A novel presidente da Assembleia Municipal de S. Vicente considera que a democracia em Cabo Verde só existe no papel e conforme os interesses de cada um. Admite haver uma descrebilização da classe política e apela a uma mudança das mentalidades e do perfil do político. Numa entrevista exclusiva ao Mindelinsite, Doraoriana Pires disse que a ilha precisa levantar-se sendo necessário para tal a atribuição da confiança aos empresários da parte do Governo e da banca. Entende ainda ser importante resgatar a intelectualidade que outrora reinou no Mindelo.
Por João A. do Rosário
Mindel Insite – Eleita Presidente da Assembleia Municipal de S. Vicente através de um processo controverso, e já empossada no cargo, como sentiu-se ao ser apelidada, a si e a sua equipa, de “assaltantes do poder”?
Doraoriana Pires – Ficamos tristes ao ver que a democracia em Cabo Verde está apenas no papel e conforme o desejo e realização de alguns. Tudo foi legal e legítimo, dentro da lei quer dos estatutos dos municípios quer do regimento da Assembleia Municipal.
MI – Já é previsível que o seu trabalho a frente da Assembleia Municipal de S. Vicente nao vai ser fácil nem pacífico e que não será poupada nas críticas. Como pensa lidar com este cenário já previsível?
DP – Menos fácil não diria, mas que será desafiante isso sim. E, sendo uma mulher destemida e guerreira, irei trabalhar com dedicação para que o melhor seja feito na assembleia. Até que nunca será difícil porque a oposição é maioria em número de eleitos. Não haverá ditadura, mas com respeito, diálogo, negociação tudo correrá bem e estamos preparados e sabemos lidar com as críticas pois dirigi uma instituição de ensino superior durante muitos anos e sei o que é isso.
“Sendo uma mulher destemida e guerreira, irei trabalhar com dedicação para que o melhor seja feito na assembleia. (…) Não haverá ditadura, mas com respeito, diálogo, negociação tudo correrá bem …”
MI – Pensa que S. Vicente irá ganhar com a solução encontrada para a constituição da mesa da Assembleia Municipal?
DP – Sim, S. Vicente saiu a ganhar porque esta é a vontade dos munícipes. O resultado dos votos nos dois partidos, UCID e PAICV, e no Movimento Mas Soncent é superior aos votos do MpD. Temos uma mesa eleita, que é plural e a democracia ganhou.
MI – Como pensa conciliar as duas coisas : deputada da Nação e Presidente da Assembleia Municipal?
DP – A lei permite e o farei sem prejuízo de nenhum dos cargos, pois estou acostumada a trabalhar com várias responsabilidades e, modéstia à parte, sempre com sucesso. Cada um tem o seu tempo e a sua agenda e estarão a complementar um ao outro, porque ambos são em prol da mesma ilha.
Alavancar a economia
MI – Na sua opinião, enquanto uma pessoa preocupada e responsável com as questões de S. Vicente, o que para si a ilha precisa, verdadeiramente, para sair do marasmo a que foi deixado há muitos anos?
DP – A ilha de S Vicente caiu, muito embora é visível obras a nascer e outros ainda apenas cercadas. Mas a economia precisa desenvolver mais, as empresas, os empresários precisam de confiança para desenvolverem os seus projetos, necessitam de apoio do Governo e da banca para poderem assim criar/oferecer mais postos de trabalho e diminuir o desemprego que vem aumentando. As fábricas precisam de voos diretos para S. Vicente para chegada de matéria prima e para exportarem os seus produtos; enfim recuperar o movimento económico, turístico e cultural que perdeu sem esquecer da intelectualidade, onde outrora Mindelo foi o berço.
“A lei permite (ser deputada e presidente da AMSV) e o farei sem prejuízo de nenhum dos cargos, pois estou acostumada a trabalhar com várias responsabilidades e, modéstia à parte, sempre com sucesso….”
MI – Existe uma certa descredibilização da classe política cabo-verdiana, é um facto. O que é preciso fazer para que os jovens possam confiar mais nesta classe? O que é necessário mudar, será a narrativa e a retórica dos discursos?
DP – Existe sim porque há políticos responsáveis para que tal seja assim. Acredito que nem todos os políticos são iguais e não podem ser colocados no mesmo saco. A política é uma arte e deve ser feita com elevação quer na vitória quer na derrota, ser elegante, evitar criticar sem fundamento. Lá porque uma ideia é da oposição tem que ser desrespeitada. O político deve defender sempre quem os elegeu e não apenas a si e ao partido. Muita coisa deve ser evitada e os jovens que querem entrar devem entrar porque querem fazer o melhor para o país e nunca entrar para se dar bem na vida, para ser o seu primeiro emprego porque não conseguiu um trabalho na área em que se formou. Política não é equipa de futebol, política é trabalhar para o bem de todos e do pais. O país acima de tudo! Precisamos mudar o discurso, mudar a mentalidade, os objetivos e pensar num perfil do político. Fazer mais e dizer menos.
“Acredito que nem todos os políticos são iguais e não podem ser colocados no mesmo saco.”
MI – Quem a conhece, desde sempre, pode estar a questionar a sua opção de entrar na política em troca de uma carreira profissional de docente. Como isto se deu?
DP – Sim e o questionamento é legítimo porque temos uma carreira consolidada. Sou professora há 35 anos e 20 no ensino superior e Professora Doutora da Universidade de Cabo Verde. Deixei o cargo de Vice-Reitora quando fui exercer a função de Deputada Nacional eleita por S Vicente, um percurso profissional de sucesso, com um currículo de excelente profissional conhecida em várias paragens porque o desejo de trabalhar para o desenvolvimento da minha ilha e do meu Cabo Verde era maior. Em 2012 fui convidada para entrar na lista da Camara Municipal de S. Vicente como independente e era a 3ª da lista. O Presidente da UCID, que me viu a trabalhar na candidatura do sr Aristides Lima para Presidente de Cabo Verde como mandatária, me convidou e aceitei. Depois das eleições pedi para ser militante do partido. Fiz isso porque achei que era a hora de entrar na política e colaborar com UCID para um Cabo Verde melhor. Fui convidada para ser vice-presidente do partido e vou no meu segundo mandato. Em 2016 fui eleita deputada da nação pelo círculo eleitoral de S Vicente. Estou a implementar a Organização das Mulheres Cristãs Democratas e já temos um núcleo na Assomada, Praia e S Vicente bem como a JUCID, organização dos jovens que já existe em S Vicente e na Praia e continuaremos o trabalho para a firmação do OMCD e JUCID em todas as ilhas para o crescimento e afirmação do partido a nível nacional.
Mudar a forma de fazer política
MI – Como vê estas mudanças que o mundo está a sofrer atualmente. Estamos perante uma nova mudança de paradigma e de uma nova ordem mundial, como já houve noutras alturas?
DP – Com esta pandemia, o mundo é outro, e muitas mudanças ainda virão da qual devemos estar preparados e a vários níveis. Mudar de paradigma sim, outra forma de fazer política e outra forma de governar, pois, a maioria na política, está com os dias contados e temos que apostar que nada será igual. Está a acontecer em outros países e já chegou em Cabo Verde.
MI – Expostas estas questões deixava-a enviar uma mensagem a todos nesta hora que se exige muita responsabilidade.
DP – Responsabilidade exige-se sim embora não podemos esquecer do respeito pela diferença. Saber governar, saber ouvir, saber ser humilde, saber dialogar, ser tolerante e nunca subestimar a inteligência do outro. Ser cumpridor porque a verdade é que todos esperam o melhor de cada um, e ser exemplos em tudo, S Vicente, Cabo Verde agradece.
Dora Pires na primeira pessoa
Cresci num lar cristão, frequentando a igreja do Nazareno em Mindelo. Minha infância foi muito feliz.Tenho um filho e uma filha, dois netinhos. Meus pais, Lídia e Vlademiro Rocheteau Pires, são minha inspiração e conhecidos no meio mindelense. Talvez herdei o gosto pela política dos meus avós materno, o Toi Pombinha, um dos grandes comerciantes desta ilha e do avô paterno Rafael Pires de Paul – S Antão. Embora divorciada, valorizo muito a família, porque nela formamos, é nossa primeira escola onde se prende os valores fundamentais e nos oriente por toda a vida.