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Nhonhas d’Derby: “Falta alegria e atitude no futebol de São Vicente”

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Está a faltar alegria e atitude aos jogadores de futebol em São Vicente. A afirmação é do antigo jogador Jorge Manuel Silva Spencer, mais conhecido por Nhonhas d’Derby, um atleta que fez parte da “geração de ouro” do futebol das décadas ’80 e ’90 no panorama desportivo mindelense e cabo-verdiano. Basta dizer que, do seu curriculum, constam todos os títulos regionais e nacionais: Taça, Campeonatos Nacionais, Inter-ilhas e Regionais.

– Por Constânça de Pina –

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Jogador dotado de muita habilidade para actuar em qualquer posição no campo, excepto na defesa, Nhonhas destacou-se por sua habilidade, velocidade em campo, teimosia na disputa dos lances e por uma capacidade extraordinária para cobrar livres directos, esta última uma técnica apurada nos treinos. “Eu era sempre o primeiro a chegar aos treinos de preparação, sobretudo para treinar a marcação de livres directos, que era um dos meus pontos fortes”, confessa este antigo atleta ao Mindelinsite.

Para atingir a qualidade com que ficou conhecido, Nhonhas conta que começou a jogar ainda criança, com nove anos, e sempre teve cuidado em ouvir os conselhos dos mais experientes para poder ser um atleta puro. “Comecei a jogar desde que me entendo por gente na minha zona, Monte Sossego, com bolas de meias. Jogávamos balizinha, golo-a-golo e cabeçadas. Depois integrei uma equipa de nome Relâmpago; mais tarde passei pelo Ajax, também de Monte Sossego. Gostávamos de assistir os jogos no Camp Nov e depois ir reproduzir os lances dos jogadores que admirávamos. No meu caso, eu incorporava o Ibraltino, que era enorme. Havia também tantos outros craques, conta, que foi “descoberto” pelo amigo Nhela Fialho, que o levou para o clube Derbi.

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Por ser muito jovem – 15 anos – não lhe foi permitido assinar para os azuis e branco. Mas, a sorte estava do seu lado e, pouco depois, foi disputar um torneio no actual Adérito Sena com o Ajax. A equipa do Nhonhas esmagou o seu adversário, o Burratcha, por um expressivo 5×0. “Foi um jogo normal, mas teve uma grande assistência. A nossa equipa esteve muito bem e, no final da partida, fui abordado por várias pessoas que queriam levar-me para o Mindelense. O Luís Morais, que na altura pertencia à Académica do Mindelo, também mostrou interesse em levar-me para a Micá. Senti-me motivado e então procurei o meu amigo Nhela e disse-lhe que ia jogar no Mindelense, que era na altura uma equipa que gostava muito”.

Club Sportivo Mindelense, Nhonhas primeiro agachado à esquerda

Inconformado com a possibilidade de Nhonhass ir para o Mindelense, segundo o entrevistado, Nhela Fialho mexeu alguns pauzinhos e lá conseguiu fazer com que este assinasse para o Derbi. Na altura, jogava como médio direito. Mas, por ser um atleta muito activo em campo e rápido, conseguiu adaptar-se em várias posições, excepto na defesa, consoante a necessidade e a opção dos treinadores. “Encontrei jogadores, que são também grandes homens. Aquilo que sou dou graças também a estas pessoas. Aprendi muito. Tive o exemplo de Dick d’Bela Vista, com quem falava muito, mas também o Maneis, Manuel Cavaquim, Bitino d’Ribeira Bote, Manê Djodje, Djobla, Almara, etc. Também passei por treinadores que me moldaram como jogador, caso do Lelela, Mataburro, Eduino… Tenho muito que agradecer ao futebol.”

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Temporada no Senegal

Depois de algum tempo no Derbi, Nhonhas conta que foi para o Senegal, onde jogou duas temporadas no campeonato da comunidade libanesa. Foi uma viagem sobretudo para “fugir da tropa”, mas que lhe garantiu uma experiência diferente num outro campeonato. Voltou para Cabo Verde e ingressou novamente o plantel do Derbi. Anos mais tarde jogou também na Académica e no Mindelense. Por todas as equipas que passou sempre ganhou títulos regionais e nacionais. Na altura, por volta de 1984, também integrava o Desportivo de Monte Sossego, uma das grandes equipas da periferia da cidade do Mindelo, onde também conseguiu muitas conquistas.

“Sou de Monte Sossego, zona que sempre teve boas equipas e produziu grandes jogadores. Por exemplo, neste momento temos a escola futebol do Cantareira, actual campeão nacional sub-17. Jogávamos com paixão e tínhamos atitude. Não ganhávamos nada, salvo quando o clube tentava arranjar colocação para algum atleta. Era uma forma de compensação. Quando nos davam um prémio de jogo corríamos para comprar supirinha, fataia… Estávamos sempre junto. Antes de sermos adversários, éramos amigos. A nossa convivência ia para além do campo de jogo.”

Selecção São Vicente, primeiro agachado à esquerda

A sua técnica apurada levou-o às selecções de São Vicente e de Cabo Verde, esta com o treinador Eduíno. Ficou no banco dos suplentes, mas não guarda magoa porque, diz, foi gratificante estar entre os melhores. “Na altura, todos os jogadores queriam fazer o melhor. Com a selecção de São Vicente ganhamos o primeiro torneio Inter-ilhas. Também estive por diversas vezes no Misto de São Vicente. Vencemos vários campeonatos e trofeus, inclusive fora de Cabo Verde. Éramos convidados para participar em várias competições. Tudo isso permitiu-me ter um bom passado no futebol.”

Talento de sobra

Para Nhonhas, havia e há muito talento no futebol nacional. No entanto, a “geração de ouro” se distingue sobretudo pelo empenho e dedicação dos jogadores. “Éramos dedicados. Havia muito cuidado na preparação dos jogos. Por exemplo, no meu caso, a partir de quarta-feira começava a me concentrar para os jogos de fins-de-semana. Treinava com seriedade. Era sempre um dos primeiros a chegar. Aproveitava estes momentos para treinar a marcação de livres directo e para aprimorar a minha técnica. Nunca faltava, excepto quando fazia muito vento. Não gostava de treinar com vento. Também tinha cuidado com a alimentação, não usava bebidas alcoólicas e nem fumava.”.

A cobrança dos treinadores também era elevada – caso do Tchida d’ Mindelense que não aceitava a derrota -, mas havia sobretudo uma vontade expressa de defender o clube e a ilha, o que não se vê hoje em campo. Nhonhas cita como exemplo os últimos jogos que assistiu no Adérito Sena onde, a seu ver, não se vê alegria e nem atitude. “Os jogadores precisam ter atitude e jogar com alegria. Eu era conhecido por ser um jogador veloz, que nunca desistia . Não havia bolas perdidas para mim. Não marcava muitos golos, mas gostava de preparar as jogadas e oferecer os golos aos colegas. Fazia isso com satisfação. Sem alegria, não vale a pena.”

Hoje, é com orgulho que este antigo jogador fala do seu percurso futebolístico e das amizades em São Vicente e nas restantes ilhas. Sente-se feliz por saber que ainda as pessoas se lembram dos seus feitos e principalmente pela forma como é visto pelos filhos. “Fico muito satisfeito quando os meus filhos dizem: sou filho do Nhonhas d’Derbi. Parei de jogar há 30 anos, após 15 anos a jogar de forma intensiva. O meu último jogo foi no campeonato nacional contra o Desportivo da Praia. Senti que já tinha dado o meu contributo. Mas nunca pendurei as chuteiras. Joguei para os veteranos, sou treinador da Escolinha de Futebol do Cantareira e, sempre que sou convidado para um jogo-convívio, estou pronto”, garante.

Cuidadoso, ao longo da sua carreira, nunca sofreu grandes lesões porquanto, diz, não era um jogador que gostava de assumir riscos. Só disputava os lances que tinha certeza que podia ganhar. Quando isso acontecia, entrava na raça. E é esta mensagem que quer passar aos seus pupilos. “Quero incutir atitude aos jovens, mas também influenciar o seu comportamento na sociedade. Por isso fazemos palestras semanais para falar sobre drogas, bebidas alcoólicas e outros males, para não se deixarem influenciar. Vejo muitos jovens a sair dos treinos e entrar nos bares para beber ou então a fumar cannabis. Isso me entristece, sobretudo porque hoje têm melhores condições. Temos de ser atletas puros”, conclui.

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Constanca Pina

Formada em jornalismo pela Universidade Federal Fluminense (UFF-RJ). Trabalhou como jornalista no semanário A Semana de 1997 a 2016. Sócia-fundadora do Mindel Insite, desempenha as funções de Chefe de Redação e jornalista/repórter. Paralelamente, leccionou na Universidade Lusófona de Cabo Verde de 2013 a 2020, disciplinas de Jornalismo Económico, Jornalismo Investigativo e Redação Jornalística. Atualmente lecciona a disciplina de Jornalismo Comparado na Universidade de Cabo Verde (Uni-CV).

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