, critica de forma contundente os transportes marítimo e aéreo no país. Diz ainda que apoia a opção estratégica de incentivar e descentralizar a oferta turística nacional, prevista no plano de marketing aprovado pelo Governo, mas alerta que esta é uma aposta inviável à partida porque o problema dos transportes interno é altamente constrangedora.
Num longo comunicado, esta agremiação de empresários começa por dizer que, no último mês, a imprensa nacional divulgou noticias alarmantes sobre situação, sem que a tutela do sector tenha alterado a sua posição e o plano de ação no sector dos transportes domésticos continua por publicar. Cita, a título de exemplo, o anúncio feito pela TACV a 4 de julho de despedimento de pessoal e redução dos salários dos pilotos e, três dias depois, a informação de que a companhia deixou 110 passageiros em terra no Mindelo por não estar autorizada a voar na Europa (licença não renovada).
Na sequência, afirma, no dia 8 de julho o navio Interilhas sofreu uma avaria e foi devolvido ao porto, junto com outro dois do Grupo ETE em manutenção, causando um caos no transporte marítimo, pelo facto de ocupar uma posição de quase monopólio no mercado. A 11 de julho, o litígio entre a TACV e a Icelandair fica finalmente resolvido, obviamente com a devolução da aeronave aos proprietários e a assunção pela TACV, já em grave crise financeira, das dívidas com a ASA.
“Em 17 de julho, a quebra de uma aeronave BestFly afetou todo o transporte aéreo doméstico durante pelo menos uma semana, esta também uma empresa monopolista com dois aeronaves disponíveis. Significa que a cada manutenção ou avaria, o transporte doméstico continuará a sofrer enormes repercussões na mobilidade nacional”, diz, realçando ainda que no dia 28 do mesmo mês, a empresa CV Interilhas acusou o Governo de não ter revisto as tarifas do transporte marítimo desde 2012 e de não ter pago dívidas de milhões de euros, desculpando-se que nestas condições não é possível investir em meios adequado e na manutenção a longo prazo.
A situação que era difícil ganha outros contornos alarmantes no dia 01 de agosto, numa evacuação médica urgente da ilha da Brava em que a única alternativa é um barco privado, que infelizmente sofre uma avaria. Sem meios alternativos, a evacuação terminou em tragédia. Ainda: a 4 de agosto, a Câmara do Turismo alerta que os preços exorbitantes dos voos inibem a procura turística, alegando que os custos aeroportuários são muito elevados. No dia 7, a Associação de Guias Turísticos de Santo Antão anunciou também que os preços dos voos estão tão altos que os turistas estão a cancelar as suas reservas, com graves prejuízos para a economia local e, no dia 10, a TACV admitiu que o negócio atual não tem capacidade para pagar todos os custos e que a empresa está a acumular prejuízos.
Sem garantias para os turistas
Perante este quadro, conclui a Cabo Verde Empresas que não existem condições mínimas para o transporte interno de forma a dar garantias aos turistas internacionais ou nacionais, seja em termos de preços, regularidade ou previsibilidade, tanto no sector aéreo como no marítimo. “O transporte doméstico não é apenas uma questão de comércio, é sobretudo uma questão social prevista na Constituição e o garante do direito à mobilidade. Mas não se pode garantir o direito à mobilidade quando os preços do transporte aéreo ultrapassam o salário mínimo e o marítimo exige muitas horas de sofrimento a que nem todos podem resistir, devido à idade ou condições de saúde.”
Apesar disso, lamenta, desconhece-se os planos estratégicos e operacionais do Ministério dos Transportes para regular o mercado, para que as ligações inter-ilhas sejam um recurso para o país e não um drama social. “Qual é o sentido de ficar indignado se você não receber nenhuma resposta? Quais são os parâmetros utilizados para avaliar a qualidade do serviço oferecido? Onde estão as estatísticas de atrasos, cancelamentos, falta de resposta a um call centre ou falta de reembolso de despesas? Quem avalia a qualidade das concessões emitidas e quais as consequências para quem não redefine os parâmetros mínimos de qualidade? Quais são os órgãos responsáveis pelo controle e o que eles têm feito para gerenciar os problemas que continuam evidentes na média pública e privada?” interroga.
Certo é que, por conta disso, os operadores turísticos não conseguem fazer um plano de investimento que não seja nas ilhas do Sal e da Boa Vista, por não se sentirem suficientemente garantidos pela fiabilidade do transporte ou competitivos nos custos de um pacote turístico interno,. Os empresários não podem garantir o transporte de produtos frescos entre as ilhas, com prejuízos contínuos ao comércio interno e isolamento económico de algumas ilhas de outras, aumentando a dependência das importações, especialmente no Sal e na Boavista. “Certamente não somos as Ilhas Canárias, mas sem um serviço de transporte doméstico adequado nunca seremos.”
Investir no transporte doméstico
Defende a Cabo Verde Empresas que o país deve investir no transporte doméstico privado ou público-privado, de baixo custo, subsidiado e num cenário competitivo, de forma a eliminar o espaço vazio entre as ilhas e catalisar mais investimentos privados em outros setores que não o turismo, fomentando as relações sociais e culturais, favorecendo o turismo nacional e internacional. O peso dos subsídios, enfatiza, será compensado por uma maior atividade económica, que se traduzirá em mais receitas para o Estado, mais emprego, maior coesão social, ou seja, pelo progresso do país.
O verdadeiro desafio não é incentivar o turismo internacional, já presente, gerido pelo setor privado e com um extraordinário efeito multiplicador na economia nacionais e com constantes investimentos estrangeiros e nacionais. Foi, é e continuará a ser o transporte doméstico, reafirma, lamentando que o Governo ainda não tenha sido capaz de fornecer uma solução definitiva para o problema. “As empresas necessitam de transportes eficientes, competitivos, capazes de entregar mercadorias em 24/48 horas em qualquer ponto do arquipélago, para poderem competir a nível nacional, independentemente da ilha em que decidam estabelecer a sua atividade produtiva ou comercial. Só assim podemos começar a criar as bases para que o desenvolvimento industrial e económico do país seja descentralizado do eixo Praia e Mindelo e o desenvolvimento turístico fora do eixo Sal e Boavista.”
Em jeito de remate, a Cabo Verde Empresas afirma de forma categoria que sem uma rede de transportes inter-ilhas eficaz, o país não conseguirá desenvolver-se de forma homogénea, aumentando cada vez mais as desigualdades entre as ilhas que gozam de um mínimo de economia de escala (Santiago e São Vicente) e as menos populosas, que não conseguem exportar sua produção com prazos e custos competitivos. “Aguardamos por uma nova dinâmica no transporte inter-ilhas, capaz de representar uma vantagem competitiva e um exemplo a nível internacional, prestando serviços eficientes, eficazes e a preços competitivos graças à política de ‘low-cost’ .“