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Verba volant, scripta manent!

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Acerca da escrita do plural de artesão e a correção linguística. Em relação à correção linguística existe uma dicotomia. De um lado a ideia de que o povo tem o poder criador. Sendo o responsável pelo dinamismo da língua, ele é soberano. Considera-se a interferência dos sectores cultos um elemento perturbador, conservador e, até mesmo, repressivo. Por outro lado, posicionam-se os linguistas que consideram esta liberdade uma certa anarquia linguística.

João Delgado da Cruz

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Para estes, é uma força demolidora do edifício gramatical, construído desde a época alexandrina com base na analogia. Encabeçando esta lista de defensores da fundamentação da correção linguística baseada em fatores mais objetivos, encontra-se o linguista sueco Adolf Noreen. Para este genial linguista, há três critérios principais de correção: Histórico-literário, Histórico-natural e Racional. Este último o seu preferido.

O critério Histórico-literário diz que se deve “tomar como modelo o uso da língua/escrita encontrado em escritores de uma época passada”, em geral escolhida arbitrariamente. É o que normalmente referimos como exemplo dos clássicos. Em relação a língua portuguesa ainda ecoa os exemplos do clássico Camões e os seus pares. O critério Histórico-natural que alguns denominam de anárquico, estriba-se na ideia do povo criador. A língua é um organismo vivo e desenvolve-se melhor num estado de completa liberdade. Não existe nada correto ou incorreto na língua.

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Contradizendo a arbitrariedade do primeiro critério e o absurdo do segundo, Noreen diz que “o melhor é o que pode ser apreendido mais exata e rapidamente pela audiência presente e pode ser produzido mais facilmente por aquele que fala”. Noreen é criticado, principalmente por Jerpersen que considera esse critério individualista e elitista, pois “divide demasiado a comunidade linguística em indivíduos particulares e esquece o conjunto”.

Para Jespersen o que justifica a correção é “algo comum para o que fala e para o que ouve”, e que lhe facilita a compreensão. A partir daí estabelece-se um elemento comum que é “a norma linguística que ambos aceitaram de fora, da comunidade, da sociedade, da nação “.

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Numa sociedade somos confrontados com normas e o mesmo sucede com a língua, com a diferença de que as normas linguísticas são mais complexas e mais coercivas. Para o brasileiro Celso Cunha e o português Lindley Cintra deve-se adotar um conceito de norma com maior liberalismo linguístico na comunidade de língua portuguesa, formada hoje por sete nações soberanas, todas contribuindo para o enriquecimento do património linguístico comum com formas e construções novas.

Então, em nome de que princípio se corrige o falar de uma pessoa? Mormente em Cabo Verde em que há duas línguas que convivem secularmente, uma tem maior prestígio é língua oficial e é a base lexical da outra. Como abordar o erro quando uma interfere na outra? Prestigia-se a interferência da língua portuguesa na cabo-verdiana e o contrário não é aceite.

Tomemos como exemplo o erro na transcrição ou locução do plural do vocábulo “artesão”. Considero aceitável o erro tendo em conta a complexidade da situação, onde se sobrepõem fenómenos de compreensibilidade, interferências, coercividade e normalização.

Convém esclarecer que na língua cabo-verdiana (vulgo crioulo) a marca do plural é na maior parte das vezes um quantitativo, podendo ser um adjetivo de quantidade, um numeral ou um coletivo. A desinência “s” surge somente nos casos em que o plural não pode ser indicado por um quantitativo. Ademais, na língua cabo-verdiana é mais consagrado o vocábulo “artista” como sinónimo de artesão.

Exemplos do primeiro caso: Txeu jente Dôs amedjer E do segundo; Féstas de fim d’ône. A Nova Gramática do Português Contemporâneo de Celso Cunha e Lindley Cintra diz-nos que a regra geral do plural dos substantivos terminados em vogal ou ditongo forma-se acrescentando a desinência -s ao singular.

Entretanto fala em regras especiais para os substantivos terminados em-ão. Os substantivos terminados em-ão formam o plural de três maneiras baseadas em princípios de regra geral, etimológicos e a partir de acordos ortográficos.

a) a maioria muda a terminação -ão em -ões Exemplos: vulcões, corações, tubarões, opiniões. Neste grupo incluem-se todos os aumentativos. Exemplo: casarões b) um reduzido número muda a terminação -ão em -ães. Exemplos: cães, pães e alemães c) um pequeno número de oxítonos (acento na última sílaba) muda a terminação -ão em -ãos. Exemplos: cidadãos artesãos cristãos Neste grupo incluem-se todos os monossílabos como grãos e mãos.

Atenção que artesão, quando significa “artífice”, faz no plural artesãos; no sentido de “adormo arquitectónico”, o seu plural pode ser artesãos ou artesões. E todos os paroxítonos (acento na penúltima sílaba). Exemplos: acórdãos, bênçãos, órfãos.

Para complexificar mais esta questão, alguns substantivos terminados em -ão, não têm ainda uma forma de plural definida, notando-se uma preferência pela formação mais comum, em -ões. Exemplos: aldeões/aldeãos/aldeães anãos/anões anciãos/anciões/anciães Assim, o plural do ditongo -ão varia de acordo com princípios acordados e etimológicos.

Como a palavra tem origem italiana, prevalece a regra geral de plural em -ãos. Para vocábulos com étimo latino, prevalece o acusativo plural, com a queda do “n” intervocálico e nasalização da vogal “a”. Exemplos: (pão) panes>pães (reparem que -ãe tem também plural em -ães) (mão) manus>mãus>mãos Como escrever ou dizer corretamente o plural do ditongo -ão se não se conhece a origem da palavra? Somente pela memória da escrita.

De certeza que o falante em questão não tem a memória da escrita do plural de artesão, mas ninguém tem a memória da escrita do plural de todos os vocábulo terminados em -ão. Concluindo, o plural de -ão pode ser -ãos, -ões e -ães. Para escolher corretamente este plural deve-se ter conhecimentos filológicos ou memória da escrita.

Posto isto, aceita-se o erro do vocábulo “artesões” e recomenda-se o uso acordado “artesãos” como sinónimo de “artífices”. Não falo propositadamente da memória auditiva, pois em Cabo Verde não existe o ambiente linguístico adequado defendido por Chomsky. O ensino da língua portuguesa deve ser como Língua Segunda não materna. Cabe à escola fornecer os nutrientes que o aluno não encontra fora da sala de aula.

Como obter a memória da escrita? Lendo, lendo muito. Pois, as palavras voam e os escritos permanecem!

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Constanca Pina

Formada em jornalismo pela Universidade Federal Fluminense (UFF-RJ). Trabalhou como jornalista no semanário A Semana de 1997 a 2016. Sócia-fundadora do Mindel Insite, desempenha as funções de Chefe de Redação e jornalista/repórter. Paralelamente, leccionou na Universidade Lusófona de Cabo Verde de 2013 a 2020, disciplinas de Jornalismo Económico, Jornalismo Investigativo e Redação Jornalística. Atualmente lecciona a disciplina de Jornalismo Comparado na Universidade de Cabo Verde (Uni-CV).

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