Surto de esquistossomose em Calheta de São Miguel: Doze casos diagnosticados em janeiro, 27 em 2024
O município de São Miguel, especificamente a localidade de Cutelo Gomes, está a ser fustigada por um surto de esquistossomos. Trata-se de uma infecção associada ao aparelho urinário contraída ao nadar ou estar em contato com águas doce contaminada, cujos sintomas vão desde febre, calafrios, náuseas, dor abdominal à diarreia com sangue. Descrita em Cabo Verde pela primeira vez em junho de 2022, foram contabilizados agora em janeiro 12 casos, depois de 27 em 2024 e 42 em 2023, segundo o Diretor da Região Sanitária de Santiago Norte.
Ao Mindelinsite, João Baptista confirmou o aparecimento de casos esquistossomose nesta pequena zona, especificamente pessoas com a presença de Schistosoma haematobium na urina, o que levou as autoridades a suspeitar que poderiam estar perante uma doença nunca antes diagnosticada em Cabo Verde. “Foi a primeira vez que conseguimos diagnosticar a esquistossomose, no laboratório do hospital. Os pacientes apresentavam sintomas de sangue na urina. Fizemos análises e confirmou a presença do agente causador da doença, mais precisamente da schistosoma haematobium, espécie que está presente no continente africano com focos menores no Oriente Médio, Turquia e Índia.”
Depois dos sete primeiros casos confirmados em junho de 2022, explica, foram contabilizados no ano seguinte mais 42 casos, 27 em 2024 e 12 agora em janeiro, números que mostram que a doença está em progressão. Estes números obrigaram o Instituto Nacional de Saúde Pública a realizar um estudo, com objetivo de confirmar o diagnóstico, caracterizar o surto, identificar a forma de transmissão e recomendar medidas para prevenção e controle. Num resumo publicado no site do INSP, pode-se ler que foram realizados dois estudos, o primeiro utilizando a técnica de snowball (amostragem) e o segundo por meio da busca retrospectiva em registros médicos (1/09/2021 a 10/05/2022) e entrevistas para recolha de dados e amostras de urina dos utentes com definição para esquistossomose urinária.
Foi conduzido também uma investigação ambiental para identificação do caramujo reservatório. “Foram identificados 10 utentes a partir do caso índice, sendo que 7 foram confirmados para SCHu, totalizando 8 casos, todos do sexo masculino, mediana de idade de 15 anos (7- 24). Todos apresentaram hematúria e residentes em Cutelo Gomes-zona rural de São Miguel. Foram avaliados 27.500 prontuários, dos quais, 49 foram definidos como casos suspeitos para o SCHu”. Destes 23 foram entrevistados, 19 deram negativos para S. haematubium e 4 não coletaram amostras de urina. A media de idade era de 27 anos, sendo 18 mulheres dos quais 3 apresentaram os sintomas compatíveis com SCHu.
Na investigação ambiental, o estudo indica os gêneros de caramujos foram identificados: Gyraulus; Hidrobia; Lymnaea e Melanoides. O estudo, que foi realizado por um grupo de jovens e divulgado internacionalmente, concluiu que o mecanismo de infecção permaneceu desconhecido. João Baptista explica, no entanto, que esta é uma infecção que resulta da entrada do parasita no corpo humano. “A larva entra no corpo humano, desenvolve e, depois de adulto, liberta os ovos que são expulsos através da urina. Um outro estagio da larva, denominado miracídio, eclode os ovos e entram nos caramujos, sendo depois expulsos na água doce. Posteriormente penetra na pele e entra no organismo.”
Segundo este responsável, em Cabo Verde sempre existiu esta espécie de caramujo, mas só agora se diagnosticou esta doença, que provavelmente foi trazida por qualquer pessoal que veio de algum país tropical, e que chegou ao país assintomático. “Em caso de suspeita, as pessoas são submetidas a exame e depois tratados, sendo que, para isso, usamos um medicamento denominado Praziquantel. O problema que se põe é o risco de exposição prolongada. Ou seja, as pessoas que não tem consciência, podem continuar a re-infectar e desenvolver doenças crônicas.”
Conforme o Director da Região Sanitária de Santiago Norte, a longo prazo, podem surgir outras complicações, nomeadamente obstrução de vias urinárias, que pode levar a complicações graves, designadamente insuficiência renal. “Mas há ainda complicações que dependem da carga do parasita no corpo e da sua capacidade de se defender. Por exemplo, se esta for excessiva, pode espalhar para o pulmão e para o cérebro. Neste último, provocando a hipertensão pulmonar e outras doenças crônicas, caso por exemplo do câncer da bexiga.”
Com cerca de 100 casos já confirmados, João Baptista admite que a doença está em fase de progressão, sobretudo porque, por se tratar de algo novo, a população desconhece os riscos. Entretanto, a situação está a ser monitorizada . De imediato, pretende agendar um encontro com a população de Cutelo Gomes já na próxima sexta-feira, 1 de fevereiro, para explicar os riscos da doença.
Em dezembro passado, o Mindelinsite divulgou um projecto de investigação científica do grupo Bioanalítica, que foi apresentado no Digital Health Summit, evento realizado na Madeira, e que permite a detecção rápida do Schistosoma Haematobium. O projecto, intitulado “A new sensitive methodology for the detection of Schistosoma haematobium in clinical samples” (em inglês), combina o novo reagente Parasimax descoberto pela bioanalítica e microscopia de fluorescência.
O cientista Maximiano Fernandes e sua equipa garantem que este novo método pode acelerar muito mais a forma de diagnóstico e evitar complicações futuras. Método esse que atualmente está a ser estudado em Brasil, Portugal, Moçambique, Afeganistão e alguns países da Europa.