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Dirigentes e atletas condenam patrocínios de empresas públicas a equipas por serem “eticamente reprováveis”

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Dirigentes e atletas de diferentes modalidades desportivas, mas principalmente do futebol, consideram ser eticamente reprovável o financiamento às equipas ou clubes por parte das empresas públicas. Afirmam que estas dependem da contribuição do imposto pago pelos cabo-verdianos e que, ao privilegiarem alguns em detrimentos de outros, estão a provocar desequilíbrios nas competições e a prejudicar o desporto no geral. Apontam o dedo a algumas empresas, em particular à Electra. O Mindelinsite tentou ouvir a principal visada, que prometeu reagir logo que for possível. 

Um dos mais críticos é o vice-presidente da Académica do Mindelo, equipa com 21 pontos e actual lider do campeonato regional de São Vicente. Para Hermano Santos, é reprovável o financiamento de clubes de futebol ou outras modalidades por empresas públicas. Este cita particularmente o caso da Electra, empresa que, afirma, não tem concorrência no mercado. “Vemos isso claramente como um factor de desequilíbrio. A Electra é uma empresa pública e deficitária. Ao invés de estar a patrocinar uma equipa, devia, por exemplo, financiar a iluminação dos estádios de futebol ou então alguma competição, caso do Campeonato Nacional de Futebol ou então as provas regionais, mas nunca uma equipa. Estamos a falar de uma empresa pública, que recebe recursos de todos os contribuintes. Ao patrocinar uma competição todas as equipas seriam beneficiadas em igual montante”, argumenta Hernani Santos. 

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Este dirigente do clube dos “Estudantes” de São Vicente deixa claro que, se fosse uma empresa privada, não haveria qualquer problema porque caberia a esta escolher a equipa ou clube do seu interesse para fazer a sua publicidade. Refere, por outro lado, que a busca de apoios ou parceria junto dos privados depende da dinâmica de cada um. Mas, no caso de uma empresa pública, é de todo inaceitável, sobretudo tratando-se de uma entidade com contas desequilibradas que, de quanto em vez, vai buscar o dinheiro dos contribuintes, nomeadamente junto do INPS, para tentar garantir a sua tesouraria. 

Dividir o bolo 

Igual entendimento tem o presidente do Castilho, para quem o patrocínio das empresas públicas à equipas distorce o desporto. Emanuel Rodrigues afirma que, no caso do seu clube, chegou a abordar esta questão com elementos da sua equipa, mas também com o presidente do Instituto do Desporto e da Juventude e com o Ministro do Desporto, a quando de uma visita à sede do Grêmio Esportivo Castilho, em novembro do ano passado. “O ministro do Desporto, Carlos Monteiro, garantiu-nos que iam tomar providência em relação a isso e afirmou que as empresas públicas que querem patrocinar o desporto devem direccionar os seus recursos para o IDJ que, por sua vez, faria a distribuição para Cabo Verde ou então para as ilhas onde a empresa ou instituição estiver localizada”, enfatiza. 

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Ima, como é conhecido, diz que o Castilho é obrigado a formar uma nova equipa no início de cada época porque não dispõe de meios para segurar os jogadores, que vão para os clubes que lhes conseguem dar algo mais. “Se um clube recebe 1.600 contos de patrocínio, e nós não recebermos nada, é claro que este tem meios para ir buscar os melhores jogadores e constituir uma equipa forte. Por isso, entendo que os recursos devem ser distribuídos de forma igualitária para todos, sobretudo tratando-se de uma empresa pública. Por outro lado, até porque não consigo ver qual é a contrapartida que a empresa recebe dos clubes patrocinados em relação aos demais, tendo em conta que somos todos clientes.” 

O presidente do Castilho vai ainda mais longe e condena igualmente certas empresas privadas que, a seu ver, também privilegiam algumas equipas em detrimento de outras. Ima defende que, se dividissem o “bolo”, poderiam ter um campeonato mais competitivo em São Vicente porque as equipas estariam em níveis similares. “Sei que, em relação às empresas privadas, cada um dá o que quiser e a quem quiser. Por isso tenho estado a fazer um trabalho de sensibilização junto destas empresas, mostrando-lhes a importância de repartir o bolo. Sei que existe concorrência, mas o nosso futebol precisa de um maior equilíbrio. As respostas que tenho recebido são de que estas empresas priorizam o social e a saúde e direccionam os seus patrocínios para as organizações que se dedicam a estas duas áreas. Mas tenho argumentado que trabalhamos com um grupo de 30 jovens, muitos deles carenciados e temos de lhes garantir pelo menos uma refeição quente”, refere.

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Sobre este particular, Ima afirma que o Castilho tem neste momento uma despesa semanal de 20 a 25 contos com atribuição de refeições quentes aos atletas, que é o mínimo que a equipa pode fazer tendo em conta que não consegue remunerar os jogadores. “Já abordamos a Associação Regional de Futebol e a Câmara Municipal de São Vicente por diversas vezes sobre este assunto. Recentemente fizemos uma exposição sobre isso no Fórum de Financiamento do Desporto. Infelizmente não pude ficar até o fim por causa de um compromisso inadiável. Mas o que posso dizer é que temos uma associação que não apoia os seus associados com financiamentos e uma Câmara que também não ajuda os clubes. Se tivéssemos mais apoios teríamos uma competição mais saudável e equilibrada”, constata.  

Concorrência desleal 

Também o presidente do clube Falcões do Norte defende que o financiamento diferenciado por parte das empresas públicas propicia uma concorrência desleal. João Dias lembra que, em São Vicente, foi criado recentemente uma plataforma de clubes que elencou como um dos seus objectivos o financiamento do futebol na ilha. Porém, este ainda encontra-se em fase de implementação e de estruturação. “A questão do financiamento do futebol por parte das empresas públicas é um dos temas que temos elencados. Entendo que há algum mérito de um clube em conseguir um patrocínio de uma empresa ou instituição pública, mas entendo que o correcto seria criar um fundo com estes recursos, que seriam distribuídos com base em critérios definidos a priori para todos os clubes. Seria o mesmo figurino adoptado pelo IDJ, que lançou um concurso em que todos os clubes e todas as modalidades podem concorrer para ter direito ao subsidio, desde que preencham os requisitos pré-estabelecidos.” 

À semelhança dos demais clubes, João Dias assume que o Falcões tem muitas despesas, que tem sido assumidas exclusivamente pelos sócios. “Atribuímos aos nossos jogadores quatro refeições quentes por semana, três nos dias dos treinos e um no dia do jogo. As nossas despesas mensais rondam os 150 contos e conseguir este dinheiro não é fácil. A nossa principal fonte de receita são os nossos sócios, que são os maiores financiadores do clube Falcões do Norte”, assegura. 

Perspectiva errada

Entendimento diferente tem o presidente do CS Mindelense, clube patrocinado pela Electra, para quem os dirigentes e atletas estão a ver a questão do financiamento de uma perspectiva errada. Segundo Daniel Jesus, o Clube Sportivo Mindelense esteve anos à procura de financiamento e só conseguiu na época 2018/2019 depois de conquistar o campeonato nacional. “Os clubes e dirigentes deveriam estar, sim, a lutar para ter mais empresas disponíveis para financiar o desporto. Isto porque, dentro dos orçamentos, as empresas dispõem de uma verba para patrocinar o desporto. Ao invés de estarem a ver esta questão numa perspectiva egoísta de criticar quem adopta esta prática, deviam estar a correr atrás de quem poderia dar mais, seguindo o exemplo do Mindelense que esteve anos à procura de um financiador.”

Este dirigente dos “Encarnados” argumenta que existe uma ideia do IDJ no sentido de, no futuro, as empresas públicas, dentro do seu orçamento para a promoção de actividades sociais, patrocinarem as modalidades desportivas. Mas, diz, até isto acontecer, e sendo uma prática em vigor em outros países, caso de Angola e Brasil, considera normal a sua equipa ser financiada pela Electra. “Porque não copiar em Angola e Brasil, onde as empresas públicas patrocinam equipas, clubes, modalidades, etc. Se formos ver em Portugal, onde as empresas públicas não podem patrocinar equipas, temos de contestar a lei do álcool onde bebidas patrocinam a própria Seleção Nacional de Futebol”, declara Jesus, para quem Cabo Verde dispõe de parcos recursos e, por isso, poucas possibilidades de aceder a patrocínios.

Por isso mesmo, prossegue, todos os clubes devem trabalhar no sentido de ir à procura de mais empresas públicas e instituições, mas também de empresas privadas. Lamenta, no entanto, que ainda não haja uma política de patrocínio de empresas públicas, que deveria existir, até porque, diz, se não patrocinam um clube, vão canalizar os recursos para outras actividades, por exemplo o Carnaval. 

Vólei e Basquetebol 

As criticas não vêm apenas do futebol. Carlos “Ralão” Silva, conhecido atleta e treinador de voleibol, também condena os apoios concedidos pela Electra a um clube em particular. “A meu ver, as empresas públicas deveriam financiar as federações desportivas, consoante o volume das competições e o número de atletas que movimenta. É claro que, pela sua dimensão, o futebol receberia mais e não sou contra, mas as outras modalidades também receberiam alguma ajuda para custear uma prova, pagar a arbitragem ou a organização em si. Seria mais justo”, revela. 

A questão, de acordo com este desportista, é que, quando as outras modalidades procuram estas empresas públicas, recebem um não de cara, ajunta Ralão, que vai ainda mais longe ao afirmar que a falha maior é a ausência da Câmara Municipal de São Vicente, que neste momento tem uma vereação do desporto apenas de nome, porque não funciona. “Tenho conhecimento de vários projectos de impacto que já foram apresentados à CMSV, nomeadamente do Clube Desportivo de Fonte Francês, para a remodelação do polivalente local e que foram liminarmente rejeitados por falta de verba. Quando o certo seria receber estes projectos e abordar as empresas para saber quanto cada um poderia contribuir, tendo em conta o seu impacto positivo na comunidade e na ilha como um todo. Mas isso não acontece porque nunca tivemos um político em Cabo Verde que gosta verdadeiramente do desporto.”

Para este jovem, São Vicente é uma ilha abandonada em termos do desporto, citando como exemplo o polivalente da Zona Norte, em Chã de Alecrim, que está a ser construído há cerca de uma década. Igualmente o campo relvado da mesma zona cuja parede caiu depois das chuvas. “Temos vários campos relvados espalhados pela ilha e nenhum tem iluminação. Veja que a Escola Jorge Barbosa tem dois campos a funcionar das 7h30 às 22 horas todos os dias porque são iluminados. Movimentam centenas de atletas, de todas as modalidades. O mesmo poderia estar a acontecer nos campos relvados, com impacto na saúde física e mental das pessoas, mas também a nível social porque teremos menos jovens desocupados nas ruas a consumir drogas, a praticar roubos, de entre outros.”

Mais cauteloso, Rodrigo Mascarenhas afirma que a questão do financiamento não se coloca a nível do basquetebol em São Vicente porque praticamente nenhuma equipa beneficia de um patrocínio. “Estou na equipa do Cruzeiros agora e somos nós os financiadores. Mas estou a par da polémica do financiamento das empresas públicas. Entendo que, ao invés de patrocinarem uma equipa, deveriam financiar uma competição. Em Portugal temos o caso da EDP – empresa similar à Electra em Cabo Verde – que nunca patrocinaria o Benfica, Sporting ou Porto. Seria uma revolução. Mas patrocina a meia-maratona de Lisboa e algumas competições. É mais justo”, assegura.

Este atleta, que já vestiu a camisola da selecção de São Vicente e de Cabo Verde, mas também de clubes estrangeiros, alega que está neste momento afastado das lides diárias do desporto. Está no Cruzeiros por ser o clube onde iniciou no basquetebol e que está neste momento a renascer, por isso mesmo está a leste desta questão. Mesmo assim, afirma, de uma breve análise do basquetebol da ilha percebe-se que apenas alguns poucos privados estão a apoiar algumas equipas. Destes poucos destaca o caso da Frescomar que, não obstante ser uma empresa privada, adotou uma política de patrocinar as competições e nunca uma equipa ou clube em particular. 

Das conversas que tenho tido com algumas pessoas, algumas afirmam que o financiamento de cada equipa deve depender do expediente de cada um. Mas, a meu ver, não é bem assim, sobretudo quando se trata de uma empresa que depende da contribuição de todos. Neste sentido, a opção da Electra de financiar algumas equipas em Cabo Verde provoca, sim, alguma controvérsia e não fica bem.”

Confrontado, o Instituto do Desporto e da Juventude, através do delegado na ilha de São Vicente, informou que está a estudar a melhor forma de analisar esta questão. Adelino Duarte admite que estão a par das preocupações dos clubes, que condenam esta prática, mas a instituição ainda não tem uma posição oficial sobre o problema dos patrocínios por parte das empresas e instituições públicas do país. Já a Electra,  a principal empresa visada, por ser a patrocinadora do Mindelense em São Vicente e dos Travadores na Praia, após nossa insistência, prometeu reagir em breve. 

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Constanca Pina

Formada em jornalismo pela Universidade Federal Fluminense (UFF-RJ). Trabalhou como jornalista no semanário A Semana de 1997 a 2016. Sócia-fundadora do Mindel Insite, desempenha as funções de Chefe de Redação e jornalista/repórter. Paralelamente, leccionou na Universidade Lusófona de Cabo Verde de 2013 a 2020, disciplinas de Jornalismo Económico, Jornalismo Investigativo e Redação Jornalística. Atualmente lecciona a disciplina de Jornalismo Comparado na Universidade de Cabo Verde (Uni-CV).

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