Já tinha saudades de partilhar algumas anotações neste espaço. Por razões conhecidas, de pertencer a uma lista concorrente nas autárquicas evitei fazê-lo no período eleitoral para preservação do espaço e da minha condição enquanto mandatário e candidato. Retomo, enquanto cidadão, as minhas notas e opiniões. A primeira incorre sobre o veredito popular da divisão dos eleitos definido por votação expressa dos eleitores sanvicentinos.
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Por: Nelson Faria
Ouvidas as declarações após as eleições do dia 1 de dezembro, verificado a vontade do povo em repartir os mandatos, sem absolutismo, para que a construção da ilha se faça na diferença que nela reside, dizia, as declarações que ouvi e interpretei preocupam, pois, ao que parece a democracia, uma vez mais, poderá ser subjugada pelo incumbente, por conveniência e apego ao poder absoluto, mas, ainda assim vou atribuir o benefício da dúvida e aguardar o início das conversações para melhor perceber as reais intenções.
A democracia não é um braço de ferro onde quem tem a maior parte ganha tudo. Quanto mais se a maior parte se traduz numa maioria relativa que não é uma maioria absoluta. Uma maioria relativa é um copo meio cheio, não basta para matar a sede do poder absoluto! Não, não é possível “acabar com a oposição” como se quis. Aliás, convém dizer que entre eleitos no órgão executivo não há oposição e sim diferenças políticas, pois todos são eleitos para trabalharem para uma única causa. Por isso, a maioria relativa obriga construção na diferença, obriga humildade, tolerância, o saber respeitar os eleitos e, sobretudo, o povo diverso e diferente que definiu os seus eleitos.
Quando o povo vota, expressa a sua vontade na sua diferença. Em São Vicente, no dia 1 de dezembro, não houve unanimidade, não houve maioria absoluta, nem poderia haver, pois as urnas demonstraram a realidade diferente desta ilha. Isso significa que todos os eleitos precisam descer do pedestal, calçar o conforto da humildade e lembrar que não são donos do poder, mas servos de um bem maior: a causa de São Vicente. Repito, a maior parte, na maioria relativa, não é a maioria absoluta. Isso quer dizer que, se um partido conseguiu mais votos que os outros, mas não alcançou a maioria absoluta, precisa dos outros para construir algo que funcione e permita o progresso da causa comum.
Respeitar a democracia é respeitar a pluralidade das escolhas. Os eleitos não o são para fazer monólogos cheios de ego, ressentimento ou aquele narcisismo de quem se olha no espelho e diz: “Eu sou o escolhido.” Os eleitos foram escolhidos para dialogar, negociar e, sim, ceder. Não é fraqueza, é maturidade política em prol da causa comum. A harmonia não nasce da uniformidade, mas da convivência entre diferentes que se permitem, juntos, fazer algo maior.
A política não é um show solo, é uma banda, e para a banda funcionar é preciso ensaiar junto, acertar o tom e, às vezes, até deixar o outro ser o vocalista por um tempo. A construção de consenso deveria ser o nosso forte, pois, somos naturalmente diferentes. Tal como em tudo o que é humano, sim, temos discordâncias, sim, por vezes necessitamos de negociações difíceis, mas a mágica acontece quando cada lado sabe negociar e ceder, livrando-se de absolutismos e autocracias, para construir algo maior do que qualquer vontade ou plataforma individual. No que toca às plataformas, é importante dizer que na configuração eleitoral atual todas são válidas como base para uma nova construção entre eleitos, desde que o objetivo seja o bem de São Vicente.
Democracia é, acima de tudo, humildade. Saber que não se governa sozinho e que a vontade popular, quando não absoluta, pede negociação. Por isso, nesta nossa ilha, precisamos construir pontes entre as diferenças e evitar muros de ressentimentos e egos inflados. É na conversa, no respeito e na procura de soluções conjuntas, mesmo com as nossas diferenças, que se constrói o presente e o futuro que almejamos.
O objetivo não é ganhar uma discussão, muito menos discutir poderes efémeros, mas ganhar um futuro melhor para todos, e isso, convenhamos, não se faz com gritos, mas com abraços, com muito, muito diálogo sincero, muita, muita tolerância. Quando eleitos diferentes deveria ser prática deixar os egos na porta da entrada no poder e vestirmos a camisola da cooperação. Afinal, a democracia não é só sobre ganhar, é sobre aprender a construir, juntos, algo que o povo, dono do poder, decidiu nos permitir.