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Vera Figueiredo: “Nunca na minha vida tinha sentido tantas dores” devido a Covid-19

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É uma pessoa dinâmica, activa, praticante de desportos – atletismo e ciclismo – e está sempre pronta para o próximo desafio, seja a nível físico ou mental. Desde a confirmação do primeiro caso positivo em Cabo Verde toma todas as precauções. Mesmo assim, não escapou à Covid-19. Foi dada como recuperada, mas Vera Figueiredo diz que ainda sofre com as sequelas e garante que, se as pessoas conhecessem as implicações, o seu comportamento seria exemplar. “Não desejo a Covid-19 nem ao meu inimigo”. Pela relevância, o Mindelinsite transcreve este relato na primeira pessoa.

“Foi em finais de março deste ano que comecei a sentir uma pequena dor de garganta, mas não me preocupei muito porque sou conhecida por estar sempre com gripe. Foi num domingo e, na segunda-feira, fui trabalhar. Mas, quando cheguei em casa, senti que o meu corpo estava diferente. Ao longo do dia, senti dor de cabeça, depois por todo o corpo. Entretanto, a minha cunhada informou-me que sua irmã estava positiva e todos tinha feito teste. Como minha filha está quase sempre com a minha sobrinha, a minha cunhada aconselhou-me a ir ao Centro de Saúde fazer teste às duas.

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Aqui na Praia os testes são feitos por volta das 13 horas. No centro, fui questionada se era contacto de alguém positivo. Disse-lhes que não sabia, mas que estava a sentir-me indisposta e com muitas dores no corpo. Encaminharam-me para consulta, fizeram-me um teste e fui para casa, com a recomendação para ficar recolhida. Até o final do dia o meu estado agravou-se. Tive febre leve, dor de cabeça, no peito e por todo o corpo. Também não conseguia respirar.

Como tinham-me dado um número de telefone no Centro de Saúde decidir ligar para relatar o meu estado. Infelizmente não atenderam a chamada. Tive de contactar uma amiga em São Vicente, que conseguiu falar com os profissionais do Centro de Saúde na Praia. Informaram então a minha amiga que eu deveria ir ao Hospital Agostinho Neto, mais precisamente para a ala da Covid-19. Fui atendida, mas não aceitei ficar. Preferi ir para casa porque não fui vista por nenhum médico. Pareceu-me que a minha situação iria agravar se ficasse naquele lugar.

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A minha preocupação era a dor no peito. Uma amiga-médica, mas que não trabalha com Covid-19, prescreveu-me a medicação adequada porque no Centro de Saúde deram-me apenas Paracetamol para dor e vitamina C. Já a minha amiga passou-me antibiótico, antistaminico, corticoide e complexo B.

Os sete primeiros dias foi um ´Deus nos acuda`. Nunca na minha vida tinha sentido tantas dores. Era uma dor em tudo similar ao da Dengue, maior que a dor de parto. Não há paracetamol que combata as dores da Covid-19. Tinha dor de cabeça, dor em todas as articulações, desde os dedos, mãos, cotovelos, joelhos, ombros, enfim, dor no corpo inteiro. Tinha uma dor que apanhava desde o pescoço e descia até os dedos dos pés. Sentia um formigueiro em todo corpo e um zumbido nos ouvidos…

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Por incrível que pareça, quando o médico telefonou para dizer-me que estava positiva e tinha de ficar 14 dias em casa, falou-me dos cuidados e disponibilizou o número de telefone de urgência, a minha preocupação foi com a minha filha. Na hora, ri de nervoso e rezei para não ter nenhum mal maior na parte respiratória, já que, sempre que fico com gripe, passo muito mal. Mas nunca passou pela minha cabeça que podia morrer. No entanto, depois de três ou quatro dias, por causa da dor e do mal-estar, comecei a entrar em pânico. Imaginava a minha filha a ter os mesmos sintomas, ou então a minha mãe, que já tem 80 anos, caso viessem a testar positivo.

“Queimei as mãos e nem reparei”

No caso da minha mãe, por exemplo, acredito que ela não aguentaria. Este era o meu maior receio. O teste da minha filha foi inconclusivo e ela não teve nenhum sintoma. Aliás, foi ela que cuidou de mim. Passados os dez dias de praxe tive alta. Desde então sinto-me mais lenta – ainda estou com as pernas fracas. Tenho um formigueiro por todo o corpo. Começou uns três dias antes de me ligarem do Centro para dizer que estava de alta. Tenho um zumbido persistente nos ouvidos. Nunca perdi o gosto e nem o cheiro, mas quando regressei ao trabalho percebi que estava a conduzir o meu carro com alguma velocidade porque não sentia o meu pé. Queimei as mãos e nem reparei. Fiquei com pouca sensibilidade. Sinto-me meio ‘aérea’ quando estou a andar. Os sons parecem-me muito longe.

Liguei então ao médico para relatar aquilo que estava a sentir, e este me disse que é normal. Este aconselhou-me a registar tudo e procurar o Centro de Saúde. Fizeram-me então um raio-x para ver o meu pulmão e ainda parte estava afectado, apesar de não sentir mais falta de ar. Mas persiste uma canseira muito similar a uma estafa.

Duas semanas depois resolvi caminhar um pouco. Sou uma pessoa que sempre fez exercícios físicos, gosto de andar de bicicleta e também cheguei a correr em outros tempos. Fiz dois quilómetros de caminhada e sentia-me como se fosse morrer. De bicicleta então, o percurso que antes fazia com uma certa velocidade e pouco esforço, desisti logo nas primeiras pedaladas. Ainda não consegui retomar.

Todos os dias vou caminhar um pouco, mas um médico alertou-me para estar sempre atento à minha respiração e batimentos cardíacos. Também sinto tonturas. Neste momento sinto que estou mais lenta, mesmo a nível de raciocínio. Não sei se por causa da Covid-19 ou não, mas estou a reter pouca informação. As pessoas que me conhecem sabem como é a minha memória, mas neste momento tenho de anotar quase tudo para não esquecer. Isso cria uma certa angústia.

Sei que são sequelas de Covid-19 e podem perdurar um mês, dois ou mais. Ninguém sabe quanto tempo vou continuar a sentir isso, mas interfere demais na minha qualidade de vida. Cria uma incerteza e enorme ansiedade. Até quando vou continuar a ter falhas de memória, por exemplo? Acho que se as pessoas soubessem realmente quais as implicações desta doença teriam muito mais atenção. Sei de casos de pessoas que passaram mal, tiveram alta e continuaram durante muito tempo com várias sequelas. Mas como desde o início esta doença foi tratada de forma estigmatizante e preconceituosa as pessoas ficam caladas. Esta omissão está a causar muitos problemas, sobretudo a nível psicológico.

Tenho uma pessoa próxima, um homem, que me procurou para perguntar se vale a pena pedir ajuda de um psicólogo porque desde que teve Covid-19 não se sente bem. Imagina, um homem!!! Claro que o aconselhei a procurar ajuda porque esta é uma doença quase que completamente desconhecida. Acho que terão de ser feitos estudos para se tentar perceber o que o vírus causa no corpo das pessoas. O que posso dizer é que esta doença afecta cada pessoa de forma diferente. Peço para para pararem de pensar que ataca apenas quem está com imunidade baixa. Não me considero uma pessoa com imunidade baixa, cuido, faço exercícios e passei por tudo isso. Entretanto, sei que outras pessoas, inclusive com outras doenças, nomeadamente pressão arterial e diabetes não sentiram nada.  

“Esta doença não se compara com nenhuma outra que já tive na minha vida” 

Tudo isso para dizer que esta doença não é linear. Por isso, peço as pessoas que tiveram Covid-19, com ou sem sintomas, para tentarem perceber o que mudou na sua vida. As pessoas precisam prestar atenção nisso e o Ministério da Saúde não tem conseguido fazer chegar esta mensagem nas pessoas.

No meu caso, há mais de um ano que saio pouco de casa. Não faço aglomeração, treino sozinha e ao ar livre. Sempre uso máscaras, ando com o meu álcool gel, lavo as mãos com frequência. Para se ter uma ideia, testei positivo, mas no meu trabalho ninguém foi contaminado por mim. Ou seja, cumpri a minha parte, mesmo assim não fui poupada. Mas já estava à espera.

Desde que a minha filha iniciou as aulas presenciais alertei-a para os cuidados, mas assumi que era mais provável contaminar. No meu caso, apesar de trabalhar com atendimento público, a minha maior preocupação era a minha filha porque somos muito unidas. Felizmente ela não sentiu nada. Mas não desejo a ninguém ser contagiado e, se acontecer, que seja assintomático porque as dores e o desconforto são enormes. Esta doença não se compara com nenhuma outra que já tive na minha vida.

E quem não conseguiu sobreviver está a ter uma partida muito triste, principalmente em São Vicente onde não permitem a presença de familiares no funeral. É desumano. Estamos a falar de uma pessoa que morreu, não de um número. É alguém que tem uma história, família e que está a ser enterrada como se fosse um animal, à bruta. Fui testemunha de um enterro desta natureza e não é humano; não é merecido para quem morreu e nem para quem ficou. Então tenham mais cuidado e mais empatia para com o outro. Sempre fui uma pessoa dada, mas esta doença aumentou a minha sensibilidade. Fiquei mais ainda depois que, como disse, testemunhei a forma como uma pessoa muito querida foi enterrada.

Coloquei na cabeça que ninguém iria apanhar esta doença por meu intermédio. Espero que realmente quem a teve tenha feita esta introspeção para mudar, tentar ser uma pessoa melhor, menos egoísta. As pessoas precisam olhar menos para os seus umbigos e mais para o umbigo do mundo”

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Constanca Pina

Formada em jornalismo pela Universidade Federal Fluminense (UFF-RJ). Trabalhou como jornalista no semanário A Semana de 1997 a 2016. Sócia-fundadora do Mindel Insite, desempenha as funções de Chefe de Redação e jornalista/repórter. Paralelamente, leccionou na Universidade Lusófona de Cabo Verde de 2013 a 2020, disciplinas de Jornalismo Económico, Jornalismo Investigativo e Redação Jornalística. Atualmente lecciona a disciplina de Jornalismo Comparado na Universidade de Cabo Verde (Uni-CV).

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