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A droga, um mal que consome corpos, mentes e o tecido social

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São Vicente, ilha marcada pela beleza natural e pela riqueza cultural, enfrenta um desafio que mina sua essência, a “epidemia” de drogas. É tempo de encararmos este mal sem tabus. O tráfico, longe de ser um fenómeno isolado, transformou-se em um cancro social, corroendo a saúde mental de jovens, alimentando a criminalidade e perpetuando um ciclo de violência que ameaça o futuro da comunidade. A narrativa de que a “economia da droga” traz benefícios é não apenas enganosa, mas uma falácia perversa que mascara a realidade, pois, esse sistema apenas enriquece uma elite criminosa, enquanto destrói vidas e aprofunda desigualdades.

Por: Nelson Faria

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A dependência química não é apenas uma questão de escolha individual, mas um desastre para a saúde pública. Em São Vicente, o consumo de drogas como “pedra”, “xamu” heroína e outras substâncias sintéticas tem deixado um rastro de doenças mentais evidentes. Quadros de psicose, depressão profunda, ansiedade incapacitante e surtos psicóticos têm demonstrações frequentes entre usuários, muitos deles jovens cujos cérebros ainda estão em desenvolvimento. A condicionante de acesso a tratamentos adequados, como clínicas de reabilitação, acompanhamento psiquiátrico e políticas de redução de danos, transforma o vício em uma sentença de morte lenta. Famílias desesperadas assistem, impotentes, ao definhamento de parentes que, sem apoio, tornam-se sombras de si mesmos.

É evidente e bastas vezes ditas por autoridades nacionais que o comércio ilegal de drogas está intrinsecamente ligado ao aumento de furtos, roubos e delinquência juvenil. Para sustentar o vício, muitos consumidores recorrem a pequenos crimes que alimentam uma espiral de insegurança, como a que percecionamos hoje. Jovens são recrutados por redes criminosas, bocas de fumo e quebradas são plantadas e cultivadas diariamente, normalizando a violência desde a adolescência. A disputa por pontos de venda gera guerras entre “facções”, com assassinatos e intimidações tornando-se parte do quotidiano. O resultado é uma comunidade sitiada, onde escolas perdem alunos para o crime, comerciantes fecham portas pelo medo de assaltos e mães choram filhos dependentes, presos ou mortos.

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Defensores oportunistas argumentam que o tráfico “movimenta a economia”, o que é perigoso. O dinheiro que é gerado pelas drogas não deve entrar em mercados formais, não financia hospitais ou escolas. Na maior parte das vezes circula clandestinamente, concentrando-se nas mãos de traficantes de alto escalão e seus aliados. Enquanto isso, os mais pobres, atraídos pela promessa de ganhos fáceis, arriscam suas vidas por migalhas. A “economia da droga” não reduz a pobreza, pelo contrário, aprofunda-a, ao desviar jovens do estudo e do trabalho digno, perpetuando um subdesenvolvimento crónico.

O dinheiro sujo do tráfico não desaparece, pois, muitas vezes é ostentado em imóveis de luxo, carros top de gama e negócios aparentemente legítimos, criando uma fachada de prosperidade que esconde a exploração. Essa lavagem corrompe instituições, enfraquece o Estado de Direito e cria uma elite intocável, que ri da lei enquanto comunidades inteiras pagam o preço. Em São Vicente, onde o turismo é vital, a imagem de destinos associados à violência e ao crime afasta investimentos reais, sufocando o potencial económico genuíno desta ilha.

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Posto isto, creio que é por demais consensual que é preciso combater esta crise da “epidemia” das drogas com ações integradas que começam na educação, com programas específicos para este tema, em termos centros de acolhimento e tratamento que consigam albergar com dignidade pessoas em situação de dependência; garantir a repressão policial lá onde se justificar com todos os recursos necessários; criar oportunidades reais de empregos formais para jovens e não a precarização e desemprego crónico que assistimos, e, por fim, fazer funcionar o sistema judicial com a celeridade que estas situações requerem, quer na prevenção e combate aos crimes de lavagem de capitais, corrupção e infrações conexas, com instituições funcionais e consolidadas, quer também na atuação dos tribunais
sobre traficantes e crimes de lavagem de capitais.

São Vicente merece mais do que a falsa promessa de uma “economia” construída sobre cadáveres e mentes destruídas. É tempo de desmontar a narrativa criminosa que normaliza a droga como mal inevitável e assumir, coletivamente, que só a justiça social, e não o crime, trará o verdadeiro desenvolvimento. A ilha não é um laboratório para o tráfico, é um lar que clama por vida, dignidade e paz.




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Constanca Pina

Formada em jornalismo pela Universidade Federal Fluminense (UFF-RJ). Trabalhou como jornalista no semanário A Semana de 1997 a 2016. Sócia-fundadora do Mindel Insite, desempenha as funções de Chefe de Redação e jornalista/repórter. Paralelamente, leccionou na Universidade Lusófona de Cabo Verde de 2013 a 2020, disciplinas de Jornalismo Económico, Jornalismo Investigativo e Redação Jornalística. Atualmente lecciona a disciplina de Jornalismo Comparado na Universidade de Cabo Verde (Uni-CV).

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