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O Estatuto dos Municípios e o “Bloqueio camarário”

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Como é sabido, a lei que, na essência, rege a gestão municipal é o Estatuto dos Municípios plasmado na Lei n.º 134/IV/95, de 03 de julho. Na minha perspetiva, carece de atualização e adequação, resultante dos tempos atuais e de situações verificadas ao longo dos anos em que a lei é pouco clara, ou mesmo conflituosa com outras leis. Mas, isso é trabalho para experts, o que que não sou no que concerne as leis.

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Por: Nelson Faria

É o Estatuto dos Municípios que define no seu art.º 45º os três órgãos municipais, mesmo que a Constituição da República preveja dois (art.º 230º CRCV Câmara e Assembleia Municipal), sendo no Estatuto dos Municípios: a Assembleia Municipal, o órgão deliberativo, a Câmara Municipal, o órgão executivo constituído pelo coletivo dos vereadores e o Presidente da Câmara Municipal, munido de especiais poderes no órgão executivo, concentrando um conjunto de atribuições que acho deveriam ser melhor tratadas contemplando demais vereadores e a melhor distribuição do poder executivo camarário, mormente em situações de representatividade de diferentes forças políticas.

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Todavia, é a lei que temos, é a que deve nortear o funcionamento dos municípios no nosso Estado de direito democrático, onde, espera-se, que todos cumpram as leis como elas nos afiguram, incluindo o governo pela tutela da gestão municipal e o sistema judicial, na celeridade requerida de decisões que lhe compete, até a sua melhoria com o espírito e sapiência democrática que a nossa sociedade requer.

Sendo a vertente executiva a mais visível e interventiva nos destinos da governação local, com base na lei, passarei a explicar a minha perspetiva de como pode ficar uma Câmara bloqueada em caso de maioria relativa no órgão executivo. No caso que nos encontramos de não haver maioria absoluta e sim relativa onde a maioria encontra-se na soma de duas partes, sejam elas quais forem.

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O Presidente da Câmara Municipal é a principal figura executiva no âmbito da administração local em Cabo Verde, conforme definido pelo Estatuto dos Municípios. Esse cargo concentra um conjunto de poderes, previstos no art.º 98º, que visam garantir a gestão eficaz do município e a implementação das políticas municipais aprovadas pela Câmara e pela Assembleia Municipal. Por lei, entre outros poderes, cabe ao Presidente da Câmara:

I. A representação do Município legal e institucionalmente o município em todos os atos e contratos, tanto perante as autoridades nacionais quanto internacionais.

II. A coordenação do Executivo Municipal das atividades dos diferentes serviços municipais e supervisiona a atuação dos vereadores em regime de permanência e dos outros membros do executivo.

III. A execução das decisões da Assembleia Municipal, das deliberações aprovadas pela Assembleia Municipal, incluindo o Orçamento e o Plano de Desenvolvimento Municipal previsto no nº2 do artº28 do Estatuto dos Municípios.

IV. A gestão do património municipal com a responsabilidade de administrar os bens do município e garantir a boa gestão dos recursos financeiros e materiais.

V. A elaboração de propostas, pois é da sua competência a elaboração de propostas de planos, projetos e programas para serem submetidos à aprovação dos órgãos deliberativos.

VI. A nomeação e gestão de pessoal na medida em que nomeia, exonera e supervisiona os trabalhadores do município, assegurando o bom funcionamento dos serviços municipais.

Para a execução desses poderes e da função executiva do órgão Câmara Municipal, cujas atribuições constam do art.º 92º do Estatuto dos Municípios, o Presidente da Câmara conta com os vereadores eleitos, art.º 100º, em regime de permanência (art.º88º) com pastas atribuídas, a tempo inteiro ou meio tempo e com retribuições do trabalho permanente, ou apenas em função política, sem pastas atribuídas e sem retribuição permanente, contando com senha de presença afixada pela Assembleia Municipal quando participarem das reuniões do órgão Câmara Municipal.

Dos vereadores, é de relevante importância clarificar os papéis e responsabilidades nas modalidades exercidas, particularmente tratando-se da Câmara Municipal gerida por várias forças políticas. É importante dizer que os vereadores desempenham funções cruciais na gestão municipal, mas há diferenças significantes entre aqueles em regime de permanência e os chamados vereadores políticos.

Os Vereadores em Regime de Permanência, são os que exercem as suas funções em caráter exclusivo e com dedicação integral, como profissão. Participam diretamente da execução administrativa, sob a coordenação do Presidente. São remunerados pelo exercício do cargo e possuem atribuições executivas específicas.

Os Vereadores Políticos, não atuam em regime de permanência e podem acumular suas funções com outras atividades profissionais. Têm um papel, sobretudo, deliberativo e fiscalizador, participando das reuniões da câmara, com colaboração na definição de políticas municipais. Contribuem para a formulação de propostas e no acompanhamento da gestão municipal. Portanto, não se perfilam como os em permanência, por opção do Presidente da Câmara ou por opção própria.

Em situações de maioria relativa na Câmara Municipal, como a que nos encontramos, a elaboração e aprovação do Plano de Desenvolvimento Municipal, previsto no nº2 do art.º 28, deve resultar da contribuição das plataformas eleitorais de todas as forças eleitas, o que exige um processo de negociação abrangente. Este deve incluir contribuições de todas as partes eleitas, independentemente de sua afiliação partidária ou posição no executivo. Esta abordagem garante a construção de um plano que reflita os interesses diversificados da população e promova o desenvolvimento inclusivo. E foi isto que se determinou nos últimos resultados autárquicos em São Vivente: uma gestão partilhada e um plano de desenvolvimento com representatividade de todas as forças eleitas. Entretanto, hoje verificarmos em São Vicente a fatalidade da aprovação já feita do Plano de Atividades e orçamento para 2025, pelos anteriores órgãos, antes da constituição do novo executivo Municipal, pelo que seria sensato e correto a sua revisão com a nova configuração das forças nos diferentes órgãos, logo, a aprovação de um novo Plano de atividades e orçamento retificativo.

Fazer isto revelaria a elevação da democracia, boa-fé e capacidade negocial de todos os intervenientes, particularmente do Presidente da Câmara. Não fazendo, pode este facto, per si, contribuir para um ambiente de desconfiança e crispação, nada favoráveis a posteriores aprovações. Portanto, os “bloqueios” na Câmara Municipal em cenários de maioria relativa só ocorrem na sequência da inépcia ou inércia negocial e da falta de abertura democrática do Presidente da Câmara e da força política com a maior parte dos votos, entretanto, sem maioria, sendo essa maioria das outras forças representadas.

Além da questão relacionada ao Plano de Atividades e orçamento, face aos poderes atribuídos pela lei ao Presidente da Câmara, no meu ponto de vista, falamos em “bloqueios” e estes devem ser atribuídos, como referido, essencialmente a fraca capacidade negocial da força com maior parte de representação eleitoral, pois, a ideia de ser absoluto em relativa, a incapacidade de articular acordos e construir consensos com os diferentes atores políticos cria confrontos e conflitos totalmente evitáveis. Por isso, possíveis ditos “bloqueios” apenas resultam de postura antidemocrática do Presidente da Câmara, com resistência em aceitar as contribuições dos demais membros eleitos, ignorando o princípio da colegialidade e da participação plural no órgão Câmara Municipal, ignorando o veredito popular das urnas.

Para mim, é claro que a superação desses desafios do contexto, onde todos estão representados, depende da liderança assertiva e inclusiva do Presidente da Câmara, que deve estar comprometido com a democracia e o progresso do município e nem tanto com o ego, o narciso e com o absolutismo. Democracia significa respeitar a vontade popular e faze- la representar na governação, quer na planificação e execução das ações quer na distribuição dos poderes. É esta elevação que a sociedade Sanvicentina requer dos seus eleitos, porque assim foi o voto popular do dia 1 de dezembro de 2024.

Boas Festas!!!

PS: As posições defendidas por mim neste espaço vinculam apenas a minha pessoa na condição de cidadão, como tenho feito nos últimos sete (7) anos.

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Constanca Pina

Formada em jornalismo pela Universidade Federal Fluminense (UFF-RJ). Trabalhou como jornalista no semanário A Semana de 1997 a 2016. Sócia-fundadora do Mindel Insite, desempenha as funções de Chefe de Redação e jornalista/repórter. Paralelamente, leccionou na Universidade Lusófona de Cabo Verde de 2013 a 2020, disciplinas de Jornalismo Económico, Jornalismo Investigativo e Redação Jornalística. Atualmente lecciona a disciplina de Jornalismo Comparado na Universidade de Cabo Verde (Uni-CV).

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