Achada a 22 de Janeiro de 1462 (dia de São Vicente) pelo escudeiro de D. Fernando, Diogo Afonso: São Vicente é uma ilha vencedora, pelo nome e pelo seu passado. Vicente tem como étimo o particípio presente do verbo latino VINCO (vencer), VINCENTE (aquele que vence). Muito bem referenciado pelo papa João Paulo II aquando da sua passagem por Mindelo.
Por: João Delgado da Cruz
A Ilha que venceu a dor, como o santo que lhe deu o nome.
São Vicente venceu o destino de ilha insalubre e inabitável. Depois de várias tentativas frustradas de povoamento, relatadas com mestria, em estilos complementares, por Leão Correia e Silva em “Nos Tempos do Porto Grande do Mindelo, (1998)” e Germano Almeida em “Cabo Verde – Viagem pela História das Ilhas, (2003)”. De Vila Leopoldina a Mindelo; depois de muita resiliência, sofrimento e perseverança, a ilha entrou nos trilhos do desenvolvimento.
A minha geração fala de ecos de um tempo “sabe”, tempos áureos do Mindelo. A morna “Tempo de Caniquinha” do cabo-verdiano Sérgio Frusoni, filho de pais italianos, fala de um passado glorioso da ilha, muito antes dos anos cinquenta:
[…]Oh Sanvecente daquês dia
Atê góte de Manê Jon
Tá ingordá na gemáda.”
Em todos os tempos, fala-se de um tempo “sabe”. A glória da ilha de São Vicente foi sempre sobreestimada pelas demais ilhas. A origem está num “Mito” criado pela música e pela maneira de ser do mindelense.
Lela de Maninha resume este sentir na morna:
“Quem q’oiá
São Vicente de longe
Ca ta imaginá
Qui tormente nô ta passá
[…]Senhor São Vicente ta guióne
Quê no tem fê d’salvá um dia”
Esse passado de abundância é desmentido pelos factos. Outrossim, este passado é um sonho de futuro de prosperidade.
Mesmo nos anos 1850 a 1900, considerado pelo vate, tempo em que “Soncent era sabe”, “não era tão sabe assim”.
Havia muita movimentação no Porto e na ilha. O abastecimento de combustível e as atividades paralelas como extração da pedra para o lastro dos navios dava trabalho a muita gente. Isto criou um mito de bem estar que em termos factuais se resumia em trabalhos precários e mal pagos. Ganhava-se o suficiente para a sobrevivência, sem nenhuma poupança. Germano Almeida fala numa população conhecida como capaz de consumir num dia os ganhos todos de uma semana. “Sima t dzid pe tradição, depôs de sabe morrê cá nada”.
Frank Cavaquim pinta este quadro na coladeira “Ganhá poque, vivê bem”:
“Nô tâ ganhá poque
Nô ta vivê bem
Nôs lema ê passá-sabe
E ninguém tem nada com isso
(…)
nôs ê maior do munde,
C’má nôs ca ta parcê
Quem qu’rê sabê s’ê dvèra
Perguntá na quem sabê”
Na verdade, só cem anos depois do início da exploração carvoeira, 1957, sai a primeira lei de proteção ao trabalhador. Portanto, as dificuldades de sobrevivência sempre estiveram presentes, mormente o aparecimento de uma pequena elite de pequenos comerciantes. Os jovens mindelenses especializam em expedientes tais como, diz Duncam, citado por Germano Almeida “em pequenos botes conduzidos por um magote de remadores que tentavam escapar a vida vendendo frutas, doces e curiosidades da terra. Subiam as escadas quebra-costas, fugiam dos guardas da Alfândega e dos tripulantes, procurando subir para o convés dos navios, não só para tentar vender os seus produtos, como também querendo comprar cigarros, tabaco e bebidas para serem revendidos em terra.”
Era uma vida nhanhida não exclusiva daqueles que pululavam a volta do cais. O Porto Grande é o coração cujas artérias se espalham pelos bairros da ilha.
Manuel Lopes, no conto “O Galo Cantou na Baía” explora magistralmente esta síntese entre a população e o Porto Grande.
Para Brito Semedo no “Expresso das ilhas” de 30 janeiro de 2019:
A forte presença dos ingleses na ilha, nos mais diversos sectores de actividade económica, da área do shipping, da telegrafia e do comércio em geral, foram determinantes na formação dos hábitos e costumes do homem sanvicentino, moldando-o. Ao mesmo tempo que o influencia e desenvolve nele a necessidade e a apetência por tudo quanto representa o Outro, enquanto modelo de progresso e desenvolvimento, com destaque para o british.
Teixeira de Sousa, no seu romance Capitão de Mar e Terra (1984), cujo pano de fundo da história se situa nos anos 30 e 40 do século passado, criou uma personagem, Walter – necessariamente um nome inglês, no original “uolta” – que, a páginas tantas e apesar da origem do seu nome, ironiza essa mania de se copiar tudo dos ingleses, dizendo o seguinte:
“Os Ingleses puseram aqui o seu padrão de vida, que toda a gente adoptou para se guindar socialmente. Desde o gim ao tabaco amarelo, ao críquete, ao smoking, ao golfe, ao footing, há todo um conjunto de hábitos e preferências que o Mindelense superestima por provir do Reino Unido. Até se caga à inglesa, em latas com areia no fundo e areia ao lado”.
Onésimo Silveira, no “Expresso das Ilhas” de 3 de julho de 2013 diz, peremptoriamente, que “Não é possível perceber a história de S. Vicente… sem a interligar com a história da expansão do império britânico no Séc. XIX. (…) A população, bem ou mal, convivia com estes novos “colonos” europeus, nas companhias carvoeiras, nas oficinas, nos serviços, no desporto, nas festas, etc”.
Para António Correia e Silva, “durante estes anos, Mindelo vive uma aparência de bem estar, para a qual a população trabalhadora paga um preço exagerado e que se traduz em emprego precário, baixos salários e completa ausência de proteção social para uma massa vivendo… sem o mínimo de condições higiénicas… com os dejectos a serem transportados em latas todos os dias às 9 horas da noite e despejados nas latrinas do Caizinho”.
São condições higiénicas deploráveis, agravadas pela escassez de medicamentos. O então delegado de saúde, Dr. Sereno, mostrava-se preocupado com as epidemias, nomeadamente a tuberculose, provocada pela respiração do carbono.
No liceu, como estudantes do Curso Complementar, sentimos um pouco deste drama na morte de Parafuso, em Chiquinho. Depois viemos a saber, através da entrevista de Michel Laban a Baltasar Lopes que Parafuso é a representação ficcional de um ex-aluno, de nome Martinho Charuto, que morreu em condições idênticas. Baltasar Lopes também refere, na mesma entrevista, à paralisia de B.Lèza como consequência de uma estirpe de tuberculose que grassava pela ilha.
O conto “O Rapaz Doente ou a Conjura” de Gabriel Mariano trata com clareza este tema triste e duro:
“O rapaz, enfraquecido e amarelo, impressionava qualquer um… E o medo transpareceu no olhar inquieto de D. Maninha”.
Escancara os medos gerados por esta doença transmissível e mortífera. O Hospital recusava receber doentes com medo da contaminação dos restantes pacientes, e a tuberculose não era tratável em Cabo Verde nesta época. A doença estava controlada na Europa com o uso da Estreptomicina em 1946. O Governo colonialista português não fez chegar a Cabo Verde este medicamento senão muitos anos depois.
Apesar de ser um retrato da primeira metade do século vinte, era um problema que se disseminava pelos bairros pobres da cidade desde a segunda metade do século dezanove.
Com altos e baixos, a população vai-se desenrascando. Encara as dificuldades com um humor brejeiro.
Os primeiros anos do século vinte trazem alguma esperança com a implementação da República, mas é “sol de pouca dura”.
Em 1912, cerca de 4000 carvoeiros ocupam o Edifício Municipal e a Praça da República em protesto à falta de trabalho.
O movimento do Porto paralisa-se, é ultrapassado pelos portos de Dakar e Las Palmas.
Um grupo de intelectuais residentes no Mindelo, encabeçados por Baltasar Lopes, Jorge Barbosa, Manuel Velosa, Manuel Lopes e Aurélio Gonçalves, preocupados com a situação, resolvem fazer alguma coisa. A volta de um “grogue-cocktail” à moda inglesa como elemento aglutunador veio à baila a ideia de publicarem um jornal. Segundo Baltasar Lopes “estávamos em profundo desacordo com a forma como isto corria e com a ditadura que governava em Portugal e, portanto, aqui também”.
Tinham de fazer um depósito de 50 contos. Devido a impossibilidade económica, resolvem publicar uma revista.
Inspirados pelo simbolismo da luz, o modernismo brasileiro e a revista portuguesa Presença, optam por nomear a revista de Claridade.
A revista será a pedra de toque do Modernismo na Literatura cabo-verdiana e um despertar da consciência identitária.
A Claridade inicia uma fase de contemporaneidade, ultrapassando a estética e linguística do Romantismo de matriz portuguesa dominante durante o século XIX. É um premeditado afastamento do cânone português, procurando retratar a identidade cabo-verdiana chamando a atenção para elementos da nossa cultura.
O primeiro número sai em março de 1936. Na capa trás “2 motivos de finaçon – batugues da ilha de Santiago. Inicia-se um grito de esperança, e de revolta metaforizada.
O excelente poema Ecran de Manuel Lopes aparece nas páginas do número inaugural:
“Para além destas ondas que não param nunca,
atrás deste horizonte sempre igual
no extremo destes sulcos brancos sobre o mar azul
(cinzento nos dias de ventania)
que as hélices deixaram, impedindo
os cascos inquietos dos vapores…
– (Sonhos rolando sobre um abismo de Ironia:
promessas de outro mundo mais lindo,
– ó meus gritos interiores!…)”
É neste contexto que o povo tinha saído às ruas para reclamar, em 7 de junho de 1934. Imortalizado vinte e dois anos depois no poema “Capitão Ambrósio” de Gabriel Mariano. Esta nova geração explicita a sua revolta de forma menos velada:
“(…) Mãos erguidas
Em força, duras, erguidas
Pés marcando a revolta
O povo marcha na rua.
Vai na frente o Ambrósio
Mulato Ambrósio guiando
Leva nas mãos a bandeira.
Pesada e fria é a noite
Injusta e amarga é a fome
Mas vai na frente o Ambrósio (…)
Gabriel Mariano teria seis anos aquando do levantamento. Ficou a conhecer a história em 1953, em Lisboa, e publica o poema em 1956.
Teria seis anos aquando do levantamento. Ficou a conhecer a história em 1953, em Lisboa, e publica o poema em 1956.
Nas palavras de Gabriel Mariano, em Encontro com escritores de Michel Laban:
“Eu soube da história dessa sublevação popular em São Vicente, ocorrida em 1934, e dirigida, ao que suponho por nhô Ambrose já em Lisboa, como estudante. Essa sublevação surgiu em 1934, eu tinha seis anos de idade; e eu soube disso em 53, 54, já adulto. (…) E se eu fiz o poema, posteriormente, é porque a história me impressionou muito. Na altura o que senti foi raiva e orgulho. (…) Enfim, o Ambrósio aparece no poema como um líder popular que, massacrado pela fome e pelas circunstâncias, lidera, conduz o povo à rebelião contra a ordem estabelecida, e deixa uma mensagem de liberdade. (…) Foi condenado à prisão e cumpriu a pena em Angola. (…) E eu soube, para concluir, soube da história do Ambrósio, aqui em Portugal, porque, em Cabo Verde, nunca ouvi falar do Ambrósio…”
A “força épica” do poema de Gabriel Mariano é transfigurada nos músculos portentosos numa pintura de Manuel Figueira na capa do livro de 26 páginas, publicada pela Casa de Cabo Verde (vd fotografias anexas). Além do poema referido, introduz o poema “Capital da Fome”:
“(…) E no mapa do mundo assim
no vivo corpo do Ambrózio
com altos relevos humanos
no mapa do mundo assim
dez olhos se avermelham
num espanto de sangue e pranto (…)”
Em maio de 1958, Onésimo Silveira publica o poema “Saga” no número oito da Revista Claridade, mas o poema retrata uma situação que se arrastava com a partida dos ingleses.
“Cabá vapor – cabá carvom…
Nos campos dantescos de S. Vicente
Já não se fazem mais piqueniques
Porque cabá vapor e chuva cabá dias-há
Movimento cabá na Mindelo
S. Vicente é um estendal de misérias
Porque cabá vapor, cabá carvom e cabá chuva!
Cabá vapor – cabá carvom…
Gente de São Vicente pâ câ morrê de fome
Tem que bá ‘mbora pa São Tomé!
Cabá vapor – cabá carvom…”
A morna-coladeira dá-nos conta da falta de chuva e consequente escassez nas ilhas de Santo Antão e São Nicolau o que faz muita gente migrar para São Vicente:
“Adeus mamanhe
M tá ba nha caminhe pa S. Vicente, oi, oi
Paquê S. Nicolau
Ca tem comerce pa menininha nova, oi, oi.
Na S.Vicente, oi, oi,
Tem Praça Nova, oi, oi
Tem Telegrafe
Tem scritor di Crabadjim, oi, oi!”
Muitos, mais tarde, foram contratados para São Tomé.
Chega-nos um retrato musical, a morna “Sôdade”, recordando a terra-longe de exploração e a perda da identidade com a indiginezação de gente tão orgulhosa das suas origens:
“Quem mostrobe ess caminho longe?
“Quem mostrobe ess caminho longe?
Ess caminho pa Santomé?
Sodade, sodade, Sodade,
Dess nha terra S. Nicolau”
Segundo António Carreira, a tradicional emigração para os EUA através dos baleeiros que aportavam o Porto Grande, sofre um duro revés com o estabelecimento de quantitativos numéricos para a entrada de estrangeiros.
É a chamada “Lei das Quotas”, publicada em 1924. Entra em vigor nos anos trinta.
A saída proposta pela Metrópole é a emigração para São Tomé. Em 1904 lançou-se as bases legais que regulavam a partida de contratados para Sao Tomé, para serviços domésticos, industriais e agrícolas.
Muitos criavam formas de resistência. É o caso de João Cabafume no conto de Gabriel Mariano “Vida e Morte de João Cabafume”. Ele rompe com a ideia de fado, destino, de submissão do ser humano a forças mais fortes. João Cabafume não se verga, luta, enfrenta tudo e todos, obstina-se em construir o seu próprio destino. Ele resiste ao chamamento triste para este país do equador.
Cabafume rebela-se contra a autoridade do Senhor Administrador:
“O Administrador era homem de palavra. Depois falou para eles. Cada um ia receber, adiantado, setenta e cinco escudos. Tirou as notas do cofre. No dia 30 seguiriam no vapor de carreira. Setenta e cinco escudos para quem não tem pão certo é muita coisa. Só João Cabafume não recebeu. Moço, entende direito o que te estou contando… Quem podia obrigar João Cabafume?”
Outra forma heróica de resistência é cantada por Manuel de Novas.
Não havendo hipótese de uma saída legal e digna, resta a possibilidade de sair clandestinamente. Muitos conseguem dar o “pinote”, outros são apanhados e presos no Fortim del Rei:
“Ó nosse Baía di Porto Grande
Cordá bô oiá
Palmanha ta nascê,
Ca tem traboie pa trabaiá
Nôs vida ê puli calçada
Na ês ruinha d’Mindelo.
[…]Ta bá tude pa tanca
Dá pinote na vapor
[..] sês ca firmameFortim ca ê nha morte.”
Para piorar a situação de escassez alimentícia, além de um governo que não parecia minimamente interessado na melhoria das condições de vida da população, aumentava-se o consumo do aguardente. Antone Tchitche pinta um possível quadro de “Lei Seca” que se ventilou na altura como medida paliativa:
“Flod que na dia 15
grog ti ta bem cabá
Jam faze nha colque
Un ti ta bem passal ê tud ta bibê”
E mais adiante, pedagogicamente, instrui sobre os malefícios do seu consumo em excesso:
“Quem ca sabe bibê
Panha grogue el largal da mom
Tcha grogue pa três rapaz, Lis Cabel, Cacoi ma Ninaja
Ó grogue ca bo mata cabverdiane”
Como todas as cidades-porto, existe a prostituição, e esta atinge em Mindelo níveis preocupantes para a saúde pública. As doenças venéreas proliferam, e entre elas a terrível sífilis. Para amenizar a situação, decide-se pela instituição obrigatória de uma Caderneta e o confinamento da atividade às zonas de Lombo e rua de Cavoquim.
O conto “A Caderneta” de Baltasar Lopes retrata fielmente a situação de uma mulher a quem querem impor uma Caderneta por causa de um expediente de uma noite.
Mas, nem só de tragédias vive Mindelo. A Rua de Esperança, no Lombo, é o epicentro do furacão mindelense. É a referência obrigatória para aqueles que chegam do estrangeiro e das outras ilhas. Personalidades marcantes do panorama musical moram nesta localidade, tais como Antone Tchitche, Salibana, Ti Goy e B. Léza, entre finais dos anos quarenta e início de cinquenta do século XX. Frank Cavaquim mora nas redondezas, Chã de Cemitério, no Largo John Miller.
Nesta época, um dos ritmos de grande popularidade é a Coladeira. Encontra nesta localidade o espaço próprio para o seu desenvolvimento.
Para Ernesto de Vasconcelos, na obra “As Colónias de Cabo Verde (1916) “a coladeira já existia antes desta data, e descreve-a como “licenciosa e um tanto libertina na intenção (…).” Ainda, no tocante à coreografia que sujeita a sua dança, descreve que “ao som da música apropriada, os pares começam a mover num balançamento lânguido e morno no começo, mas que se vai agitando com ardor crescente. Todo o corpo se move, acompanhando os movimentos das pernas. Tal é o tom geral das danças, que só na Coladeira tem movimentos de corpo verdadeiramente licenciosos e por isso não é usada em todas as casas.”
Entretanto, ela é usada na Rua de Esperança. É a rua de “Passa sabe”, onde as regras de conduta social vigentes não são observadas. Era neste espaço que girava grande parte da vida boémia do Mindelo. António Aurélio Gonçalves capta aspectos desta vivência em algumas das suas noveletas, compiladas no livro “Noite de Vento”, nomeadamente “Virgens Loucas”.
Para Manuel de Jesus Tavares, em “Aspectos Evolutivos da Música Cabo-verdiana” ao deparar-se com alguma abertura e permissividade, a Coladeira recuperou-se.
Neste espaço, juntava-se às músicas nacionais os ritmos da América Latina, trazidos por músicos destas paragens que ancoravam no Porto Grande. Frank Cavaquim fala-nos disto na Coladeira “Firvura”:
“Hoje em dia ê tcha-tcha-tcha
Twist, merengue
Coladera câ fca pa trás
Pa ês mininas bem pulá”
Moacyr Rodrigues tem outra opinião no livrinho “Mornas e Coladeiras de Frank Cavaquim”. Para ele, a coladeira é uma criação mindelense, que atinge o apogeu com Goy e Manuel d’Novas nos anos cinquenta. De acordo com este pesquisador, “A música torna-se mais saltitante, alegre e brejeira, como as letras. O compasso da morna modifica-se para dar lugar a Coladeira.”
As músicas latino-americanas deixam a sua marca. Em muitas ocasiões, merengues e cúmbias são adaptadas ao ritmo da coladeira e passam por música nossa. Os deslizes são “colados benfeito” na Coladera, daí “Coladera”.
Ainda, de acordo com Moacyr Rodrigues, “No princípio ela é bastante cortante e maldosa. Mais tarde dá lugar a um riso menos maldoso, mais salutar”.
Manuel D’Novas é o maior de todos, misturando aspectos jocosos a uma certa crítica social.
Por estas, Mindelo não goza de “boa fama” nas outras ilhas, e ao mesmo tempo é um ponto de atração pelas mesmas razões. Para os nacionais, sem termos de comparação, Mindelo é o máximo de urbanidade.
Esse tempo anterior à década de cinquenta, “um vez soncent era sabe”, cantado por Sérgio Frusoni, não nasceu expontaneamente. É, pois, um mito que projeta o desejo de novos e melhores tempos. Esta referência teve o condão de aglutinar os filhos das outras ilhas num mesmo embrião identitário mindelense.
Para mim, o melhor tempo é o presente. Não consigo vivenciar um tempo que não vivi e cujos relatos são os que resumidamente apresentei