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Opinião

As peripécias de um porto que o mar negou

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Sem estudos, na década de 90, o Governo do MpD decidiu semear um porto, em estacas, numa das mais extensas e belas praias do Maio. A experiência da sua utilização demonstrou que o porto não tinha condições para funcionar bem, durante uma parte significativa do ano, por causa do movimento e da agitação do mar que provocaram vários danos às embarcações nas operações de rotina.

Por: Rui Semedo*

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Depois fizeram-se estudos, que se concluíram em 2014, cujos resultados aconselhavam outras opções e outros lugares de construção, designadamente o Pau Seco. Mas o governo atual, ignorando os estudos, teimosamente, decidiu investir numa solução diferente, que não constavam dos estudos, para demonstrar que sempre tinha razão na escolha antiga e desastrada.

A solução, vendida como a melhor para a ilha, demonstrou grandes fragilidades desde o primeiro dia da sua utilização, com alguns amargos de boca já no dia da inauguração, que só teve que acontecer para não envergonhar o primeiro-ministro e a sua vasta comitiva, para não dizer “locomotiva”, como dizia o outro.

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Não obstante tudo isso, o primeiro-ministro não perdeu nem o entusiasmo, nem a euforia e proclamou, alto e em bom som, que estava descoberta a pólvora para garantir o maior desenvolvimento da ilha e que, a partir daquele emblemático, espetacular e propagandístico momento, ninguém mais, principalmente a juventude, tinha necessidade de deixar a ilha e o país porque o milagre já se tinha consumado.

Depois, por várias ocasiões, os barcos não conseguiram atracar ou abortaram as operações, depois de quase concretizadas, deixando passageiros, por embarcar, em terra, as cargas por descarregar e os passageiros, por desembarcar, retidos nos barcos a fazerem a operação inversa, com a volta para o porto de origem na Praia.

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Apesar das reclamações o governo e a maioria que o sustenta continuaram a enfiar a cabeça na arreia e a ignorar os prejuízos para a ilha, para os operadores, para o turismo e para as expectativas de todas as pessoas, desenvolvendo a narrativa de que as reclamações ou eram da população, que chorava de barriga cheia, ou era da oposição, que padecia de ciúmes e de fortes dores de cotovelo.

Chegou-se à situação mais grave que é o assoreamento do porto e o desaparecimento da rampa, onde foram investidos vários milhares de contos, precisamente, para garantir operações cómodas, confortáveis e seguras. Ainda com a cabeça entulhada na arreia, nem o governo nem a sua maioria reconhecem que o investimento foi uma decisão mal pensada e um erro que deve merecer a responsabilização daqueles que optaram por esta solução.

Para esse assoreamento começam a chover justificações cada uma mais estapafúrdia que a outra como pode se ilustrar:

• Para o Ministro do Mar “há questões ambientais que não foram levadas em conta” e a solução é mandar encomendar uma embarcação para draga, para salvar o porto até que venha mais um mar raivoso para debitar toda sua fúria naquela rampa intermitente;

• Para a Ministra das Infraestruturas “é o ambiente que vai iniciar o trabalho no sentido contrário de retirar a areia aí depositada” e, se calhar, a solução é esperar pela generosidade das mãos da natureza que, tendo pena de nós, irá retirar a areia e restituir-nos a rampa sã e salva. Ela ensaiou também atribuir culpas à empresa construtora, sacudindo o seu capote;

• Para a ilustre Deputada do Maio o culpado é a pouca vergonha da oposição que está a criticar esse escândalo nunca registado em Cabo Verde, onde existem uma grande experiência na construção de portos (com nove portos construídos);

• Para a distinta Ministra da Defesa a culpa é do ”agoiramento” (expressão proferida por ela no parlamento em resposta à indignação dos deputados do PAICV) da oposição que talvez desta vez tenha exagerado no agoiro;

Enfim, todos são culpados menos os que decidiram mal, fizeram a opção errada, desprezaram os estudos existentes, entulharam o dinheiro do povo naquele areal e estão à espera que a culpa morra solteira. Parece que pelas opções previamente existentes, pela decisão tomada, pelos montantes envolvidos e pelos prejuízos causados o Ministério Público poderia investigar as responsabilidades. Ou talvez não.

Até lá, nós vamos ter que aturar um porto encalhado, os avultados recursos encalhados ou enterrados na areia e um governo e uma maioria também encalhados na sua posição de negação da realidade.

*Presidente do PAICV

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Constanca Pina

Formada em jornalismo pela Universidade Federal Fluminense (UFF-RJ). Trabalhou como jornalista no semanário A Semana de 1997 a 2016. Sócia-fundadora do Mindel Insite, desempenha as funções de Chefe de Redação e jornalista/repórter. Paralelamente, leccionou na Universidade Lusófona de Cabo Verde de 2013 a 2020, disciplinas de Jornalismo Económico, Jornalismo Investigativo e Redação Jornalística. Atualmente lecciona a disciplina de Jornalismo Comparado na Universidade de Cabo Verde (Uni-CV).

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