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Empresas de transporte de carga pesada de S. Vicente sofrem com “fuga” de condutores: Profissionais em falta no mercado

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As empresas que prestam serviço de transporte de carga pesada, contentores, aluguer de grua, empilhadeiras, de entre outros, estão a enfrentar uma debandada sem precedente de condutores. A grande maioria destes profissionais tem optado por emigrar, atraídos por contratos de trabalho em Portugal. A situação atingiu uma proporção tão elevada que já ameaça a continuidade da prestação desses serviços na ilha de S. Vicente. E, para agravar o problema, não existe resposta no mercado, o que criou um outro problema. As empresas queixam-se também de assédio aos profissionais, mas há condutores que se mantém ainda fiéis aos seus postos de trabalho e resistem ao convite para emigrarem. 

Das seis empresas que prestam este género de serviço em São Vicente – Bento Forrador, Armindo Silva Lda, Dénis Transportadora, Normando Pinto, Polaris, CV Interilhas e Padre Benjamim – o Mindelinsite abordou três sobre esta questão e todas foram unânimes em admitir que a preocupação é enorme porque não há forma de ultrapassarem o problema. A situação, dizem, tende-se a agravar cada vez mais porque vários condutores têm estado a solicitar documentos que indiciam a intenção de abandonarem o serviço.

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Adriano Lima, sócio-gerente da empresa Bento Forrador, admite que neste momento estão limitados porque perderam muitos condutores e não há profissionais capacitados no mercado para os substituir. “O trabalho que prestamos exige muita experiência, que não se adquire em dois dias. Formar um condutor profissional para conduzir uma viatura pesada demora até seis meses. Muitas vezes transportamos cargas com 60, 70 e 80 toneladas. Inclusive já tivemos casos de estarmos a movimentar 100 toneladas na estrada. É muita responsabilidade e exige muita perícia”, explica.

No seu caso, afirma, os condutores que saíram da empresa eram os mais experientes, com 10/15 anos de casa. “Saiu um total de 10 condutores, dos quais três na primeira leva e sete logo de seguida. Isso aconteceu no espaço de um ano. Perdemos ainda dois mecânicos. Esta situação colocou a empresa em stress. Começo a sentir algum receio porque estamos a esforçar-nos imenso para que a empresa continue a operar normalmente. E a tendência é haver mais abandonos porque muitos trabalhadores estão a solicitar declarações de trabalho e de salário, o que mostra que estão em processo de desligamento.”

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Viaturas da empresa Bento Forrador saindo da oficina da empresa

Para este empresário, o mais grave é que alguns saíram de forma sorrateira, ou seja, sem nada comunicar. “Tenho procurado profissionais capacitados no mercado, sem sucesso. Encontramos alguns condutores com carta de condução para atrelado, por exemplo, mas não passam nos testes. Na terça-feira experimentei três desses condutores, mas nenhum deles conseguiu. Para prestar este serviço, não basta ter uma carta de condução”, enfatiza o empresário. Este diz que não arrisca contratar um profissional sem preparação porque, mais tarde, pode ter problemas. Por outro lado, prossegue, preparar um condutor que lhe dá garantias leva tempo, que não tem neste momento.

Condutores da Costa d’África

Na busca de uma solução, Adriano Lima explica que chegou a equacionar trazer condutores profissionais da Costa d’Africa, mas teve de abandonar a ideia porque as suas cartas de condução não são admitidas em Cabo Verde. Estes teriam de tirar um novo título de condutor aqui, mas há a barreira da língua. “Exigiria novamente um tempo que não temos. Não estou a vislumbrar uma solução no imediato. Se esta debandada se mantiver, só nos resta fechar as portas porque não teremos pessoal para trabalhar”, desabafa. O problema é tão grave que, diz, os anúncios de contratação de condutor, mecânico, electricista, serralheiro, pintor, bate-chapa e de outras áreas ficam desertos. 

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Oficina da empresa Armindo Silva

Para este conhecido empresário mindelense, nunca se viveu uma situação similar na ilha de São Vicente, até porque, em outros tempos, quando um filho não queria estudar era enviado para uma oficina. Aliás, diz, na Bento Forrador ainda há trabalhadores que começaram ainda criança. Hoje, no entanto, a realidade é muito diferente, inclusive neste momento sequer a empresa pode receber aprendizes por causa da burocracia. Instado se salários mais atrativos não seriam um incentivo para fixar estes profissionais, Lima é categórico em afirmar que estes são à medida do mercado. 

Se aumentarmos os salários, teremos de reajustar os custos dos serviços e vai repercutir no consumidor porque transportamos, maioritariamente, comida e material de construção. Não temos margem para isso. Estamos, por isso, num empasse. Temos tentado falar com as autoridades, mas ainda não conseguimos chegar lá. Já abordamos alguns deputados, que ficaram de analisar a questão para depois reagirem. É uma situação inédita para todos”, pontua. 

Empresa Armindo Silva “conformada” com a situação

Com o abandono de três condutores e um quarto na eminência de sair, o empresário Armindo Silva está conformado, até porque, diz, não há nada que pode fazer para travar esta fuga. Alega que Cabo Verde sempre foi um país de emigração, a única diferença é que agora os profissionais estão a ser aliciados com contratos de trabalho. “Por ser ainda um número reduzido, a saída de condutores não afecta grandemente a nossa empresa. São pessoas que estão a ir aventurar na procura de uma vida melhor.” 

Reconhece, no entanto, que nunca houve uma debandada de uma classe profissional com esta dimensão. “É difícil, mas fico insatisfeito principalmente é com a falta de respeito. Se eu dispenso um trabalhador, sou obrigado a indemniza-lo. Mas, quando saem de livre e espontânea vontade fica por isso mesmo, ou seja, não há qualquer compensação para a empresa, que muitas investiu nestes colaboradores. Para se ter uma ideia, não fui avisado com antecedência da saída desses profissionais. Houve casos em que só tomei conhecimento uma semana antes. Mas isso depende essencialmente do caráter da pessoa”, acusa, assumindo que, de uma forma ou de outra, a empresa acusou a saída dos três condutores, sendo que um deles estava há 14 anos na casa, o segundo com 8 e o terceiro com 6 anos.  

Eram condutores de confiança e que nos davam garantia. Neste momento estamos a formar um novo grupo de condutores, mas estou consciente de que, tarde ou cedo, vão abandonar a empresa. Estamos a formar, mas depois ficamos sem estes colaboradores e sem nenhuma retribuição”, prognostica.

Assédio da concorrência

Apesar de ter perdido até agora um único condutor, Dénis Silva explica que está preocupado porque os colaboradores que a empresa tem vindo a recrutar chegam na empresa com o propósito de aperfeiçoar as suas capacidade para poderem sair. Um outro problema, diz, é que os seus condutores estão a ser assediados com propostas mais atrativas. “Para não perder os meus condutores tive de aumentar o salário. Infelizmente, este peso não vai se refletir nos custos porque não há muita margem no mercado para isso. Optamos por manter os preços dos serviços inalterados, pelo menos por enquanto.” 

Com apenas sete anos de existência, a Dénis Transportadora tem neste momento 22 condutores, pelo que qualquer saida deixa um buraco na empresa. “Perdi um condutor que estava comigo desde o início. Era um profissional honesto, que não tinha vícios e que nunca faltou um dia de trabalho. Conduzia camiões de 40 toneladas. Não é qualquer condutor que tem capacidade para fazer este trabalho, mesmo com carta profissional”, salienta o gestor. Este explica que a empresa exige um ano de estágio, tempo que entende ser necessário para os condutores ganharem confiança em conduzir um camião de 40 toneladas ou um atrelado pelas estradas de Santo Antão, por exemplo.

Entende este jovem empresário que, por causa dos perigos e das exigências do sector dos transportes de carga pesada, as empresas estão mesmo “à rasca” com condutores. “Tenho medo de perder os poucos profissionais que tenho. Neste momento, sempre que algum deles pede para falar comigo, penso de imediato que vai me informar que pretende emigrar ou então que recebeu uma proposta melhor de uma concorrente. Tenho optado por aumentar os salários, mas não vou poder continuar a fazer isso por muito mais tempo. Estamos perante um problema muito sério.”

Aliás, diz, para actualizar os salários dos seus colaboradores viu-se obrigado a recorrer a um empréstimo bancário. E agora está a trabalhar para pagar esta despesa, que não estava nos seus planos. “Neste momento estamos a trabalhar para pagar o empréstimo. Não temos ganhos, mas é uma tentativa desesperada de manter os nosso profissionais mais capacitados na empresa”, confessa. 

Nesta altura, diz Dénis, não se vislumbra uma solução. Pelo contrário, a situação tende a agravar-se ainda mais porque, como as coisas estão difíceis em Cabo Verde, as pessoas preferem emigrar. “Quando ouço que alguma empresa portuguesa pretende vir buscar mais condutores em São Vicente fico preocupado porque estes profissionais estão escassos. E levam sempre os melhores. Por outro lado, quando um condutor sai de uma empresa, continua em contacto com os seus colegas e, quando surge uma oportunidade, a tendência é indicar outro profissional experiente ou amigo que ficou para trás. 

Em suma, o caminho está cheio de obstáculos para as empresas que prestam serviços de transporte de carga pesada em São Vicente, o que demanda uma resposta urgente de quem de direito. 

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Constanca Pina

Formada em jornalismo pela Universidade Federal Fluminense (UFF-RJ). Trabalhou como jornalista no semanário A Semana de 1997 a 2016. Sócia-fundadora do Mindel Insite, desempenha as funções de Chefe de Redação e jornalista/repórter. Paralelamente, leccionou na Universidade Lusófona de Cabo Verde de 2013 a 2020, disciplinas de Jornalismo Económico, Jornalismo Investigativo e Redação Jornalística. Atualmente lecciona a disciplina de Jornalismo Comparado na Universidade de Cabo Verde (Uni-CV).

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