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Just um BOM DIA

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Quando tinha sensivelmente quinze, dezasseis anos de idade, não me recordo exatamente a data, tinha por hábito acordar de manhã com o humor um tanto ou quanto alterado. Meio casmurro e revoltado com meio mundo, cedo de manhã, ao cruzar-me em casa com o meu avô, senhor de fino trato, um gentleman, diga-se de passagem, muitas vezes não lhe dava BOM DIA. Custava?

Por: Elson Santos

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Acordava às 06h30 em ponto para me preparar para assistir, no Liceu Ludgero Lima, em Chã de Cemitério, Mindelo, às aulas que se iniciavam às 7h30. Enquanto preparava-me para sair, o meu avô que já se deambulava pela casa, passava por mim e fazia questão de me cumprimentar, vocalizando de alto e bom som, um BOM DIA, pronunciado com uma certa veemência, num tom de chamada de atenção, ao qual eu respondia meio macambúzio e forçado.

Não me dizia diretamente, mas comentava com a minha avó sobre o meu estranho comportamento, e eu ouvia-o em tom de desabafo, dizer: “É bom rapaz, mas não percebo porquê é que às vezes não dá BOM DIA?”.

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O meu estado de humor matinal acabava por refletir também no relacionamento com os meus compatriotas. Lembro-me que durante o percurso (morava no Alto-Mira-Mar) até à Escola Secundária, que diariamente fazia na companhia dos meus amigos de infância, companheiros das lutas da adolescência, designadamente Sol, Edmar, Fomanga (maz kunxid pa Flávio) Zé Eduardo, (maz kunxid pa Djodade), este último era conhecido como um grande “tagarela” das primeiras horas do dia.

Atualmente, volvidas três décadas, sempre que eu e os meus colegas de longa data nos encontrámos, fazem questão de, às gargalhadas, trazer à recordação os velhos tempos passados. Dizem-me: “Lembras-te, Kuika, que tu só começavas a falar a partir das 9h30, depois da segunda aula?…kkkkk… sinceramente, rapaz”.

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Bom voltemos ao ponto de partida. 

Quando o meu pai faleceu, tinha eu 8 anos de idade. Por circunstância da vida, tive que, juntamente com os meus outros dois irmãos, ir viver para a casa dos meus avós paternos. Com o coração partido, a minha mãe, face à triste situação que abateu sobre a nossa família, viu-se obrigada a se separar dos filhos, emigrando-se, se não me engano, no ano seguinte ao passamento do meu saudoso e inesquecível pai. Afinal, esta era a sina ou, melhor, a saída que muitas mulheres cabo-verdianas, cujo sustento familiar dependia em grande medida do salário do cônjugue, encontravam, na altura.

O meu avô, “cabeça” da família, não deixara os seus netos desamparados. Pessoa muito correta, seguidora acérrima dos bons hábitos e costumes, muito respeitada no seio familiar e no meio Mindelense, o meu avô acordava-se e levantava-se muito cedo. Tinha por hábito de se sentar junto a um dos corredores da casa onde morávamos, que dava acesso à porta de saída. Portanto, quem tivesse de sair ou entrar na nossa casa, teria, pela certa, de passar por meu avô. Tal e qual um polícia de fronteira.

Creio que, das poucas vezes que a minha mãe vinha de férias, o meu avô fazia questão de deixá-la saber o incómodo que nele causava o facto de ter um neto pouco cumprimentador. Mas sobre a minha trajetória de infância, tenciono trazer à reflexão diálogos inspiradores tidos com o Engenheiro Guevara que serão tema de um próximo paleio.

Concluindo a minha reflexão de hoje, diria, na qualidade de pai com 47 anos de idade de com uma filha pré-adolescente, que penitencio-me sobremaneira pelo desconforto que então causara ao meu avô. Se tivesse de lhe pedir desculpas hoje, fá-lo-ia, dando-lhe um

potente e ruidoso BOM DIA. Infelizmente as coisas são o que são e o tempo não volta atrás.

A minha jornada de cura espiritual, permite-me, presentemente, entender melhor a causa que estava na base do meu estado de espírito na época. Por isso, procuro dialogar bastante com a minha filha sobre a importância de se cumprimentar, sobretudo aos mais velhos, chamando a atenção dela, muitas vezes de forma exagerada, repetitiva e policial para a necessidade e importância de cumprimentar o nosso semelhante.

Uma vez ou outra, em alguma situação na rua, a minha filha, toda orgulhosa do ensinamento que tenho vindo a incutir nela, diz-me: “Oh papá…bô oiá, já-me dá BOM DIA”, ao que “policialmente” respondo: É o teu dever. E não custa nada, pois não?”. Cumprimentar faz bem a ti e a pessoa a quem cumprimentas”.

Ora, isso tudo vem na sequência de reflexões que tenho vindo a ter na qualidade de pai de uma futura mulher que vive num mundo ainda desigual para o sexo feminino. Acredito que todos que tiverem acesso a essas linhas, concordarão comigo em muitos desses pensamentos. Como será a próxima geração de líderes destas ilhas?… Afinal, que homens e mulheres do amanhã (como dizia a minha avó) estamos a formar? Os presságios não têm sido muito bons…basta olhar o Parlamento Nacional… a mensagem que vem sendo passada às futuras gerações. 

Mas, se por um lado sou um otimista convicto…acredito numa revolução positiva das mentalidades, por outro, como um pai, (perdoem-me a redundância) e cidadão atento… que tem o dever de ser mais interventivo na sociedade onde me insiro, aproveito estas “rigrinhas” para questionar determinados comportamentos que tendem a fazer escola no nosso quotidiano. 

De que adianta termos excelentes médicos… mas que são incapazes de dizer BOM DIA ao paciente…de que adianta termos excelentes jornalistas…mas que não cumprimentam o colega ao lado…de que adianta excelentes gestores…mas nem um BOM DIA dão à sua equipa de trabalho…de que adianta um grande atleta…mas que não cumprimenta o seu treinador…de que adianta um homem de fato e gravata ou uma mulher com um vestido “dji griffi”…quando nem BOM DIA dá a empregada doméstica…de que adianta ser proprietário um carro topo de gama…quando nem BOM DIA dá ao mecânico…de que adianta ser neto…se não dá BOM DIA ao avô. 

It’s just um BOM DIA…para SERmos melhores SERes humanos…hoje, amanhã e sempre…num mundo melhor para os nossos filhos. Adianta…it’s just um Bom dia.

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Constanca Pina

Formada em jornalismo pela Universidade Federal Fluminense (UFF-RJ). Trabalhou como jornalista no semanário A Semana de 1997 a 2016. Sócia-fundadora do Mindel Insite, desempenha as funções de Chefe de Redação e jornalista/repórter. Paralelamente, leccionou na Universidade Lusófona de Cabo Verde de 2013 a 2020, disciplinas de Jornalismo Económico, Jornalismo Investigativo e Redação Jornalística. Atualmente lecciona a disciplina de Jornalismo Comparado na Universidade de Cabo Verde (Uni-CV).

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