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 Carnaval de S. Vicente: Após ‘grito de socorro’ ignorado, grupos oficiais anunciam que não vão participar dos desfiles em 2026

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Os grupos oficiais do Carnaval de São Vicente anunciaram na manhã desta sexta-feira, 10 de outubro, após uma aturada reflexão e respeito para com os foliões, que não vão participar nos desfiles em 2026. Alegam, como justificação para esta ausência, que não existem condições mínimas e básicas para preparar a festa do Rei Momo. “Lançamos um grito de socorro que não foi ouvido, falta de comunicação com a Câmara Municipal, apesar das várias tentativas, e promessas não foram cumpridas, o que torna impossível a sua participação nos desfiles”, dizem, desafiando quem de direito a acudir e a salvar o Carnaval de S. Vicente. 

Segundo o porta-voz dos grupos, nos últimos dez anos, as direções das agremiações têm enfrentado condições de trabalho cada vez mais precárias, que em muitos casos beiram ao desumano. “Ano após ano, as dificuldades agravam-se. As direções são obrigadas a fazer verdadeiros malabarismos, com acumulação de dívidas, para garantir o mínimo necessário: materiais, mão de obra de profissionais do carnaval e estruturas básicas para os estaleiros e locais de ensaios”, explica David Leite, realçando que, não poucas vezes foram obrigados a socorrer aos próprios bolsos, donativos e apoios de última hora, trabalhando em ambientes insalubres, para produzir o espetáculo do Carnaval. 

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Tudo isso, afirma, resulta em um desgaste físico e emocional imenso. E agora atingiu o seu ponto de saturação. “ As exigências aumentam, mas os apoios diminuem, tanto em verba quanto em condições logísticas”, desabafa, sublinhando que o Carnaval de 2025 foi a prova final da insustentabilidade do modelo em vigor. “Com um sacrifício financeiro e emocional imenso, os grupos conseguiram, uma vez mais, colocar o Carnaval na rua. No entanto, terminados os desfiles, encontraram-se mergulhados em insustentáveis situações de incumprimento e completamente exaustos”, revela.

Diante este cenário, prossegue este interlocutor, tentaram por diversas vezes um encontro de reflexão e balanço com a Câmara Municipal de São Vicente. A expetativa era também apresentar propostas e soluções construtivas para o melhoramento desta festa, mas não foi possível. “No dia 04 de junho, enviámos o primeiro e-mail ao Sr. Presidente da CMSV. Não obtivemos qualquer resposta. Insistimos, com novos pedidos nos dias 15 e 18 de julho. O silêncio persistiu. Recentemente, no dia 02 de outubro, fizemos uma última tentativa de contacto. E mais uma vez, fomos ignorados”, exemplifica.

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Tempestade Erin arrasa grupos

A quatro meses do Carnaval 2026, e quando deveria estar a iniciar os trabalhos nos estaleiros, os grupos resolveram trazer a situação ao público. Isto porque, afirmam, o que era difícil, tornou-se calamitoso após a passagem da tempestade Erin pela ilha de São Vicente. “Chegámos a um ponto-limite. A continuidade do Carnaval depende do cumprimento de condições básicas que deveriam ter sido satisfeitas até agosto passado, designadamente a criação de estaleiros funcionais, seguros e dignos, desbloqueio faseado da subvenção em três tranches – agosto, outubro e dezembro de 2025 – e cedência de um espaço para a sede da Liga Independente dos Grupos Oficiais do Carnaval.” 

Os grupos oficiais reivindicam, igualmente, a promoção urgente de um estudo  técnico de impacto financeiro para valorizar e orientar futuros investimentos. Mas, segundo David Leite, nenhuma destas condições foi cumprida. Pelo que, assegura, perante a insistente falta de comunicação da CMSV, estes não têm qualquer condição para iniciar os preparativos para o Carnaval 2026, consequentemente, a realização dos desfiles oficiais. “Os grupos estão sem estruturas, sem previsão orçamental e com dívidas acumuladas, por isso o grito de alerta para se acudir e salvar o Carnaval de São Vicente.”

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Apesar de participarem da conferência de imprensa apenas quatro presidentes dos grupos oficiais – David Leite (Samba Tropical), Dirce Vera-Cruz (Vindo do Oriente), Guilherme Oliveira (Monte Sossego) e Júlio do Rosário -, o porta-voz garantiu que todos estão alinhados e que a comunicação foi emanada no Conselho dos Grupos que têm vindo a reunir desde maio. Quanto à comunicação com Ligoc, David Leite lembrou que esta é formada pelos grupos. “A Ligoc está em sintonia e alinhada com o conteúdo da nossa conferência”, declarou, reafirmando que não haverá participação dos grupos nos desfiles.

Grémios sem estaleiros

Para David Leite, os estaleiros são a ‘coluna vertebral’ da crise instalada no Carnaval de São Vicente. Trata-se, diz, de uma reivindicação antiga e todos os anos, após os desfiles, são renovadas as promessas, que nunca se concretizam. “Em dezembro de 2023, o presidente da CMSV reuniu-se com os grupos e apresentou uma proposta de um espaço para a localização dos estaleiros. Prometeu que estariam prontos para o Carnaval 2024. Dissemos que era impossível, mesmo assim propusemos ajudar. Os grupos apoiaram com máquinas para a terraplanagem, mas a CMSV remeteu-se ao silêncio.”

Apesar dos constrangimentos, os grupos conseguiram colocar um grande carnaval na rua, mas afirmaram que não estariam disponíveis para continuar a trabalhar nas mesmas condições. Cita, a título de exemplo, o caso do Estrela do Mar que teve apenas 28 dias para trabalhar, por falta de estaleiro. “Conseguiu, mas teve de deixar um dos carros alegóricos para trás. O Monte Sossego passou por situações lastimáveis, enquanto o Vindos do Oriente trabalhou em um espaço  de terra batida. No Flores do Mindelo, todos conhecemos as dificuldades. Os constrangimentos são anuais e, segundo a presidente, não atrevem a voltar a funcionar. A Escola de Samba Tropical registou um atraso inaceitável de quatro horas. Trabalhamos num espaço que tem horário, isto é, não funciona depois das 18 horas”, detalha.

A agravar ainda mais a situação, sublinha, os grupos receberam a última tranche do financiamento atribuído pelas autoridades na véspera dos desfiles – no caso do Samba na segunda-feira – mas ainda aguardam o pagamento das contribuições da venda de bilhetes das bancadas e de alguns prémios individuais, designadamente das rinhas. Para o porta-voz dos grupos, trabalhar nestas condições beira a desumanidade. “Temos tido algum diálogo informal com o Ministro da Cultura e há a intenção, mas ainda sem nenhuma confirmação, de disponibilização de verbas para o Carnaval. Mas até este momento, os grupos estão exatamente na mesma situação que terminaram o Carnaval 2025, ou seja, sem diálogo, sem condições e sem receber a totalidade dos valores prometidos.”

Carnaval do povo

Por tudo isso, Daia é taxativo em afirmar que os grupos oficiais não vão participar nos desfiles, mas lembra que o Carnaval de São Vicente é um movimento cultural do povo e feito pelo povo. Entretanto, a destoar desta declaração, o grupo Cruzeiros do Norte, campeão em título, pondera colocar o seu corso no asfalto da cidade do Mindelo no dia 17 de fevereiro de 2026. “Precisamos do Carnaval mais do que nunca em São Vicente. O Carnaval precisa voltar à rua para espantarmos esta tristeza, mas também para propiciarmos ao povo a oportunidade de ganhar algo. Aquela vendedeira de balaio, este soldador, esse carpinteiro, o taxista, a costureira, enfim, um leque de profissionais que precisam facturar e diminuir os impactos nos rendimentos causados pela chuva”, considera Jailson Juff, para quem S. Vicente não pode deixar esmorecer a sua marcha a ponto de parar.

O presidente do grupo carnavalesco Cruzeiros do Norte afirma que a direção do grémio esteve presente num encontro dos presidentes dos grupos oficiais para discutirem sobre o desfile de 2026 e deixou claro que a agremiação vai estar no sambódromo do Mindelo em 2026. Aliás, o grupo já iniciou as aulas de batucada e marcou para 15 de novembro a apresentação do enredo.

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Constanca Pina

Formada em jornalismo pela Universidade Federal Fluminense (UFF-RJ). Trabalhou como jornalista no semanário A Semana de 1997 a 2016. Sócia-fundadora do Mindel Insite, desempenha as funções de Chefe de Redação e jornalista/repórter. Paralelamente, leccionou na Universidade Lusófona de Cabo Verde de 2013 a 2020, disciplinas de Jornalismo Económico, Jornalismo Investigativo e Redação Jornalística. Atualmente lecciona a disciplina de Jornalismo Comparado na Universidade de Cabo Verde (Uni-CV).

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