48 anos passados e sofrivelmente vividos, embora com um povo cheio de esperança, podemos questionar a nós mesmos: somos de facto independentes?
Por Maika Lobo
I – Os portugueses tinham que partir. E partiram. Mas, partiram mal.
A culpa disso foi a nossa pressa e a nossa fadiga.
A história nos demonstra que, de facto, no processo da independência, sem exagero, pouca coisa foi bem programada.
Então no campo económico e financeiro, mesmo no campo social, a independência foi um desastre. Nada foi negociado e bem programado. A desculpa dada na altura: “Portugal não tinha dinheiro…”! Essa desculpa não pega e esses assuntos – a independência de uma colônia – o nascimento de um país, é uma enorme responsabilidade. E, de resto, temos exemplos vários no mundo que nos ensinam como é que se negoceiam os processos de independência. E que cuidados e obrigações é que devem ser considerados e constar na Carta negociada para a independência. Era só estudar aqueles processos… mas, a pressa…o poder…a ansiedade…
Quase tudo foi feito à pressa… Nem um texto constitucional a sério se mandou fazer, quanto mais cuidar-se da economia do dia seguinte, da vida financeira do país, da sobrevivência ou do futuro económico das ilhas. Ninguém pensou no cofre vazio do país! A responsabilidade e obrigações não funcionaram no processo da independência do país.
A pressa era tanta, que ninguém insistiu com Portugal sobre a sua obrigação de deixar o mínimo de recursos, para o funcionamento básico da Nação que iria nascer no dia 5 de Julho de 1975. Preferiram aceitar o país limpo de recursos, sem instituições financeiras, sem crédito internacional, sem meios mínimos para a sobrevivência, e com um país praticamente sem Estado, e praticamente, sem instituições.
Mal os governantes tinham uma casa para morar. E na comemoração da independência, foi uma dor de cabeça arranjar residências para albergar os chefes de Estado estrangeiros e outros convidados.
A única coisa que funcionou de forma impecável foi a pressa de substituir o poder dos portugueses!
Todavia, no dia seguinte, a pressa foi vencida pela realidade crua e nua: o Presidente da República de então, Aristides Pereira, dirigiu-se ao primeiro-ministro, Pedro Pires, e perguntou-lhe: “E agora, o que é que vamos fazer?”.
O silêncio cobriu a conversa e o ambiente e ficaram mudos por alguns instantes, sem nada para dizer um ao outro. Sem entrar em outros aspectos deste processo, temos que aceitar que foram tristes o cenário e o quadro de negociações do processo de independência de Cabo Verde. Embora sei que eles não gostam da abordagem do tipo.
Tudo foi feito sob fadiga. Pressa e correrias eram visíveis em quase tudo. No meio de toda essa pressa e fadiga, ainda restava tempo a alguns protagonistas, que demonstraram alguma ansiedade sobre o posto que iriam ser-lhes atribuído na nova arquitetura hierárquica do poder. O poder está sempre presente!
[Aconteceram pequenos atritos. Mas, o que mais marcou a guerra dos camaradas, foi uma feia e mortal guerra aberta entre Luis Cabral e Pedro Pires. Vou encurtar essa história.Estava tudo acertado que Pedro Pires seria primeiro Presidente de Cabo Verde e Silvino da Luz seria primeiro-ministro. Aristides Pereira ficaria como Secretário-Geral do Paigc e com residência na Guiné-Bissau. A nomeação de Pedro Pires a Presidente de Cabo Verde caiu como uma bomba a Luís Cabral. De imediato, este reagiu e mandou um recado ao Aristides Pereira, dizendo-lhe o seguinte: “Considero uma tamanha traição da sua parte a nomeação de Pedro Pires para Presidente de Cabo Verde. Isto é uma clara equiparação do cargo que eu ocupo na Guiné-Bissau. Não aceito isso!”.
Com o “veto” de Luís Cabral a Pedro Pires, Aristides teve que recuar e assumir ele próprio o cargo de Presidente da República e Pedro Pires ficou como primeiro-ministro].
Com o país recém-nascido e com cofre vazio e sem instituições financeiras mínimas (locais e internacionais), sem âncora de nenhum lado, os riscos da aventura tornaram-se, de facto, muito mais pesados o percurso. Foram momentos tensos da República.
Mas, a culpa é a fadiga e a pressa de chegar ao poder. Mas foi um grande risco. O que salvou Cabo Verde nesse período foi ajudas e solidariedade de alguns países amigos.
Com esse quadro, tudo ficou pendente. Pendente da ajuda e caridade de certos países amigos. Portanto, neste aspecto não foi bem uma INDEPENDÊNCIA, mas sim uma PENDÊNCIA total. Ou quanto muito: uma independência política apenas.
II – Como não há 2 sem 1 e 3 sem 2, o quadro veio a piorar-se gradualmente com a opção e escolha do regime político. O regime de partido único. É facto que só uma ínfima minoria – só a elite restrita – é que estava a par dessa matéria.
Até porque não houve a mínima discussão pública sobre que regime político Cabo Verde passaria a ter após a independência. Que eu me lembro, esse assunto não foi debatido nunca com o povo de Cabo Verde.
Quem tomou essa decisão e que tudo concebeu foi a tal elite restrita do Paigc.
Ponho as minhas mãos no lume, tenho a certeza de que a maioria esmagadora do povo caboverdeano, incluindo a nossa diáspora (e particularmente a nossa diáspora), se tivesse havido debate aberto sobre este assunto, ou seja, sobre que regime político o povo queria para o seu país, ele nunca escolheria o regime de partido. Isto é, a ditadura de um partido único.
O povo de Cabo Verde, a sua história de luta e de revoltas, a sua resiliência, a sua idiossincrasia, particularmente a sua abertura de espírito e convivência, a sua cultura secular de matriz plural, tudo isto por essência, e com todos os esclarecimentos em cima da mesa, e em liberdade, nunca escolheria um regime que conduziria à ditadura ou às imposições e arbitrariedades do partido único.
Disso tenho a máxima certeza.
Tanto é certo que na primeira grande oportunidade, no dia 13 de Janeiro de 1991, o povo provou isso mesmo: escolheu a liberdade e democracia e sem pensar duas vezes mandou para casa e para fora do poder os que lhe tinham subtraído tais valores durante os negros e desnecessários quinze anos do bloqueio cultural e político.
Um manto estranho de silêncio cobriu o país quando o povo de Cabo Verde viu que afinal eles – a elite restrita do Paigc – mandaram prender a liberdade e a democracia e impuseram a voz única da “força, luz e guia” da sociedade e do país! A pobreza e os infortúnios da economia vieram a casar com as falências da falta da liberdade e democracia.
Só espero, que apesar da mestria do branqueamento em curso da história, do fortíssimo esforço para se lavar a caldeira suja e as nódoas do desnecessário regime de partido único, que digam tudo às gerações presentes e vindouras, e que lhes digam toda verdade e só verdade.