PR promulga OE 2023 com apelo ao diálogo e ressalva de eventual inconstitucionalidade
O Presidente da República promulgou o diploma da Assembleia Nacional que aprova o Orçamento do Estado para 2023. Na carta ao Presidente da Assembleia Nacional, que acompanha a promulgação, o Chefe de Estado deixa, contudo, algumas reflexões, entre as quais a necessidade de “diálogo, entendimentos e consensos” entre os principais atores políticos e faz uma ressalva de eventual inconstituicionalidade orgânica do artigo 6.º da Lei que aprova o Orçamento de Estado para 2023, realçando que a norma não respeita o número 3 do artigo 161.º, que impõe uma maioria na votação de matérias referentes aos titulares dos Órgãos de Soberania.
“Vive-se uma policrise. Os tempos são difíceis, inéditos, complexos e incertos. As mudanças climáticas, e, no caso de Cabo Verde, os sucessivos anos de seca severa, a devastação sócio-económica e sanitária provocada pela pandemia e os conflitos, particularmente a guerra na Ucrânia, têm tido consequências nefastas, designadamente a desaceleração do ritmo de crescimento económico e o aumento da inflação, do desemprego, da pobreza e das desigualdades”, escreve José Maria Neves, que clama por isso por uma maior atenção às populações, sobretudo as classes mais desfavorecidas, em termos de medidas de mitigação dos efeitos destas crises.
O PR diz acreditar que poderá haver um relativo otimismo no cenário macroeconómico apresentado pelo Governo, o que poderá justificar-se tendo em conta a evolução da economia em 2022 e que determinou uma execução orçamental para além das expectativas mais otimistas, mormente no que se refere ao crescimento do PIB. Alerta contudo que os riscos de não concretização do cenário macroeconômico previsto são elevados e mostram tendencia a aumentar ainda mais, considerando a evolução mais recente da situação internacional e os seus impactos nos mercados da energia e das commodities agrícolas.
Sobre este particular, prossegue dizendo que, no que diz respeito aos preços, deve-se ter em conta que a economia nacional é permeável à inflação externa, principalmente dos seus principais parceiros económicos. “Num contexto de crise energética na Europa e de disrupção no fornecimento de bens, em especial de produtos alimentares, o abrandamento da taxa de inflação, apontada pelo Governo, de cerca de 8% em 2022 para 3,7 % em 2023 está, assim, sujeito a um forte risco de natureza ascendente”, pontua, ressaltando que, num quadro de evolução imprevisível, o OE 2023 deve ser elástico para permitir vários cenários de ajustamento da sua aplicação.
JMN destaca, também, alguns aspectos positivos, nomeadamente o aumento do salário mínimo nacional de 13 para 14 mil escudos, a atribuição da pensão social a mais três mil idosos e o aumento expressivo do investimento em serviços essenciais e infraestruturas públicas, que poderão potenciar uma maior dinâmica económica. Mas, diz, de um modo geral do OE 2023 é tímido nas medidas de contraposição aos efeitos económicos e sociais da atual conjuntura económica, devendo o Governo adotar uma postura flexível e dinâmica na sua execução, de forma a responder a um eventual agravamento da crise através de um reforço de apoios às famílias e às empresas.
“Infelizmente, o cenário da continuidade do empobrecimento dos trabalhadores e pensionistas cabo-verdianos pela perda de poder de compra de salários e pensões é plausível. Tal situação resulta, por um lado, da acumulação das inflações previstas para os anos de 2022 (7,9%) e 2023 (3,7%), na ordem de quase 12%, e, por outro lado, do facto de os salários e as pensões não terem sido atualizados em 2022 e só o virem a ser parcialmente em 2023 e, mesmo assim, não para todos”, constata.
O PR refere ainda ao aumento continuo e preocupante do endividamento público, cujo stock – excluindo os Títulos de Rendimento de Mobilização de Capital – deverá atingir mais de 306,5 mil milhões de escudos em 2023 face a um PIB nominal previsto de cerca de 230 mil milhões de escudos. Entende JMN que este retira, através dos encargos, recursos públicos que poderiam ser utilizados, por exemplo, na valorização dos recursos humanos e na proteção dos mais vulneráveis.
Igualmente defende o Chefe de Estado que é incontornável a necessidade urgente de reformar o Estado e a Administração Pública. Ao mesmo tempo, é necessária uma forte capacidade de gestão da dívida e dos passivos contingentes para aumentar a transparência, minimizar os perigos contingentes, mitigar os riscos de uma rápida acumulação de dívida e fortalecer a estabilidade macroeconómica global.
Afirma ainda o PR que da análise do OE2023, perfila-se a questão de eventual inconstitucionalidade orgânica, do artigo 6.º da Lei que aprova o Orçamento de Estado para 2023, porquanto, a norma não respeita o número 3 do artigo 161.º, que impõe uma maioria na votação de matérias referentes aos titulares dos Órgãos de Soberania, onde se inclui o disposto na alínea i) do artigo 176.º, “Eleições e estatuto dos titulares dos órgãos de soberania e das autarquias locais, bem como dos restantes órgãos constitucionais ou eleitos por sufrágio direto e universal”. Neste sentido, informa que, em sede de fiscalização abstrata e sucessiva, prevista no artigo o 280º da Constituição, será requerida a apreciação e declaração da sua inconstitucionalidade.
“Quero, outrossim, referir-vos que, com elas em mente, mas movido pela mais elevada preocupação com o interesse nacional e, igualmente nesta linha, de permitir que a Maioria parlamentar concretize as suas opções, num quadro de normalidade e estabilidade institucionais, decidi promulgar a Lei que aprova o Orçamento do Estado para o ano de 2023”, justifica o PR ainda na missiva.