Pub.
Opinião
Tendência

Reforma da Segurança Social

Pub.

Christian Lopes

A Segurança Social constitui uma das principais ferramentas de coesão social, proteção intergeracional e estabilidade económica em qualquer Estado moderno. Em Cabo Verde, este sistema tem desempenhado um papel importante na mitigação de vulnerabilidades, especialmente no apoio à população reformada, em situações de invalidez, doença ou sobrevivência. Contudo, à semelhança do que ocorre noutras geografias, existem sinais crescentes de pressão sobre a sustentabilidade a médio e longo prazo, o que justifica uma reflexão estratégica sobre o seu futuro.

Publicidade

O que está em causa?

O atual modelo de segurança social assenta sobretudo num regime de repartição, em que os trabalhadores no ativo financiam os beneficiários através de contribuições regulares. Este sistema pressupõe uma relação saudável entre ativos e inativos, mas é precisamente aqui que reside o problema. Embora eficaz na sua génese, esta arquitetura enfrenta hoje condições socioeconómicas significativamente diferentes das que lhe deram origem.

Publicidade


Cabo Verde enfrenta:

  1. Uma base contributiva frágil, devido à elevada informalidade laboral, à precariedade, ao desemprego e à emigração jovem (face aos desafios macroeconómicos e estruturais do país);
  2. Pressão demográfica crescente, com uma população a envelhecer e uma taxa de natalidade em queda;
  3. Uma gestão pouco adaptada aos desafios digitais e ao novo perfil do mercado de trabalho, onde muitos jovens entram e saem do sistema de forma descontínua.

Estes elementos, conjugados, comprometem o equilíbrio financeiro do sistema e colocam em causa a sua capacidade de resposta futura, caso não sejam introduzidos mecanismos da adaptação.

Publicidade

Dados disponíveis indicam que uma parte significativa da população economicamente ativa não está abrangida pelos regimes contributivos da segurança social, em particular trabalhadores informais, independentes e por conta própria. Esta realidade levanta desafios quanto à inclusão, à sustentabilidade do sistema e à proteção futura das gerações mais jovens.

Os riscos de inação

Se nada for feito, Cabo Verde arrisca-se a uma tripla crise social:

Quebra da confiança no sistema, levando a menor adesão e mais evasão;
Colapso financeiro, com o Estado a ter de suportar um défice crescente;
 Desigualdade social acentuada, entre quem tem direito a pensão e quem será deixado para trás.

A médio prazo, o risco de insustentabilidade não é abstrato: é concreto e calculável.

A não realização de uma reforma coloca o país perante consequências previsíveis e estruturais:
pessoas que chegam à velhice sem pensão, cortes em pensões futuras, aumento da idade da
reforma, sobrecarga fiscal do Estado e erosão da confiança pública no sistema. Em vez de serem
choques inevitáveis no futuro, essas medidas podem ser evitadas com uma reforma gradual, técnica e inclusiva no presente.

Que reforma é necessária?

Reformar a segurança social não significa cortar direitos ou impor sacrifícios cegos. Significa garantir que o sistema continua a existir e a proteger quem mais precisa. Para isso, propõem-se cinco eixos estratégicos:

  1. Alargar a base contributiva
    – Combater a informalidade com incentivos fiscais e simplificação de contribuições.
    – Criar regimes contributivos flexíveis para pequenos trabalhadores, informais e
    jovens empreendedores.
  2. Modernizar a administração
    – Digitalizar o INPS e integrar dados com outras instituições do Estado.
    – Melhorar o controlo, transparência e comunicação com os contribuintes.
  3. Reforçar os pilares complementares
    – Incentivar poupanças voluntárias para a reforma (fundos de pensões, mutualismo).
    – Promover seguros sociais comunitários, com apoio estatal.
  4. Adaptar critérios e fórmulas
    – Reavaliar a idade da reforma de forma gradual e responsável.
    – Rever o cálculo das pensões para torná-lo mais equitativo e sustentável.
  5. Educação para a previdência
    – Campanhas públicas para sensibilizar jovens e trabalhadores sobre a importância de contribuir regularmente.
    – Introduzir no currículo escolar noções básicas de segurança social e finanças pessoais.

Conclusão

A segurança social é, antes de tudo, um instrumento de estabilidade nacional e dignidade humana. Os desafios que se colocam ao sistema em Cabo Verde exigem uma abordagem prudente, técnica e participativa, orientada para garantir a continuidade dos direitos sociais, o equilíbrio financeiro e a confiança dos cidadãos.

Reformar a segurança social não é uma escolha política de curto prazo. É uma decisão estratégica de longo alcance, que exige visão, coragem e compromisso. Manter tudo como está é, na verdade, condenar o futuro a uma rutura inevitável.

Mostrar mais

Constanca Pina

Formada em jornalismo pela Universidade Federal Fluminense (UFF-RJ). Trabalhou como jornalista no semanário A Semana de 1997 a 2016. Sócia-fundadora do Mindel Insite, desempenha as funções de Chefe de Redação e jornalista/repórter. Paralelamente, leccionou na Universidade Lusófona de Cabo Verde de 2013 a 2020, disciplinas de Jornalismo Económico, Jornalismo Investigativo e Redação Jornalística. Atualmente lecciona a disciplina de Jornalismo Comparado na Universidade de Cabo Verde (Uni-CV).

Artigos relacionados

Botão Voltar ao topo