Tomilson Neves
Bubista, terceira maior ilha do arquipélago de Cabo Verde, é verdadeiramente um tesouro que se impõe à vista e à alma. Não é apenas uma porção de terra no Atlântico; é um santuário de biodiversidade e de paisagens. Quem a visita deslumbra-se com a maior praia de areia cristalina do país e com a imponência da sua maior bacia hidrográfica, uma promessa de recursos num ecossistema frágil. Contudo, a verdadeira riqueza da Boa Vista reside no seu povo, forjado em figuras de bravura e talento como Aristides Pereira, Aristides Lima, Pedro Brito “Bubista,” Maria Barba, Iolanda Brito, Tio Lino, Germano Almeida, e muitos outros…. Temos talento, temos capacidades, temos uma ilha maravilhosa, mas, apesar de todas estas dádivas naturais e humanas, deparamo-nos com uma realidade incontornável: falta-nos o desenvolvimento da nossa terra. Este artigo visa celebrar o património inigualável da Boa Vista, ao mesmo tempo que lança um olhar crítico sobre os desafios que impedem a ilha de alcançar o seu pleno potencial.
Riqueza Natural: Um Santuário Geográfico e de Biodiversidade
A beleza da Boa Vista não é um mero adjetivo turístico; é uma força telúrica que a distingue no mapa mundial. A ilha orgulha-se de ter a maior praia de areia cristalina do arquipélago, um título que a Praia de Santa Mónica justifica com os seus quilómetros a perder de vista, onde o dourado da areia encontra a turquesa intenso do Atlântico. Contudo, o fascínio da Boa Vista estende-se para lá da costa.
No interior, la na Stancha d´boxe, o Deserto de Viana é uma paisagem surreal, onde dunas brancas, trazidas pelos ventos do Saara, criam uma ilusão ótica de um oceano de areia, contrastando com o horizonte marítimo. Esta área não é apenas um espetáculo visual; é um testemunho da singularidade geográfica da ilha. Complementando este cenário, na Rabil, temos a presença da maior bacia hidrográfica do arquipélago sinaliza um potencial recurso hídrico vital, cuja gestão eficaz é crucial para o futuro sustentável da ilha.
Acima de tudo, a Boa Vista é um pilar da vida marinha global. As suas praias são o terceiro sítio de nidificação mais importante do mundo para a tartaruga-comum (Caretta-caretta), fazendo da ilha um verdadeiro berçário de vida selvagem. Esta responsabilidade ecológica não só atrai a atenção internacional, como sublinha a necessidade de equilibrar a exploração turística com a conservação rigorosa. A natureza
de Boa Vista é, assim, o seu maior capital e o seu maior imperativo de proteção.
Temos Legado Humano: Bravura, Talento e Capacidade Forjados na Boa Vista
A Ilha da Boa Vista é mais do que paisagem; é um berço de homens e mulheres bravos que, em diferentes esferas, demonstraram o talento e a capacidade do seu povo.
No panteão da história cabo-verdiana, destaca-se Aristides Pereira, primeiro Presidente de Cabo Verde, cuja liderança inquestionável marcou o caminho da independência e da construção da nação. No campo das artes e da cultura, o brilho é inegável: Maria Barba, uma das mais notáveis cantadeiras-compositoras de mornas, foi essencial para levar a doçura da morna boa-vistense para além-mar. Recentemente, Iolanda Brito honrou este legado musical, conquistando o prémio nacional e Internacional do Todo o Mundo
Canta, provando que a nova geração carrega o mesmo fogo criativo.
A inteligência e o espírito crítico da ilha ecoam na literatura, através de figuras como Germano Almeida, autor aclamado cuja obra ressoa a alma cabo-verdiana. O talento também se manifesta no desporto e na liderança, com Pedro Brito, “Bubista”, que, após uma carreira como jogador, conduziu a seleção nacional de futebol, os Tubarões Azuis, a patamares históricos, exibindo a determinação da ilha em palcos internacionais.
O contributo de figuras como Tio Lino e Elji Beatzkilla solidifica a ideia de que a Boa Vista, apesar do seu isolamento geográfico, nunca foi isolada do pensamento e da ação. É esta riqueza humana, uma prova irrefutável de que temos talento, temos capacidades, que torna ainda mais premente a questão do desenvolvimento.
O Dilema do Desenvolvimento: Luxo e Carência
Apesar do inegável potencial e do talento do povo da Boa Vista, o maior obstáculo ao pleno desenvolvimento reside na sua infraestrutura e no modelo económico adotado.
A Urgência das Infraestruturas Básicas
É paradoxal que, numa ilha que atrai investidores e turistas de alto rendimento, persistam graves carências em serviços públicos essenciais. A ausência de um sistema de saneamento e esgotos eficiente, a par de uma maior planificação e profissionalismo na gestão urbana, compromete a saúde pública e a sustentabilidade ambiental. A falta de tratamento adequado de resíduos e efluentes contrasta de forma chocante com a imagem de paraíso cristalino vendida ao exterior. A Boa Vista precisa de um desenvolvimento que comece no básico, garantindo dignidade à vida dos seus residentes, e não apenas na
fachada dos resorts.
A Questão Chave: O Turismo All-Inclusive
Isto leva-nos à questão central: O que a hotelaria tem realmente oferecido à nossa ilha e às nossas gentes? São benefícios? Até que ponto?
O modelo de turismo de grandes resorts all-inclusive (tudo incluído) gerou empregos e, inegavelmente, injetou capital e impostos na economia nacional. Contudo, na Boa Vista, este modelo criou uma perigosa dualidade:
- Baixo Leakage Local: O sistema all-inclusive tende a ser uma “economia de enclave”. Grande parte dos bens de consumo e serviços (alimentos, bebidas, excursões) são importados ou geridos por empresas externas, o que limita o benefício direto para os pequenos produtores, comerciantes e empresários locais.
- O Contraste “Luxo vs. Lixo”: Como alguns estudos apontam, assistimos ao fenómeno de “viver no lixo e trabalhar no luxo”. Enquanto o turista vive em complexos de primeira linha com acesso a água e saneamento sofisticados, as comunidades vizinhas lutam com a escassez de água, eletricidade intermitente e problemas de esgoto.
- Ameaça à Cultura e Identidade: A concentração da mão-de-obra e dos recursos na hotelaria all-inclusive desvia a atenção da diversificação económica e do reforço da identidade local, transformando o local numa mera “extensão” da cadeia turística internacional, e não num polo de desenvolvimento autónomo.
O benefício existe, sobretudo na criação de empregos (ainda que por vezes precários) e na contribuição fiscal, mas é limitado. O modelo atual falha em ser integrador e redistributivo, e é por isso que, apesar do boom turístico, a ilha sente que o verdadeiro desenvolvimento da sua terra ainda não chegou à generalidade dos seus filhos.
A Boa Vista no Espelho da Sinceridade
A Boa Vista é um hino à natureza, um espetáculo de areias puras e águas ricas. É o lugar que viu nascer líderes, artistas e pensadores, de Aristides Pereira a Germano Almeida, de Maria Barba a Pedro Brito aka “Bubista” e Iolanda Brito. Repetimos com a alma na voz: temos talento, temos capacidades, temos uma ilha maravilhosa.
A sinceridade, porém, obriga-nos a confrontar o espelho. De que nos serve a maior praia de areia cristalina se as nossas comunidades carecem de saneamento básico e esgotos? De que adianta o turismo de milhões se a nossa vida se resume a “trabalhar no luxo para viver no lixo”? A verdade é dura: o modelo all-inclusive atual é um funil que suga a nossa beleza e deixa o desenvolvimento essencial à deriva.
Não precisamos de discursos vazios, mas de planificação real, profissionalismo e coragem para desatar este nó.
O nosso apelo é direto e vai para onde reside a responsabilidade diária: que todos quanto tenham responsabilidades nestas matérias parem de olhar para a Boa Vista como um mero ativo a ser explorado. É tempo de investir na nossa terra: no saneamento, na educação, na diversificação, garantindo que o ciclo da riqueza se feche em benefício dos boa-vistenses.
Nós somos a força da nossa ilha. Nós, homens e mulheres bravos, merecemos que a nossa casa seja tratada com o mesmo respeito que vendemos aos turistas. O nosso desenvolvimento não é um pedido; é um direito que nasce do nosso esforço e da grandeza da nossa Boa Vista, afinal, todo o 3º lugar sobe ao pódio e leva o bronze, a Boa Vista merece subir ao pódio e mostrar que é a terceira maior ilha deste nosso arquipélago.








