A Legumelândia, empresa sediada em São Vicente e que se dedica ao comércio de frutos e legumes importados, procurou o Mindelinsite para relatar um caso em que, diz o gerente, mesmo após cumprir os procedimentos previstos no Código e no Regulamento Aduaneiro, foi obrigada a pagar uma coima no valor de 40.693 escudos aplicada pela Alfândega do Mindelo, após uma auditoria interna realizada pela Direcção Nacional de Receitas do Estado (DNRE). A empresa está a pedir a anulação ou então a diminuição do valor da coima com base no artigo 653.º do Código Aduaneiro que, segundo António Ferreira, especifica que a sobretaxa de 5% deve incidir sobre o valor da receita fiscal – no caso era de 288 mil escudos – e não no valor global da factura, ou seja 800 contos.
Este entrevistado conta que no dia 26 de fevereiro passado chegou ao Porto Grande de S. Vicente um navio com o contentor de mercadoria, importado pela empresa Legumelândia. Por ser um contentor de frio, este tem prioridade. Mas, neste dia, não foi possível submeter o pedido de levantamento no sistema devido a falhas de internet. Trata-se, diz, de um processo exaustivo e que envolve várias instituições e serviços, nomeadamente o Ministério da Agricultura, Despachante e Alfândega, sendo a última etapa uma inspeção que antecede a emissão do auto.
Explica Ferreira que o auto foi enviado a 01 de março, não obstante a inspecção ter sido feita no dia 28 de fevereiro. “Não fomos informados sobre alterações na ordem de serviço que encurtasse a data de pagamento, pelo que, do nosso ponto de vista, o prazo de dez dias para liquidar a factura deve contar a partir da certificação da inspeção, dado que a mercadoria não pode ser vendida antes disso. Com este entendimento, efetuamos o pagamento no dia 11, após confirmação de que o DUC ainda estava ativo”.
Para o seu espanto, dias depois recebeu uma notificação de uma coima, no valor de 40.963 escudos, com a alegação de que houve um atraso de um dia no pagamento. O mais grave, afirma, é que o cálculo da coima não está em conformidade com o Código Aduaneiro, pelo que iniciou diligências para ser esclarecido sobre esta penalização. “Fizemos uma explanação ao diretor da Alfândega de S. Vicente e apresentamos os comprovativos de pagamento. Este nos aconselhou a fazer uma exposição à Direção Nacional de Receitas do Estado, com a indicação de que casos similares foram resolvidos. Aproveitei ainda que estavam em S. Vicente para apresentar o Orçamento de Estado para 2025 e levantei esta questão. Foi-me dito que as coimas baseiam-se na Fatura Aduaneira, que junta os valores pagos aos fornecedores e o frete do transporte, e não sobre a taxa da receita fiscal.”

Ferreira rejeita esta resposta e defende que, conforme o Código Aduaneiro, a cobrança deveria incidir no valor sobre a receita fiscal, que no caso era de 288.073 escudos, resultando numa sobretaxa de 14.404 escudos. “Como a DNRE não respondeu à minha explanação, aproveitei a visita do Primeiro-ministro a S. Vicente para expor esta questão e este encaminhou-me para o Ministro das Finanças. No mesmo dia telefonei ao sr. Olavo Correia, que solicitou o envio de todos os documentos e indicou o coordenador da Comissão Nacional do Fomento Empresarial, Adilson Pinto, para intermediar o processo junto da DNRE. Foi-nos então enviado uma auditoria interna, feita apenas com base nas informações que tinham, ou seja, sem clareza e nem transparência.”
Importação suspensa
Sem uma decisão baseada nos factos, não obstante a insistência – fez uma segunda explanação ao então vice-Primeiro-ministro – a Legumelândia optou por suspender as importações. Regra quebrada somente agora em junho para evitar que a empresa continuasse a “definhar”. “Fomos obrigados a pagar a coima para poder fazer o levantamento do contentor de mercadoria, mas vamos continuar o processo. Estamos a pedir uma reavaliação do processo porque a empresa enfrenta dificuldades financeiras e, mesmo assim, está a cumprir os seus deveres fiscais dentro das suas possibilidades”, defende António Ferreira, que se mostra particularmente insatisfeito com a postura da DNRE que, afirma, só respondeu à empresa após o envolvimento do Ministro das Finanças.
“Penso que os operadores, independentemente da sua dimensão, merecem uma satisfação dos serviços. Não podemos ficar calados em situações do género. Entendemos que a coima foi exagerada e exemplificamos a nossa posição citando o artigo 653 do Código Aduaneiro referido pela própria DNRE. Este diz que a sobretaxa de 5% inibe sobre o valor da receita e não sobre a fatura. Acredito que estão a fazer uma leitura equivocada deste artigo,” desabafa o gerente desta empresa. António Ferreira sublinha, por outro lado, que a resposta da DNRE veio com conhecimento do MF, que optou por não reagir. “Isso me leva a questionar onde vamos parar. Falam em taxas baixas, mas na prática não procede. Significa que não vale a pena reclamar, apenas pagar.”
Receio de represálias
Devido ao pedido de intervenção do PM e do MF, este operador teme vir a sofrer represálias nos próximos procedimentos. Aliás, pontua, agora em junho, quando foi fazer o levantamento do contentor, sentiu alguma “mudança no ambiente”. “Pela primeira vez na história da empresa deparamos com um obstáculo, isto é a contramarca do manifesto não apareceu no sistema. Por causa disso, houve algum atraso na retirada do contentor. Pode ser coincidência, mas fica a dúvida porque nunca tinha acontecido antes.”
Apesar disso, António Ferreira mostra-se confiante na reavaliação do seu pedido de anulação ou redução do valor da coima para os 5%, sobretudo porque, afirma, todo este processo vem sendo acompanhado pela Câmara do Comércio de Barlavento. “As trocas de emails foram sempre com conhecimento da CCB. Também nos reunimos com o Secretário Geral para expor as nossas preocupações. Estão a mediar e a tentar encontrar uma solução, inclusive porque também têm dúvidas se a coima deveria incidir sobre o valor global ou sobre a receita fiscal. Esperamos que toda a documentação, com datas e comunicações internas no âmbito da auditoria interna, sejam reanalisadas.”
Serviço de Auditoria
O Mindelinsite consultou um documento emitido pelo Serviço de Auditoria Interna do Ministério das Finanças. Este diz que a empresa Legumelândia solicitou o pedido de levantamento da mercadoria no dia 26 de fevereiro e, no mesmo dia, recebeu a autorização com o prazo para a regularização até 6 de março. Realça que o registo e a Liquidação da Autorização Aduaneira (DAU) ocorreram no dia 28, com todos os documentos em conformidade. “A empresa entende que, após cinco dias do levantamento da mercadoria, teria um prazo adicional de 10 dias para efetuar o pagamento. Argumenta que, uma vez que a DAU foi registada no dia 28, fez com que a Alfândega emitisse a coima,” lê-se no despacho.

Este cita uma nota de serviço de 1994 que altera a regularização para cinco dias e que está “devidamente programada no sistema Sydonia World”, logo após a validação da autorização do levantamento pelo Chefe da Estância Aduaneira. Após a liquidação da DAU, prossegue, o sistema lança agora o DUC para pagamento. “O facto de o declarante ter entregue a DAU no dia 28 e esta ser liquidada não tem implicações relativamente ao prazo do pagamento,” reforça.
Informa ainda que, para este processo, não vigora o prazo de 10 dias uma vez que as mercadorias já se encontravam levantadas, restando apenas a regularização, pelo que, a partir do dia 6 de março, o processo passou a ser considerado intempestivo por falta de pagamento, portanto sujeito a coima. Diz ainda que a empresa também não cumpriu o prazo do pagamento na Tesouraria. “Findo o prazo de 10 dias da liquidação, o sistema gera um novo DUC referente a sobretaxa dos 5%, conforme estipulado no n.1 do artigo 353 do CA“, reforça o documento.
Por tudo isso conclui que não houve aplicação da coima, mas sim imposição automática da sobretaxa de 5% devido ao não pagamento dentro do prazo estipulado. Revela, deste modo, que no processo não se vislumbra fundamentos legais para isentar a empresa do pagamento da coima.