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Homenagem a Elsi Mariano, mulher de força e coragem 

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Elsi de Nhana Zepa e de nho Maninho Plakez, sempre foi uma pessoa muito bem conhecida na Stanxa, centro da Vila da Ribeira Brava (S. Nicolau). Morava perto da nossa casa e eu, como todas as miúdos da nossa zona de Ladeira, gostávamos muito dela. Uma moça muito alegre, moda se mãe, Nhana Zepa, uma mulher cheia de energia e entusiasmo que gostava muito de provocar e brincar com as pessoas, mesmo crianças. Possuía também uma boa dose de humorismo e às vezes bem picante. Uma mulher de força e coragem, moda amdjer da quel tempo.

Por Maria de Lourdes Jesus

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Nhana Zepa transmitiu aos filhos essa sua capacidade de saber enfrentar e desafiar a vida sem medo e com esse espírito sempre alegre que a caracterizava. Sem duvida, a filha que herdou em pleno o carácter da mãe foi Elsi. Uma jovem moderna, cheia de fantasia e criatividade, na sua maneira de vestir e de se apresentar. Distinguia-se e fazia diferença entre as raparigas do mesmo extrato social na Stanxa. 

A minha mãe dizia: “Du que ta faze um amdjer bnita è cabeça bem pentiod e alegria na cara”. Elsi era muito mais. Alta, formosa, cabelos lisos, um sorriso contagioso, estampado no seu lindo rosto que em certas ocasiões se transformava em gargalhadas bem identificadas, onde quer que ela estivesse.

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A beleza reinava na casa Mariano. Três são as rainhas no andor do grupo ladeirista e Estrela Azul: Elsi, a irma Orlanda e a filha Anisia. Estamos a falar da geração dos anos ’60. Uma geração logo a seguir à fome dos anos ’40, com raízes profundas e bem fincadas no chão, determinada a lutar com todos os meios para abater a miséria, pondo fim para sempre o capítulo dramático da nossa história.

Elsi encarnava essa geração da nova aurora que havia de nascer, a esperança duma nova era a desabrochar. A cada um tocava a sua parte e a de Elsi era de animar, transmitir às pessoas alegria com a sua risada animadora e contagiosa, a generosidade e vitalidade duma jovem mulher no ápice do seu esplendor, a esperança na certeza duma vida melhor.

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Elsi era o hino à nova vida que se anunciava no horizonte. Participava e organizava festas e bailes. Era muito popular e todos gostavam mesmo de estar na sua companhia. Contava partida com muita piada e a gente ficava encantada nela. Não faltava rapazes que andavam atrás dela na esperança de cair no seu paladar e ter o privilegio de ser escolhido como namorado. A gente dizia também que ‘Elsi ca era brincadera pamó ela ta peita ma kes rapazes‘, discutia com eles como se fossem dois homens. 

Esta capacidade única de desafiar os homens tornava-a, aos olhos de nós, menininhas, um exemplo de mulher ‘balenta’. Um modelo que exercia em nós uma forte atração e dava-nos a impressão que tudo estava ao nosso alcance, visto que ela era “moda noss”, de família pobre, da nossa zona e muito amada. Ela era a nossa heroína.

Esta jovem de Ladeira era especial também porque trabalhou, durante algum tempo, em S. Vicente, na loja de Bana, mas quando voltou para S. Nicolau, não trouxe aquele sotaque de Soncente, não obstante a milagrosa “água de Maderal”.  Ainda bem, porque a gente não gostava muito das pessoas que regressavam à ilha imitando o criol de Soncente. Elsi trouxe novidades que estavam na moda como batom, roupas e sapatos e sobretudo os novos passos da dança que revolucionou a nossa maneira de dançar a coladeira.

Quando ia às festas, ela vestia-se na moda com saia de travada, calçava sapatos com saltos e tinha lábios pintados de vermelho, e no domingo no clube da Ribeira Brava, ela ta ba faze parte na coladera, na sabura do ritmo que desencadeava do clarinete de Djoza, que era uma maravilha.

Djoza também foi um revolucionário em termos de inovação de instrumentos musicais. Ele esteve também em S. Vicente. Era um grande músico de Caleijao. Não tinha rival. Foi ele que trouxe o clarinete para os bailes populares, substituindo o violino nas rabecadas. O clarinete de Djoza era irresistível, emanava uma forte atracão quase magnética, que ninguém resistia. Era o instrumento principal, o único capaz de interpretar os novos ritmos e novas canções, como “Dança que está na moda agora è só ye ye. Dança na coladeira…” Esta canção fazia parte do repertório musical das canções melódicas do famoso conjunto “Voz de Cabo Verde” que marcou a época extraordinária dos anos ’60.

Elsi viveu em pleno essa nova era, cheia de novidades e de novos rumos para a nossa emigração feminina que vai revolucionar o paradigma duma emigração quase exclusivamente masculina. Serão as mulheres cabo-verdianas a mudar essa perspetiva, através da emigração para Itália, onde os comandantes da Alitalia e os padre capuchinhos desempenharam um papel fundamental. Mas a instituição da cadeia migratória para Itália foi obra das mulheres das ilhas de Barlavento e sobretudo de S. Nicolau e Sal.

Elsi é um elo dessa cadeia migratória que salvou muitas famílias da pobreza em que viviam, mas do ponto de vista afetivo provocou um vazio incolmável que marcou profundamente essa primeira geração. Elsi deixou os seus três filhos, ainda muito pequeninos, (Armandio, Anisia e Lutcha) com a mãe Nhana Zepa, e seguiu o caminho pa Terra longe, com duas amigas da zona: Gadjà de Nita de Toni de nha Barba de Marè Joquim e Maria fidja de nha Camilita e Jon Pol.

Com o ganho do trabalho em Itália, Elsi soube dar uma vira volta à sua vida e sobretudo a família Mariano em S. Nicolau. Embora já não esteja connosco, ela representou uma época importante da nossa história. Uma época carregada de esperança e guiada por uma fé profunda e inabalável, na certeza que um mundo novo havia de chegar.

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Constanca Pina

Formada em jornalismo pela Universidade Federal Fluminense (UFF-RJ). Trabalhou como jornalista no semanário A Semana de 1997 a 2016. Sócia-fundadora do Mindel Insite, desempenha as funções de Chefe de Redação e jornalista/repórter. Paralelamente, leccionou na Universidade Lusófona de Cabo Verde de 2013 a 2020, disciplinas de Jornalismo Económico, Jornalismo Investigativo e Redação Jornalística. Atualmente lecciona a disciplina de Jornalismo Comparado na Universidade de Cabo Verde (Uni-CV).

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