João Henrique Delgado da Cruz
Como tinha escrito sobre a eleição do luso-caboverdiano Pany Varela como Melhor Futsalista do Mundo’, repito em relação a Nuno Mendes, Nelson Semedo e Renato Veiga. Uma narrativa que contraria os discursos radicais, cegos pelo racismo e xenofobia.
No livro “O Rio das Flores”, Miguel Sousa Tavares refere a uma carta de 1929 do embaixador inglês em Lisboa, para Inglaterra: “… a nação portuguesa em parte devido a grande mistura de sangue negro e em parte devido ao enervante clima, é fisicamente e mentalmente degenerada (…) incapaz de um esforço regular ou de um raciocínio lógico”.
Sim, Portugal já foi visto dessa forma! Alguns discursos de hoje parecem catarses…
Acrescento, com prazer, dois dias depois, referências que vieram a calhar nas comemorações do Dia de Portugal, em Lagos, antigo mercado de escravos de onde partiam as naus.

A escritora Lídia Jorge, conselheira de Estado e algarvia, num discurso de meia hora referiu a um Portugal onde “não há sangue puro”. Marcelo Rebelo de Sousa numa elocução de dez minutos acrescentou que ao longo de nove séculos aconteceu “uma mistura onde não há quem possa dizer que é mais puro ou mais português do que outro”. Discursos pejados de humanismo em tempos de ódio galopante.
Hoje, Portugal é a melhor nação europeia em futebol com a ajuda de cabo-verdianos!
O cabo-verdiano teve de emigrar para os quatro cantos do mundo à procura da dignidade pelo Trabalho.
É sim um orgulho para Cabo Verde ver jovens luso cabo-verdianos subindo as escadas da Glória. Independentemente da seleção pela qual jogam, trazem no sangue toda a ancestralidade de um povo lutador.
Cabo Verde é onde quiseres estar! Existe em alguns lugares de Portugal mais Cabo Verde que o próprio Cabo Verde.
Como diz Dino de Santiago:
Nas curvas do bairro
Aqui toda a gente sente
Terra não é só lugar onde se nasceu
É também o chão que trazemos na mente
Aqui toda gente é parente
Mesmo quando se nasceu d’outro ventre
Chamamos mãe ao mesmo continente
Juro se eu não morro goat eu deixo gota p’ró meu nigga
Porque eu não sou do bairro, eu sou da raça que os habita
Quando eu canto fado soa a mais do que uma vida
E eu não sei explicar
Meu povo vem da lama como Dalai
E fez todo o meu drama virar minha light
Mundo é minha Alfama, tô no meu bairro
E por onde eu passar é minha esquina
Nas curvas do bairro
Nem todo tuga é luso
Nas curvas do bairro,
Nem todas as quinas são vanglória
Salve!