Christian Lopes
Nos últimos dias, fui surpreendido por uma tragédia difícil de compreender: a morte de uma vereadora da Câmara Municipal de Vagos, em Portugal, alegadamente às mãos do próprio filho, um menor de 14 anos.
A Polícia Judiciária confirmou a detenção do adolescente, suspeito de homicídio qualificado com recurso a arma de fogo. Uma história que choca, entristece e, acima de tudo, nos obriga a parar e refletir.
Mais do que um caso isolado, este episódio levanta uma questão urgente: a que ponto chegou a educação dos filhos e a sociedade que estamos a construir?
Estamos perante um mundo em que muitos pais se sentem reféns das próprias leis, das opiniões externas e de um sistema que parece ter esquecido que educar é preparar para a vida, e não apenas satisfazer vontades.
Em muitas casas, as regras inverteram-se: filhos que mandam nos pais, pais que têm medo de dizer “não”, escolas que já não sabem até onde podem ir, professores desautorizados, e uma sociedade que confunde liberdade com ausência de limites.
A tecnologia, que deveria ser uma ferramenta de aprendizagem, tornou-se um substituto da presença. É o “tranquilizador” mais usado: damos um ecrã a uma criança para termos paz, mas, sem nos apercebermos, entregamos também parte da nossa responsabilidade. E, quando o tempo passa, percebemos que crescemos uma geração que sabe tudo sobre redes sociais, mas pouco sobre empatia, respeito e consequência.
Muitos de nós já vimos vídeos de jovens entrevistados em festas, incapazes de dizer quem é o primeiro-ministro, o presidente da República ou o que faz a Assembleia Nacional. Outros afirmam, com naturalidade, que deixaram a escola “porque se cansaram”. E perguntamo-nos: que futuro terá um país onde o conhecimento se torna descartável e o respeito uma raridade?
Mas esta reflexão não é apenas sobre a juventude. É também sobre os próprios adultos (pais, educadores, Estado e sociedade).
Que papel temos desempenhado?
Temos estado presentes ou apenas disponíveis?
Temos sido firmes ou apenas permissivos?
A educação começa em casa, mas deve ser sustentada por políticas, valores e uma cultura social que incentive o esforço, o mérito e o respeito.
Nos últimos anos, assistimos a uma mudança profunda na forma como entendemos a autoridade parental.
Recordo-me, há uns bons anos, de ver psicólogos defenderem que era contraproducente dar uma palmada a uma criança, porque poderia gerar traumas.
A partir daí, a legislação evoluiu, os direitos humanos reforçaram a ideia da “tolerância zero” e, hoje, uma simples palmada pode ser entendida como crime.
Mas deixo a pergunta: os traumas desapareceram?
A violência gratuita nunca deve ser aceite. Disso não há dúvida. Mas a chamada palmada pedagógica, aquela que vem acompanhada de explicação, de amor e de correção, não é violência, é orientação.
Como alguém comentou recentemente, “na hora certa, uma palmada vale mais do que mil palavras ou castigos”.
Eu próprio, e assim como tanta gente, levei as minhas palmadas quando mereci.
E hoje sou profundamente grato pelos valores, pela educação e pelo rigor que os meus pais me transmitiram, e continuam a ser transmitidos com a mesma dedicação.
Não cresci com traumas. Cresci com princípios.
Com a noção de que a vida exige respeito, trabalho, resiliência e responsabilidade.
Os meus pais amaram-me de forma incondicional, mas ensinaram-me que o amor não dispensa o limite.
Se tivesse de voltar a nascer, escolheria exatamente a mesma família.
Porque tudo o que sou hoje devo a esse equilíbrio entre amor e rigor.
Estamos, talvez, a viver uma era de permissividade travestida de progresso, onde o medo de corrigir substituiu o dever de educar.
E quando o Estado ou a sociedade retira dos pais o poder de educar com firmeza e afeto, abre espaço para um vazio que mais tarde se preenche com comportamentos extremos, descontrolo e tragédias como a de Vagos.
Não escrevo este texto para ensinar ninguém a educar os filhos.
Cada família tem a sua história, a sua realidade e as suas formas de transmitir valores. O que procuro é apenas abrir um espaço de reflexão e de debate, para que todos possamos pensar juntos sobre o tipo de cidadãos que queremos formar, o papel da escola, da família e das leis na construção de uma sociedade equilibrada.
O Estado deve proteger, sim, mas sem anular o papel formador dos pais.
As escolas devem ensinar, mas também inspirar.
E os pais devem educar com amor, com firmeza e com a consciência de que dizer “não” é, muitas vezes, a forma mais genuína de amar.
Hoje, mais do que nunca, precisamos resgatar o essencial: educar para a vida.
Porque uma sociedade sem valores, sem respeito e sem limites, cedo ou tarde, perde-se de si própria.
E não há tecnologia, nem leis, nem direitos humanos que substituam aquilo que nasce, e deve continuar a nascer, dentro de casa.
Hoje, mais do que nunca, precisamos resgatar o essencial: educar para a vida – em casa, na escola e na sociedade. Porque educar não é apenas ensinar conteúdos, é formar caráter, consciência e cidadania.
O sistema de ensino tem um papel decisivo nesse processo: deve ser mais do que transmissor de conhecimento. Precisa ser formador de valores, promotor de pensamento crítico e inspirador de responsabilidade social.
Uma escola que ensina, mas não educa; uma família que ama, mas não orienta; e um Estado que legisla, mas não acompanha, todos, à sua maneira, contribuem para o vazio que hoje vemos crescer.
Educar para a vida é um compromisso coletivo. Porque uma sociedade sem valores, sem respeito e sem limites, cedo ou tarde, perde-se de si própria. E não há tecnologia, leis ou discursos que substituam o que nasce, e deve continuar a nascer, dentro de casa.











