Por: Maria de Lourdes Jesus
Na presença de um público que encheu a sala Meloncini em Roma num silêncio religioso, para não se perder uma passagem das várias intervenções sobre a violência do género, assistimos à apresentação do livro “Se causa dor não é amor”, de Miriam Medina.
Numa comunidade constituída na sua maioria por mulheres, esse tema suscitou um grande interesse ao ponto que os organizadores foram forçados a limitar a entrada das pessoas que continuavam, até no mesmo dia, a ligar para ver se arranjavam um lugar.
O debate foi introduzido com uma peça teatral do escritor Jorge Canifa e a actriz Catelina Almada a recitar cenas de violência que muito impressionou o público. Na parte final da peça, os dois actores denunciaram em voz alta a violência do género.
Segundo os organizadores, o evento deveria satisfazer dois objectivos: o primeiro discutir o tema da violência do género num debate público. A violência do género, sofrida maioritariamente pelas mulheres, tem sido considerada em muitos casos, e na sociedade cabo-verdiana também, como sendo a mulher responsável por não ter a coragem de enfrentar e a abandonar os maus-tratos a que é submetida e o homem compreendido e perdoado porque bate na mulher por amor. Na maioria dos casos considera-se aceitável que um homem seja violento numa relação, quer seja no namoro ou no casamento. É aceitável na família, na escola e no contexto social em que vivem, o que faz esses comportamentos se perpetuar até hoje.
Segundo a autora do livro, Miriam Medina, esta é uma fase difícil de superar porque está directamente relacionada com o tratamento que receberam na infância. Da relação saudável entre os pais, do tipo da educação que receberam na família, na escola e no contexto social em que viveram. São condicionamentos que podem facilitar ou impedir as crianças de aprender a amar-se e a desenvolver a auto-estima, como forma de defesa na vida.
O segundo objectivo do colóquio era dar a conhecer os perversos mecanismos psicológicos que estão na base dessa dependência na relação de violência de género. Os relatores e a autora fizeram uma análise desses mecanismos que não se conhece, mas que trabalham sem o controlo da pessoa para mantê-la cada vez mais a vítima desejada do agressor.
A apresentação do livro foi uma ocasião para sensibilizar a comunidade cabo-verdiana, na esperança que cada pessoa presente nesse encontro possa ser porta-voz para muitas das mulheres que ainda têm medo de denunciar casos de violência, dentro e fora da própria casa e muitas vezes porque não confia em ninguém e não sabem a quem se dirigir. Os pais foram alertados e responsabilizados pelo tipo de educação que transmitem aos filhos e às filhas, pela importância da presença constante e do amor aos filhos. Não há alternativas para transmitir e ajudar os filhos a amar-se, a cultivar confiança em si e auto-estima.
A força da identidade cabo-verdiana.
A meu ver, o evento teve muito sucesso graças aos convidados da mesa reconhecidos pela comunidade e capazes de enfrentar o tema de violência com delicadeza, firmeza e compreensão. O evento teve lugar numa das salas mais lindas no Restaurante Meloncini. Um espaço enorme com jardim à volta e muito bem cuidado para um bom acolhimento a uma comunidade cada vez mais exigente.
O desejo da comunidade traduz muito bem o lema que sempre acompanhou os eventos de Caboverdemania e Tabankaonlus: a afirmação da identidade cabo-verdiana, sobretudo após os dois anos de Covid-19 que obrigou o mundo inteiro a isolar-se. Nessa altura, e mais do que nunca, as pessoas sentiram a necessidade de estar em e com a comunidade. Conceito que adquiriu uma importância que nunca tivera tido. É um sentimento que transmite força e segurança na certeza de que não estamos isolados, somos e temos uma comunidade, um ponto de referência na qual podemos sempre contar.
A apoteose da força da identidade cabo-verdiana revelou-se na noite cabo-verdiana com os músicos Humberto Ramos, Dany Fonseca, (que vieram de Lisboa) Inaldino Almeida, Alex Araújo e a cantora Ondina Santos que animaram a noite com um público que, mal ouvia as notas musicais, começavam em voz alta a cantar em coro “que mo pa altura pa mata sodade”.
Fotos: Marzio Marzot