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Arquitetos queixam-se de “concorrência desleal” de colaboradores da CMRG de Sto Antão:  “Projectos públicos foram pedidos do presidente”, diz director do gabinete técnico 

Arquitetos com escritórios na Ribeira Grande de Santo Antão estão revoltados com a “concorrência desleal” supostamente praticada pelo vereador do Urbanismo e pelo diretor do Gabinete Técnico daquela câmara. Estes são acusados de elaborar projetos particulares e participar nos concursos lançados pela própria edilidade, através das suas empresas, que terão posteriormente de aprovar, num processo em que “jogam e apitam”. O director do gabinete nega ter assinado projectos particulares, mas confessa que sua empresa elaborou projectos públicos – Polivalente coberto de Povoação, Auditório Municipal e Recinto da Ponta do Sol -, por solicitação directa do presidente. Apesar da insistência, foi impossível ouvir a versão do vereador e do autarca. 

Por: Constânça de Pina 

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Em conversa com este online, os arquitectos denunciantes afirmam que tanto o vereador como o director deste serviço da CM da Ribeira Grande estão a elaborar e a assinar projectos particulares e a participar dos concursos públicos lançados pela própria Câmara, penalizando grandemente os gabinetes privados de arquitectura. “Temos escritórios montados, com funcionários, e temos de pagar os seus salários mensais e os impostos. Se não conseguirmos aceder aos projectos, que são interceptados dentro da própria CM, fica complicado. São colaboradores e eleitos do município, mas estão a trabalhar como profissionais liberais, aproveitando-se da vantagem de estarem dentro da Câmara”, declaram. 

Para sustentar estas afirmações, as fontes apresentam vários projectos, privados e públicos, com a assinatura dos visados. No caso dos concursos, por exemplo, exibem documentos que fazem parte de um dossier lançado pela CMRG. Destacam, a título ilustrativo, os projectos de arquitetura para a reconstrução do Recinto Desportivo da Ponta do Sol e do Auditório Municipal, ambos apresentados pela empresa Arcos, que tem como sócio o arquitecto João Paulo, director do Gabinete Técnico Municipal. 

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Relativamente ao vereador de urbanismo da CM da Ribeira Grande de Santo Antão, Armindo “Mandy” Mariano, dizem que basta fazer uma breve visita à sua página nas redes sociais para se encontrar vários projectos de arquitetura, da autoria de Mandy Mariano – Arquitectura & Urbanismo Lda. “Enquanto políticos e diretor de serviço, estes dois senhores não podem fazer projetos. Está plasmado nos Estatutos da Ordem dos Arquitetos, no artigo 81, sobre as incompatibilidades. Este diz taxativamente que o exercício liberal da profissão de arquiteto ou de urbanista é incompatível com as funções de titular de órgãos de soberania, assessores, membros ou agentes contratados dos gabinetes.”

Para as nossas fontes, este artigo do Estatuto é muito específico sobre as incompatibilidades e é reforçado nas alíneas subsequentes onde refere que tanto o presidente como o vereador a tempo inteiro ou parcial, e ainda o diretor-geral ou membro do Conselho de Administração das empresas públicas, não podem assinar projectos. Igualmente para os membros dos gabinetes das Câmaras Municipais e quaisquer indivíduos ou departamentos públicos independentes da designação que, junto das entidades, desenvolvam atividades relativas à apreciação e aprovação de projetos de arquitetura.

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No caso em concreto, por conta das suas funções, entendem estes arquitetos que o vereador de urbanismo e o diretor do gabinete têm acesso antecipadamente e, muitas vezes, acabam por interceptar os projectos. “É preciso lembrar que, muitas vezes, os projectos são da CM e liderados pelo vereador. Tanto ele como o diretor técnico são os responsáveis pela aprovação dos mesmos. Fazem os projetos de arquitetura e de engenheira e posteriormente lançam concurso para realização da obra. No caso, estamos mais interessados na elaboração do projeto do que na sua execução.” Por outro lado, prosseguem, sabem quais os projectos que estão em carteira e preparam-se para quando a CM lançar uma shortlist, com prazos limitados, e ganham vantagem sobre a concorrência.

Outro exemplo apresentado por estes arquitectos e que engrossam as suas queixas é o concurso de ideias de projectos de arquitetura e especialidade, lançado pela EDEC – Empresa de Distribuição de Electricidade. Este conto com a participação de quatro gabinetes de arquitetura, incluindo a Arcos-Arquitectura & Urbanismo, que ficou em primeiro lugar. No concurso, a Arcos teve o arquiteto e director de gabinete técnico da CMRG como representante. 

Solicitação do presidente da CMRG

Confrontado, o director do gabinete técnico da CMRG de Santo Antão nega ter elaborado/assinado qualquer projecto de arquitetura e desafia os acusadores a apresentarem provas. Quanto aos projectos públicos supostamente elaborados por sua empresa, afirma que não resultam de concursos.”Foram solicitados pelo próprio presidente. Em nenhum momento houve concurso. Tenho um escritório de arquitetura, junto com um parceiro, que está inscrito na Ordem. E todos os projectos que elaboramos estão de acordo com a lei. Mesmo trabalhando em parceria, em termos pessoais não  tenho beneficio.

João Paulo Brito desafia os denunciantes a especificar os projectos por ele elaborado e os “benefícios” conseguidos, sob pena de estarem a levantar calúnia . “O projecto de reconstrução do Auditório Municipal – ex-cinema – e do Recinto da Ponta do Sol foram solicitados pelo presidente para que eu os fizesse. E colocamos o logotipo da empresa que participou na sua elaboração, no caso a Arcos. Não houve concurso.  O mesmo acontece com o projecto do polivalente coberto de Povoação”, esclarece. 

Instado se estes projectos foram certificados pela Ordem dos Arquitetos de Cabo Verde, conforme manda a lei, o director de gabinete alega que os projectos da CM não carecem deste procedimento. “Os projectos da Câmara não são certificados porque o presidente é a autoridade máxima no município. Nos projectos da edilidade que foram elencados, apareço como colaborador. Há um técnico responsável” , sublinha. Curiosamente, uma breve consulta nestes projectos a que o Mindelinsite teve acesso, João Paulo Brito é destacado como um dos dois responsáveis técnicos e a CMRG como promotora.  

Foi impossível chegar a fala, por telemóvel, com o vereador de urbanismo, Armando “Mandy” Mariano, e com o presidente da Camara Municipal, Orlando Delgado, apesar da nossa insistência. Entretanto, ambos já estavam ao corrente do assunto, tendo em conta que o próprio director de gabinete admite que lhes informou das tentativas deste diário digital para ouvir as suas versões. 

OAC pede auditoria 

Confrontado, o presidente da OAC- Ordem dos Arquitectos de Cabo Verde explica que há cerca de uma semana esteve num encontro com arquitetos do município do Porto Novo, onde se abordou este assunto. “São casos que têm sido levantados sistematicamente, envolvendo várias câmaras municipais. Mas, infelizmente, ainda não foram apresentadas queixas formais junto da Ordem e com provas. É um problema que pode ter vários aspectos. Sabemos que quem está nas CMs – arquitetos ou directores de serviços -, têm estado a aprovar projetos sem certificação da Ordem“, acusa, sublinhando que todos os projectos particulares de arquitectura devem solicitar um termo de responsabilidade na Ordem antes de darem entrada nas CMs. E este só pode ser emitido após verificação da questão da compatibilidade. 

Apesar da rigorosidade deste requisito, admite que é possível contornar esta exigência, bastando para isso que um arquiteto que trabalha na edilidade peça a um colega para assinar o seu projecto. “A Ordem sabe que, muitas vezes, quando os utentes procuram as secretarias das CMs, são informados de que podem elaborar os projectos na CM e que estes serão aprovados com maior celeridade. É uma queixa recorrente, pelo que já solicitamos à tutela para que este assunto seja tema também das auditorias.

De acordo com o presidente da Ordem, o que se pretende com esta medida é que se detecte os projectos aprovados sem os termos de responsabilidade. Job Amado lamenta, no entanto, que, não obstante os pedidos, o tema ainda não seja contemplado nas auditorias. “Há anos, a OAC reuniu-se com as CMS. Na sequência, foi elaborado um cartaz que destacava as incompatibilidades. Pedimos que o cartaz fosse afixado nos serviços camarários. Infelizmente, constatamos que isso não aconteceu. Decidimos elaborar então um cartão de arquiteto, que estamos agora a distribuir aos nossos associados. Já entregamos em S. Antão, S. Vicente e este fim de semana vai ser na Praia. Paralelamente, vamos divulgar um vídeo promocional com informações relevantes ao público.

O referido cartão, sublinha Job Amado, permite fazer a leitura de um código, que informa se o arquiteto está ou não autorizado a elaborar projetos. Com isso, a OAC espera debelar pelo menos parte do problema, sendo certo que os maiores constrangimentos ocorrem dentro das próprias Câmaras Municipais. Por isso, o presidente da OAC insiste na apresentação de queixas formais para que possa agir em termos disciplinares, caso o visado esteja inscrito ou pela via judicial.  

Relativamente a afirmação do director de gabinete técnico de que os projectos solicitados pelo presidente não carecem de certificação, Job Amado esclarece que apenas os elaborados/assinados por colaboradores enquanto funcionários são isentos. Todos os projectos elaborados/assinados por gabinetes privados têm de solicitar o termo de responsabilidade. “Se os projectos são assinados por gabinetes de arquitetura e não estão certificados, são ilegais, independentemente de ser por solicitação do presidente. Isto caso não sejam feitos enquanto funcionário/colaborador da edilidade’, sublinha, reforçando que, de forma nenhuma, os arquitetos podem assinar projectos sendo funcionário da CM. 

De referir Mindelinsite solicitou esclarecimentos junto da ARAP- Autoridade Reguladora das Aquisições Públicas, entidade que responde pelas contratações públicas. Esta reagiu dizendo que encaminhou as perguntas para a Direção de Regulamentação, Formação e Acreditação, mas até a publicação da reportagem não tivemos qualquer resposta, pelo que prometemos retomar o assunto. 

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Constanca Pina

Formada em jornalismo pela Universidade Federal Fluminense (UFF-RJ). Trabalhou como jornalista no semanário A Semana de 1997 a 2016. Sócia-fundadora do Mindel Insite, desempenha as funções de Chefe de Redação e jornalista/repórter. Paralelamente, leccionou na Universidade Lusófona de Cabo Verde de 2013 a 2020, disciplinas de Jornalismo Económico, Jornalismo Investigativo e Redação Jornalística. Atualmente lecciona a disciplina de Jornalismo Comparado na Universidade de Cabo Verde (Uni-CV).

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