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Como o Alupec excluiu e descartou os nossos emigrantes: Descuido ou descaso?

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   Num precedente artigo abordei, muito por alto, a discriminação feita aos nossos emigrantes por aqueles que sorrateiramente nos querem impingir o crioulo da ilha de Santiago por “língua kabuverdianu”. Na verdade, os emigrantes não foram tidos nem achados quando, em 2009, o governo de JMN oficializou o “Alfabeto Unificado para a Escrita do Caboverdeano” (ALUPEC), mais tarde abreviado para “Alfabetu Kabuverdianu” (AK). 

Por: David Leite

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Não serei eu a negar que o ALUPEC harmoniza e simplifica a grafia das diversas variantes do crioulo, até aí estamos de acordo… Porém, isso não confere a nenhuma variante o título de “língua caboverdeana”. Por isso estarei na linha da frente contra quaisquer tentativas sibilinas de nos servir o crioulo de uma ilha por “língua kabuverdianu”, como ficou patente na recente “Konstituison di Repúblika di Kaboverdi”. 

JMN e os chamados “alupecadores” (a expressão é do falecido José “Zizim” Figueira) não pensaram na  “nação global” que somos, mas na SUA nação. 

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Ninguém se lembrou dos nossos compatriotas na terra-longe! Ninguém os ouviu, ninguém lhes disse sequer o que era o ALUPEC. Os “alupecadores” andaram tão descuidados que nem se lembraram que a nossa língua materna também existe fora das ilhas! Tão-pouco pensaram em que escolas iriam os emigrantes aprender a “língua kabuverdianu” (aliás crioulo de Santiago) para ler um livro ou corresponder com os parentes e amigos nas ilhas usando o “alfabetu kabuverdianu”…

Descuido ou descaso, a verdade é que o Governo e os linguistas pró-ALUPEC agiram de costas voltadas para os emigrantes, os quais ficaram excluídos do ensino da futura língua oficial, aliás “língua kabuverdianu”, aliás crioulo de Santiago escrito em “alfabetu kabuverdianu”. 

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Uma  ingratidão para com os emigrantes que fizeram do crioulo um idioma transnacional.

A distracção dos “alupecadores” denota ingratidão para com os nossos emigrantes que levaram a nossa língua materna pelo mundo. Pois foi graças à emigração que o crioulo não ficou confinado no universo circunscrito das nossas ilhas. E não necessitou de nenhum ALUPEC nem de ser declarado língua oficial para ser um idioma sem fronteiras, falado nos meios caboverdeanos em França, Angola, Itália, Holanda, América, Senegal…

Alguém duvida? Que vá até ao Luxemburgo onde “linga d’Sintonton ê um sóbura” na boca das crianças caboverdeanas como se tivessem nascido na ilha das montanhas! Pois que alguém me diga em que escola irão os meninos do Luxemburgo aprender o Alupec! Ou será que o Governo caboverdeano vai abrir escolas de “língua kabuverdianu” em Luxemburgo? Ou em  Luanda, Pawtucket, Lisboa, Dakar, Paris, Roma ou Rotterdam? Com que professores, com que meios didácticos, com que verbas? E para quê? Felizmente o ALUPEC não lhes deixa falta para comunicar, nem para estudar, nem para trabalhar e ganhar a vida no estrangeiro.

Feitas as contas, todos os “alupecadores” juntos, linguistas, académicos e políticos à cata de votos, não fizeram pela nossa língua materna o que fizeram os nossos emigrantes! Enquanto os “doutores” dissertam e os políticos decretam, a nossa língua materna espalha-se pelo mundo em toda a sua pujança e diversidade… e regressa à casa em forma de música! “Si ca badu ca ta biradu”…

Mais um paradoxo da “Nação Global”. O ALUPEC representa um terrível paradoxo: o de uma nação que se quer “global” e que deixa de fora a  sua população espalhada pelo mundo – a maioria! Um Cabo Verde com Alupec e um Cabo Verde sem Alupec!

Uma nação global com ambições turísticas mas que se encolhe sobre si mesma com uma forma de escrever “nos ku nos”, dificultando a compreensão da sua língua a um visitante francês, espanhol, senegalês ou holandês. Mau presságio neste Cabo Verde membro da Francofonia, que aposta na comunicação e promoção para se afirmar no mundo cibernético em que povos e culturas se procuram e interagem, imperando o inglês como língua de comunicação planetária. 

Devíamos era ser prudentes para não aumentar ainda mais a distância que já nos separa dos nossos patrícios na terra-longe! Pois uma coisa é certa: não é com o Alupec que vamos aproximá-los da terra-mãe! E não basta lembrar-lhes que têm seis deputados no Parlamento para fazer crer que têm voto na matéria!

Estou aqui!

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Constanca Pina

Formada em jornalismo pela Universidade Federal Fluminense (UFF-RJ). Trabalhou como jornalista no semanário A Semana de 1997 a 2016. Sócia-fundadora do Mindel Insite, desempenha as funções de Chefe de Redação e jornalista/repórter. Paralelamente, leccionou na Universidade Lusófona de Cabo Verde de 2013 a 2020, disciplinas de Jornalismo Económico, Jornalismo Investigativo e Redação Jornalística. Atualmente lecciona a disciplina de Jornalismo Comparado na Universidade de Cabo Verde (Uni-CV).

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