“Não há democracia com fome, nem desenvolvimento com pobreza, nem justiça na desigualdade”, afirma o Papa Francisco.
Por: Nelson Faria
Tenho acompanhado e aplaudido muitas das lúcidas intervenções do Papa Francisco na perspetiva cidadã e da sua aplicabilidade na nossa realidade. Esta, em particular, diz-me muito e interpela-me a reflexão sobre o contexto deste nosso torrão.
Não sou apologista do populismo extremo das redes sociais, contra partidos, contra política sendo ela necessária e parte da democracia e muito menos da demagogia perpetrada por políticos e seus acólitos relativamente a beleza do nosso estado político e social como um exemplo, quando muito mais poderia estar feito e adiantado. Tento, até onde as minhas limitações me permitem, ver a realidade, pensar pela minha cabeça e, livremente, exercer os meus direitos de cidadão. Todos eles, entre as quais: opinar, intervir, votar, reclamar, questionar, com o simples objetivo de ver um país deveras igualitário, justo e desenvolvido.
Se a nossa democracia imperfeita é motivo de regozijo da classe política pelas instituições e eleições, facto é, também, que na prática há muito por democratizar. Há uma Constituição da República por realizar. Neste país, maioritariamente pobre, onde as desigualdades são cavadas diariamente, por razões várias (centralização, educação, interesses individuais e de grupos, etc), como proclamar o exemplo da democracia? O país que tem uma população considerada pobre em 31,7%, e a pobreza extrema avaliada em 13,1%, dados do inquérito multiobjectivo do INE, significando que a deficiência alimentar, entre outras necessidades básicas, é efetiva, pelo que dificilmente teremos cidadania realmente livre capaz de exercer na plenitude os seus direitos no nosso sistema político.
Logo, a própria democracia é condicionada, para não dizer manipulada na linha do que se faz com a pobreza existente, sobretudo em período eleitoral. Acho que está mais que visto e todos sabem disso: a nossa democracia tem imperfeições gritantes que, quanto a mim, põe em causa muito da legitimidade dos poderes existentes já que foram conseguidos pela manipulação de contextos e nem tanto pela liberdade de escolha.
Não menos aventado que a nossa democracia é o nosso estado de desenvolvimento. Somos considerados um país de desenvolvimento médio, com ganhos ao longo do percurso, é verdade, uns continuados e outros descontinuados, que obriga, cada vez mais, aprendermos a andar com os próprios pés, diria até a dar braçadas largas nas nossas águas, sendo esse o nosso maior recurso e não permanecer continuamente como pedintes a terceiros, devedores compulsivos e suplicadores de chuvas. Dizia, o discurso do desenvolvimento tem sido eloquente, porém, uma vez mais a prática nos mostra que não tem passado disso, discursos.
O nosso nível de pobreza, a falta de visão e estratégia, melhor, a estratégia partidária em vez da estratégia do país, tem vigorado para salvaguarda de objetivos partidários como se não fosse possível consenso à volta dos macro interesses da nação que seria interpretado e praticado pelos partidos mediante desígnio eleitoral. O mesmo se aplica aos municípios, onde efetivamente a população se encontra. A sobreposição de egos, o manietar da pobreza, a defesa de outros interesses e a arrogância das imposições tem levado a decisões ridículas, até, por exemplo, meia pedonal?! O desenvolvimento medido pela média não espelha a realidade dos extremos que temos.
Portanto, a justiça ainda não tem gracejado, de todo, o nosso belo país e sua gente. Importante não confundir justiça, o sentimento do justo, da igualdade, da discriminação positiva e proporcionalidade com o sistema judicial. Do sistema judicial, tento não opinar porque não conheço todos os seus meandros e muito menos processos em particular para cair no populismo avassalador das redes sociais de condenação ou absolvição. Entretanto, com isto não deixo de ver, obviamente, falhas objetivas e tratamento desigual de situações idênticas que levam a perceção de injustiças várias existentes.
Como exemplo, é recorrente vermos situações que já se normalizam como os cassubodys, os furtos e roubos, em que já fui vítima, sem ação ou penalização dos prevaricadores, incutindo o medo e a insegurança nos cidadãos, além de outros crimes graves ou muito graves, quando outros casos, pelo mediatismo e pessoas envolvidas tem um tratamento aparente condicionado por outras forças e objetivos que não necessariamente a justiça das leis, quanto mais, a justeza da sensatez.
Combatendo a pobreza além dos discursos, de forma holística e não se resumindo ao assistencialismo, com uma estratégia de desenvolvimento do país, as dez ilhas, independentemente dos partidos em governação, com lideranças e servidores públicos com espírito de missão, com segurança instituída e justiça funcional, certamente estaríamos em outro patamar de democracia, desenvolvimento e justiça que não considero utópico. Sem esperança não vale a pena viver. Eu tenho!