A família é a única instituição natural e basilar de uma sociedade. Nesta ótica, assenta o princípio de que a família composta por pai, mãe e filhos, desempenham um papel indispensável na formação de indivíduos íntegros e na sustentação de uma sociedade coesa e estável. Todavia, a importância da família pode ser analisada, em várias perspetivas, nomeadamente a educação moral, o apoio emocional e a preservação de identidade.
Por: Guerreiro Fontes
Nesta senda, a família é vista como principal fonte da educação moral e cívica, tendo em conta que é no seio da família que as crianças aprendem os valores e os princípios que guiarão o seu comportamento ao longo da vida. Sendo certo que, valores como honestidade, respeito e a solidariedade são ensinados pelos pais, que servem de modelos a seguir.
A base da criação dos filhos é a relação estabelecida com os pais, visto que a relação sustenta, nutre e permite o melhor desenvolvimento emocional. As crianças não fazem o que falamos, aprendam com o exemplo, além disso, os filhos precisam de afeto, de aceitação de contato físico, da presença física dos pais.
Face ao caso concreto é crucial abordar as várias transferências dos funcionários no seio da administração pública e privada, pondo em risco a desagregação da família, em particular o estado emocional dos filhos, razão pela qual, pretendemos trazer à colação o direito da família, enquanto direito fundamental, à luz da Constituição, a fim de demonstrar o papel do Estado na defesa dos direitos fundamentais.
O enquadramento legal do direito à família no ordenamento jurídico cabo-verdiano é fundamental para podermos compreender o seu valor na atualidade e no quotidiano dos cidadãos.
A Constituição da República de Cabo Verde reconhece a todos o direito à família e configura esta instituição como a célula fundamental da sociedade cabo-verdiana, conforme o art.º 82 do dispositivo legal, reafirmando ainda que a paternidade e maternidade são valores sociais eminentes. Entretanto, este mesmo dispositivo legal reconhece a todos o direito de constituir família, conforme o disposto n.º3.
A nossa Constituição aceita uma concepção personalista da família que tutela a um tempo, como um direito fundamental e como garantia institucional. Enquanto o direito fundamental, o direito a família vincula as entidades públicas e privadas e goza de privilégio da aplicação direta e prévia face a outras normas de sistema jurídico, contudo enquanto garantia constitucional, a Constituição da República obriga as medidas de fortalecimento da célula familiar e consequentemente a coesão de todos os seus membros, necessários a sobrevivência da instituição ( cf. sobre este aspeto Jorge Miranda e Rui Medeiros in Constituição Portuguesa anotada, Coimbra editora, 2005 pp 390 e segs).
Medidas essas que são extensivas às relações de trabalho, pois essas normas obrigam não só a que as decisões administrativas não possam descurar a existência de uma relação familiar, essas medidas devem ser adequadas à preservação da família, na ligação de todas os seus membros, por forma a permitir a almejada atributo da família. Por isso, as legislações são unânimes no sentido de que essas normas obrigam a existência de medidas que viabilizem a reunião de todos os membros da família, desagregando-se forçando, por vezes, a sua dissolução.
Contrariamente ao que em pelo menos num caso decidiu a magna instância judicial, a estabilidade familiar não deve nenhum tributo ao interesse público, como demonstrou o Dr. Carlos Veiga, no seu comentário no Acórdão 16/2006 do STJ nem a Constituição da República nem os instrumentos internacionais de que Cabo Verde faz parte consentem semelhante interpretação. In revista direito e cidadania ano VII nº 24 pp 227 e segs.
Os recentes acórdãos do Supremo Tribunal da Justiça têm, aliás, posto em causa esse ponto de vista e têm atalhado as transferências profissionais que põem em causa a estabilidade da família. Portanto, a Constituição impõe ao Estado o dever de assistir a família na sua missão guardiã de moral e dos valores tradicionais reconhecidos pela comunidade donde resulta a proibição de adoção de quaisquer medidas que direta ou indiretamente ponha em causa a unidade da família, a sua coesão ou que atinja qualquer dos seus membros, por forma a colocar a família na posição de não desempenhar a função social e constitucional que lhe está reservada.
Esta é a razão pela qual os direitos fundamentais consagrado na constituição não podem ser meramente decorativas, visto que as normas constitucionais relativas aos direitos, liberdades e garantias vinculam todas as entidades públicas e privadas e são diretamente aplicáveis, conforme se encontra constitucionalmente consagrado no artº 18 CRCV, além disso, as
normas constitucionais servem de bússola para atuação do Estado.