Grupo Teatro do Centro Cultural Português faz poesia com o universo feminino na nova peça “Sonha Dor”
O Grupo de Teatro do Centro Cultural Português apresenta em estreia, nos dias 22 e 23 de Agosto no Mindelo, a sua 58ª produção intitulada “Sonha Dor”, e depois em Macau, no International Youth Drama Festival, no dia 04 de Setembro. Trata-se de um texto escrito a várias mãos e que tenta fugir do “dejá vú”, do preconceito e das ideias e imagens relacionadas ao universo feminino, misturando teatro, expressão corporal e canto. As interpretes – Deka Saimor, Eliana Rosa, Mila Tavares, Janaína Alves e Lisa Reis, são as co-criadoras, junto com o produtor Jeff Hessney, que escreve, compõe e toca.
As especificidades desta peça começam logo no nome, que pode ser escrito junto ou separado, ou seja, “Sonhador” ou “Sonha Dor”. As interpretes também são únicas: Mila Tavares é bailarina e coreógrafa, Eliana Rosa é cantora, Lisa Reis é actriz e cantora, e está a tirar neste momento uma licenciatura na Escola Superior de Música, Artes e Espectáculos do Porto. Já Deka Saimor e Janaína Alves são duas atrizes com provas dadas. “Temos um elenco fortíssimo que está nesta peça como interpretes e co-criadoras. Partimos de um guião de narrativa dramatúrgica pré-definido escrito por Jeff Hesney, que faz uma colaboração artísticas inédita no que diz respeito ao GTCCP. Há muito que sentia vontade de trabalhar com o Jeff, que é conhecido sobretudo por seu trabalho na área da dança. Ele é um produtor, mas é também um criativo interessante. Compõe, toca e escreve e, quando o desafiei para esta produção, aceitou de imediato”, explica o encenador João Branco.
Já sobre espectáculo em si, este está dividido em quadros, cada um com uma narrativa particular, sendo o que o tema central é a mulher, ou melhor, o universo feminino. O que se pretende com este trabalho, de acordo com Branco, é que cada espectador construa a sua história, ou não construa nenhuma. Isto porque, “Sonha Dor” é feito também de sensações visuais, auditivas e olfativas. Neste sentido, serão entregues ao público, na entrada de do espectáculo, uma planta com cheiro para jogar com os sentidos das pessoas. “Neste momento estamos em ebulição, em processo de criação e ensaios”, diz João Branco, que aproveita para destacar o facto de a autora das fotografias do espetáculo ser também mulher: Keila Fernandes.
Deixa claro, no entanto, que não há nenhum motivo particular para “Sonha Dor” ser uma peça apenas de mulheres, até porque resulta de mais um desafio lançado ao grupo. Por isso, a palavra não é essencial. “Este não é um espectáculo de texto, é muito mais visual para permitir que seja feito para públicos diversificados. Portanto, não há uma razão particular para ser só de mulheres. O que queremos é quebrar um pouco daquilo que são as ideias feitas sobre as mulheres em Cabo Verde. Vamos sair do figurino de mulheres trabalhadeiras. Vamos brincar com isso. No fundo, será como se elas estivessem a dizer ´somos muito mais do que belas, recatadas e do lar`. As personagens são mulheres que sonham, sofrem e sentem o isolamento, muitas vezes derivado das montanhas.”
Para chegar a este nível de composição, as personagens inspiraram nas mulheres de Santo Antão. Não é por acaso que duas das atrizes, Mila e Eliana, são naturais desta ilha. Mas o isolamento é também espiritual, sentimental, familiar e emocional e de distâncias. “A mulher é muitas vezes aquela que emigra para procurar uma vida melhor. Deixa os filhos em Cabo Verde, ou então é aquela que fica a tomar conta deles quando o marido emigra. São mães e avós que ficam para criar os filhos e os netos. Falamos desta questão da distância e da proliferação de Cabo Verde um pouco pelo mundo. Também brincamos com a questão dos apelidos. Todas as personagens têm o nome de Sónia, mas cada uma com a sua história. Podia se chamar SoniaDor. Brincamos um pouco até com o som desta palavra.”
Espectáculo poético e visual
Por outras palavras, Sonhador é um espectáculo poético e visual que trabalha a questão do isolamento, da distância, mas também da força física da mulher que, em Cabo Verde foge do rótulo de sexo frágil. Basta ver a facilidade com que carrega latas d´água, tinas de verduras e troncos de lenha na cabeça. E ainda consegue segurar mais alguma coisa nos braços. Outros aspectos abordados na peça são os medos, as inseguranças, frustrações e sonhos não realizados, sem nunca cair no ´coitadismo`. Ao contrário, mostra o orgulho de ser mulher. “Não queremos dar lições e nem impor nenhum tipo de moral. A prova disso é que, no penúltimo quadro, temos a mulher a tocar tambor, dançar, cantar, festejar e beber. Faz parte. O que queremos mostrar é, apesar das aparências, as pessoas são diferentes.”
A peça tem uma duração aproximada de 60 minutos e, a semelhança das 58ª produções anteriores, procura trazer algo de novo para os amantes do teatro. No caso, este espectáculo é mais abstrato e sobretudo visual.
Constânça de Pina