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Crónica: Cunhado pela alcunha

Diz-me o teu nome de batismo, dir-te-ei quem são os teus pais. Diz-me a tua alcunha, dir-te-ei quem és e, principalmente, de onde vens…

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Por: João Delgado da Cruz 

Na Roma antiga, os filhos dos patrícios recebiam os “tria nomina”. O “praenomen”, nome próprio, o “nomen”, nome de família (gens) e o “cognomen”. O nome do filho só se distinguia do (nome) do pai pelo “praenomen”. As mulheres tinham só um nome, o da sua gens no feminino. Por exemplo, Cornelia da gens “Cornelius”.

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Quando algum romano se destacava por algum feito, ganhava direito a usar um segundo sobrenome, um “agnomen”. Após a destruição de Cartago, Publius Cornelius Scipio passou a ser chamado Publius Cornelius Scipio Africanus. Esta onomástica latina conservou a sua essência na Península Ibérica.

Em Cabo Verde, o hábito de atribuir uma alcunha (uma espécie de “agnomen”) às pessoas é um traço cultural enraizado desde os primórdios da colonização portuguesa. Com o passar dos tempos, devido a globalização e as transformações da própria sociedade, o nome de batismo deixou de ser uma marca de nacionalidade e estatuto socioeconómico, mas a alcunha continua a trazer em si “a cor local”.

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Na literatura, um dos fatores de verossimilhança é a antroponímia. Esta é um dos garantes da caracterização sociocultural da obra literária. 

Principalmente durante o Realismo, o escritor faz da Literatura um instrumento de análise da sociedade. Procura envolver o leitor nesta intervenção. Através da antroponímia, o autor aproxima o leitor do espaço sociocultural real.

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Baltasar Lopes confessa na entrevista a Michel Laban que aproveitava os nomes de pessoas conhecidas, casos de Chico Zepa, Nhô Chic’Ana e Nha Tudinha. Segundo ele, o ficcionista não consegue arranjar nomes como a própria vida real para as suas personagens. Cita o caso de Manuel Lopes que, depois de escrever o conto “O Galo Cantou na  Baía”, não conseguia arranjar um nome para a personagem principal, um catraeiro. Andou nesta indecisão durante um ano e tal, até que a vida lhe forneceu o nome. Estavam um dia no cais da Alfândega, viram um catraeiro num bote e uma mulher em cima do cais. Esta chamou o marido – “Ó José Castanha!”. A partir daí, adotou este nome para a sua personagem.

A sociedade cabo-verdiana, a mindelense em particular, é rica em alcunhas, que fazem um “percurso contrário” aos exemplos de Baltasar Lopes e Manuel Lopes. Parecem personagens retiradas de obras literárias, tal a carga simbólica que a alcunha produz.

Vou escrever alguns exemplos e gostaria que os meus amigos dessem continuidade à lista e contribuissem (se possível) com explicações para algumas alcunhas:

Fra Bola (RIP, pai do meu amigo Kula Fra Bola, um dia furou uma bola de tanta potência que colocou no remate), Toi Budim (ex-futebolista, saltava como um bode), Armando Txukin (ex guarda-redes, baixinho e atarracado), Liz Cabel (RIP, compositor e cantor popular, tinha uma grande cabeleira), Maria Leiteira (vendedeira de leite de cabra, para Antone Tchitcte era uma boa pessoa), Manuel d’Novas (RIP, grande poeta, compositor – trabalhou no barco “Novas de Alegria”, mas também foi um mensageiro de “boas novas” e com muita alegria – um dos meus ídolos), B. Léza (poeta, compositor – devido ao contacto com brasileiros, passou a repetir esta expressão), Ary Kueca, Sete Spirt, Zé Catana, Meri Pô Tude…

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Constanca Pina

Formada em jornalismo pela Universidade Federal Fluminense (UFF-RJ). Trabalhou como jornalista no semanário A Semana de 1997 a 2016. Sócia-fundadora do Mindel Insite, desempenha as funções de Chefe de Redação e jornalista/repórter. Paralelamente, leccionou na Universidade Lusófona de Cabo Verde de 2013 a 2020, disciplinas de Jornalismo Económico, Jornalismo Investigativo e Redação Jornalística. Atualmente lecciona a disciplina de Jornalismo Comparado na Universidade de Cabo Verde (Uni-CV).

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