Artistas rejeitam misturar arte e peixes e ameaçam fechar portão do Quintal das Artes

Um grupo de 15 artistas e artesãos com ateliês no Quintal das Artes em São Vicente de diferentes especialidades, constituídos em associação, ameaçam trancar o portão para impedir o início das obras de adaptação para acolher as peixeiras no espaço, enquanto decorrem os trabalhos de construção do novo mercado de peixe. Os trabalhos deverão arrancar na próxima segunda-feira, mas estes rejeitam liminarmente misturar arte e peixe. Alegam, por outro lado, desconhecer o projeto do assentamento, contrariando o acordo inicial.
Em conferência de imprensa, o porta-voz do grupo explicou que, com base em uma ideia de projeto-conjunto apresentado pela Câmara de São Vicente, aceitaram receber um assentamento provisório das peixeiras no Quintal das Artes. “O projeto previa a utilização de parte do pátio do Quintal para montar o assentamento ou mercado de peixe. A CMSV se comprometeu a reparar o chão de betão, instalar energia elétrica, requalificar as casas de banho, entre outras intervenções. Ou seja, seria feita uma reparação de fundo, que transformaria o Quintal em um espaço multiuso”, explica Alcindo Vasconcelos.
Com isso, disse, o Quintal das Artes poderia acolher em simultâneo os artistas e as peixeiras. Mas, para seu espanto e por pressão da Associação de Peixeiras, foram confrontados com o anúncio arranque das obras, sem seu conhecimento e consentimento. Ou seja, os planos mudaram e os artistas foram ignorados na elaboração do projecto. “Chegaram aqui algumas pessoas, encabeçadas pela vereadora da CMSV Carla Monteiro, e nos informaram que o projecto está fechado e que os trabalhos vão arrancar na próxima segunda-feira. A questão que se coloca é que desconhecemos o projeto. Disseram-nos dizer apenas que vão construir um pedonal e montar arcas de frio na frente dos nossos ateliês.”
Retirar sobrados e alpendres
Paralelamente, exigiram a retirada dos sobrados ou alpendres erguidos dos ateliês, o que vai impedir os artistas de fazerem o seu trabalho. “O pessoal vai ficar um bocado oprimido no seu trabalho, numa altura em que alguns de nós está a equacionar a possibilidade de recorrer a créditos bancários para reforçar o seu ofício após grandes prejuízos decorrentes da tempestade de Erin, que arrasou o Quintal das Artes”, desabafa, lembrando que as enxurradas chegaram atingiram dois metros de altura no espaço.
A. Vasconcelos alegam que, neste momento, não podem de forma endividar para investir quando estão perante um obstáculo com impacto imprevisível, em que vão beneficiar as peixeiras em detrimento dos artistas. “Neste momento, já não existe mais espaço para diálogo. No entanto, para evitar mais estresse, poderia aproveitar o espaço na Vascona, que vem sendo utilizado pelas peixeiras para armazenar pescado. Penso que seria mais justo o mercado provisório de peixe ser assentado neste espaço e não nos misturar. Até porque, como se sabe, os artistas muitas vezes utilizam produtos químicos corrosivos.”
Horário limitado
A revolta é ainda maior porque, afirma este porta-voz, não poderão trabalhar nos horários de venda de pescado. “Algo está muito errado, somos um grupo de 15 artistas, que sustentam as suas famílias com o seu trabalho. Não podemos estar condicionados aos funcionamento do mercado, até porque estamos nas vésperas da URDI, que é a maior feira de artesanato e design do país, e temos de nos preparar”, frisa. “Que obras vão apresentar na URDI se estão a ser bloqueados no seu local de trabalho?”, questiona.
“Aqui cada um tem o seu espaço e está a fazer o seu trabalho. Todos nós estamos inscritos como micro-empresas e pagamos as nossas contribuições nas Finanças. Por isso não entendo porque estamos a ser prejudicados em detrimento de uma outra classe. Os artistas não funcionam conforme as conveniências. Têm os seus momentos de inspiração e criatividade, e precisam de tranquilidade para trabalhar.”
Segundo A. Vasconcelos, estão a impor regras aos artistas e artesãos, que não se enquadram com a sua atividade. “Antes estávamos de acordo. Mas agora, do nada, vieram aqui e encontraram alguns artistas e artesãos e iniciaram um conflito, que ameaça escalar. Não vamos aceitar obras sem o nosso conhecimento e consentimento. Quanto às intervenções que estavam previstas, até ainda nada fizeram aqui. Por isso, decidimos trancar o portão na segunda-feira. Ninguém vai entrar no Quintal das Artes.”
Falta de apoio pós-Erin
O desagrado é ainda maior porque, dizem, a chuva destruiu o Quintal e nunca receberam apoio das autoridades. Mas, com recursos próprios e ajudas de pessoas que viam a estado em que ficou, retiraram a lama, rebocaram e pintaram as paredes exteriores. Também construíram um portão de raiz porque o que existia foi derrubado. A ideia era aproveitar a época alta do turismo para rentabilizar o trabalho e garantir algum retorno dos meios investidos. Um sonho que começa a se transformar em pesadelo para estes artistas, com as obras de adaptação para receber o novo assentamento das peixeiras.
De referir que a maioria dos artistas e artesãos estão no Quintal das Artes há mais de duas décadas e não pretendem abrir mão dos seus ateliês agora, apenas para atender às reivindicações das peixeiras. Para isso, pretendem accionar o Ministério da Cultura, mas também a tutela do Mar e outras autoridades.








