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O Novo Estatuto dos Municípios – Lei n.º 48/X/2025, de 4 de Abril

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A Lei n.º 48/X/2025 (Estatuto dos Municípios de Cabo Verde) de 4 de abril, atualiza o Estatuto dos municípios anterior, Lei n.º 134/IV/95, de 03 de julho, praticamente, 30 anos depois da primeira aprovação do instrumento. Entretanto é importante realçar que a Lei n.º 48/X/2025, de 4 de Abril, entra em vigor no dia 1 de janeiro de 2026, exceto os seus artigos 105.º, 112.º, 116.º, 117.º, 118.º, 132.º, 133.º, 134.º, 138.º, 151.º a 154.º e 170.º que entram em vigor a partir da posse dos eleitos nas próximas eleições municipais, portanto, previsivelmente em 2028.

Por: Nelson Faria

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Não sou jurista, por isso, a apreciação que faço é de mero curioso e interessado em compreender melhor o que que consta do diploma, que, em bom rigor, não obstante algumas alterações estruturantes e que poderão trazer benefícios à gestão municipal, mantem a essência do diploma anterior, contendo ainda, na minha perspetiva, muitos aspetos discutíveis. Sendo curioso e parte interessada, sendo defensor da democracia e do Estado de direito, as leis devem ser respeitadas, sendo essa razão maior que me leva a estar atento ao que diz este diploma.

Dos bons acrescentos da nova lei convém realçar que introduz mecanismos de participação cidadã (petições, ação popular, iniciativa regulamentar) para fortalecer a democracia local. Expande as competências municipais para áreas como combate à pobreza, igualdade de género, emigração, defesa do consumidor, energia e desenvolvimento económico. Inclui responsabilidades em saúde, educação, cultura, ambiente e proteção civil.

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Dos órgãos municipais, a Assembleia Municipal é o órgão deliberativo com competências reforçadas, incluindo fiscalização, aprovação de orçamentos e planos de desenvolvimento. A Câmara Municipal é o órgão executivo colegial, liderado pelo Presidente, responsável pela execução das políticas e gestão administrativa. Prevê igualmente, como inovação, o Conselho de Concertação Municipal, uma Instância consultiva com participação da sociedade civil para assessorar na prossecução das atribuições municipais.

Das novidades, relativamente a participação cidadã reforçada, possibilita o direito de petição municipal onde todos os cidadãos podem apresentar petições, representações, reclamações, recursos ou queixas aos órgãos municipais. Concede o direito de participação popular, nomeadamente, aos munícipes recenseados e associações/fundações locais que podem intervir em procedimentos com impacto no ambiente, saúde, património cultural e qualidade de vida. Permite o direito de ação popular em que regulamenta-se a possibilidade de cidadãos e associações impugnarem judicialmente atos lesivos do interesse coletivo, suprindo lacuna do estatuto anterior.

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Como novas atribuições, no concernente ao alargamento das novas áreas de intervenção municipal, expande para o combate à pobreza, emigração, violência de género e doméstica, defesa do consumidor, reinserção de presos, energia, cartografia e cadastro, promoção do desenvolvimento e empreendedorismo, indústria, pescas e praias. Uma outra inovação que visa garantir a boa transição de poder são as regras transitórias para órgãos colegiais em que os titulares cessantes ficam limitados à
gestão corrente até à instalação dos novos órgãos, com obrigatoriedade de entrega de “documento de passagem de pastas” detalhando processos pendentes.

Quanto a mim um dos pontos mais visíveis e impactantes do diploma é a obrigatoriedade de levar que os municípios tenham planos e programas para o mandato, pois, assim será possível melhorar o planeamento e a execução das políticas municipais com envolvimento de todos os eleitos e munícipes. O Programa de governação municipal é o instrumento de onde advirá os Planos de Atividade e orçamento discutidos e aprovados democraticamente, com a colaboração de todos, espera-se.

A Assembleia Municipal sai reforçada, pese embora perde na vertente da eleição democrática do seu Presidente que já não será eleito entre pares, mas pelo voto popular, mesmo não tendo maioria absoluta. Portanto, o Presidente da Mesa da Assembleia passará a ser, em qualquer circunstância, o(a) candidato(a) da lista mais votada, sendo que o vice‑presidente e secretário serão eleitos por sufrágio indireto dos eleitos municipais. Uma vertente nova é a concessão de autonomia financeira e organizativa à Assembleia Municipal, que passa a autorizar despesas de funcionamento, aprova orçamento, plano de desenvolvimento, quadro de pessoal, empréstimos, alienação de imóveis, criação de empresas públicas, fixação de taxas e tarifas. Para democratizar as sessões prevê diferenças relativamente a lei anterior no que toca a periodicidade ajustada à população e debate sobre o estado do município com participação de vereadores e público.

Na gestão executiva do município, tal com na atualidade, caberá ao Presidente da Câmara os poderes determinantes, não obstante as responsabilidades e poderes dos vereadores no órgão colegial da Câmara ou em funções executivas se assim cordadas e delegadas pelo Presidente da Câmara. O Presidente da Câmara concentra um vasto poder executivo e administrativo, sendo responsável por articular a estratégia municipal, gerir recursos e representar o município interna e externamente. A
amplitude de suas competências exige mecanismos eficazes de fiscalização pela Assembleia Municipal e participação cidadã para assegurar a descentralização efetiva, a transparência e o equilíbrio entre os diversos órgãos municipais.

O Presidente da Câmara é tido como um órgão executivo singular sendo o principal gestor do município, com precedência sobre todos os funcionários públicos do município. Representa o município em juízo e fora dele; executa as deliberações da Câmara Municipal; convoca referendos e pode praticar atos executivos em circunstâncias excecionais, sujeitos a ratificação posterior. Elabora e submete o anteprojeto de orçamento e contas de gerência; autoriza pagamento de despesas orçamentadas.

Superintende o funcionamento dos serviços, coordena e dinamiza atividades, dirige o pessoal municipal, administra património, adquire bens e serviços, e mantém cadastro atualizado de bens móveis e imóveis. Dirige o serviço municipal de proteção civil; colabora com órgãos de ordem e segurança. Deve submeter à Câmara Municipal todo o expediente de sua competência e informar o estado de execução de suas deliberações; publica decisões e deliberações para garantir transparência. Pode delegar/subdelegar competências nos vereadores. Pode delegar funções a vereadores
ou dirigentes de serviços, mantendo controle centralizado.

Quanto aos vereadores, na lei prevê-se que tenham um papel essencial na divisão técnica e territorial das funções executivas, permitindo especialização e presença mais próxima dos munícipes. Contudo, sua autonomia depende integralmente da delegação presidencial, o que pode limitar sua iniciativa própria e sujeitá‑los a relações de subordinação direta. Assim, os vereadores integram a Câmara Municipal como órgão executivo colegial, ao lado do Presidente. Coadjuvam o Presidente, podendo ser
incumbidos de tarefas ou áreas específicas (pelouros), bem como, em regime de permanência, da supervisão e coordenação direta de serviços municipais. Podem receber do Presidente da Câmara delegação ou subdelegação de competências próprias ou delegadas, incluindo assinatura de documentos e atos de mero expediente. Tais atos devem ser publicados e especificados, garantindo transparência.

Devem manter o Presidente informado das medidas e atos praticados no exercício das competências delegadas e respondem perante ele por eventuais irregularidades. São escolhidos pelo Presidente como vereadores a tempo inteiro ou a meio tempo, cabendo a este definir suas competências específicas.

Da forma como a lei se encontra colocada, mesmo que a sua estrutura procure equilibrar colegialidade (Câmara Municipal) e liderança singular (Presidente), sendo que o Presidente concentra amplos poderes executivos, o risco de centralização do poder mantém-se mesmo nas situações de maioria relativa. Apenas poderá ser diferente dependendo e muito da boa-fé, perfil democrático e interesse do Presidente eleito incluir todos os demais eleitos como vereadores. Apesar de prever a participação cidadã, os mecanismos como petições e iniciativa regulamentar são inovações democráticas, mas dependem do engajamento popular e eficiência burocrática para funcionarem. A fiscalização a ser feita pela Assembleia Municipal tem papel crucial muito importante, mas sua eficácia depende de independência política e recursos técnicos.

A complexidade das atribuições municipais, mormente no que concerne a autonomia e transparência municipal, exigem capacitação técnica dos gestores e recursos financeiros adequados. Exige igualmente que todos os municípios tenham capacidade de adaptação as mudanças que a nova lei indica, particularmente no que toca a sua implementação prática, o que exigirá fortalecimento institucional, controle social e equilíbrio entre poder executivo e participação democrática.

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Constanca Pina

Formada em jornalismo pela Universidade Federal Fluminense (UFF-RJ). Trabalhou como jornalista no semanário A Semana de 1997 a 2016. Sócia-fundadora do Mindel Insite, desempenha as funções de Chefe de Redação e jornalista/repórter. Paralelamente, leccionou na Universidade Lusófona de Cabo Verde de 2013 a 2020, disciplinas de Jornalismo Económico, Jornalismo Investigativo e Redação Jornalística. Atualmente lecciona a disciplina de Jornalismo Comparado na Universidade de Cabo Verde (Uni-CV).

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