50 anos da Independência de Cabo Verde celebrados na Universidade de Parma-Itália

Maria de Lourdes Jesus
Parma é uma das cidades mais fascinantes do norte de Itália, famosa pela melhor produção do presunto em Itália e do queijo conhecido mundialmente como Parmigiano. Parma é uma cidade prestigiada pela sua universidade, entre as mais antigas do mundo, e orgulhosa do seu ilustre Giuseppe Verdi, um dos maiores compositores de ópera de todos os tempos. E foi escolhida como palco para as celebrações dos 50 anos da independência de C. Verde
Parma teve sempre uma vida cultural muito rica ao longo dos séculos. Influenciada pela cultura francesa, pela arte, pela arquitetura urbana, pela moda, pelo estilo de vida social e pela sua elegância, foi sempre considerada uma cidade atraente, muito admirada e conhecida como “Petit Paris” de Itália. Parma pertence a Emilia Romagna, uma das regiões que se destaca em termos de Solidariedade com os povos na luta de libertação contra o colonialismo português, nos fins dos anos 1960 e início 1970.
Nos dias 9 e 10 de Outubro, realizou-se na Universidade de Parma o convênio “Liberdadi! Cabo Verde 50 anos após a independência: Passado, Presente e Futuro”, para celebrar esta conquista. Na ocasião, foram abordados os seguintes temas: “A figura de Amílcar Cabral como político, filósofo e poeta”; “As mulheres na luta de libertação”; “A literatura cabo-verdiana, sobretudo a feminina”; “A cooperação internacional em Cabo Verde” e “A revolução na comunicação figurativa popular nos últimos quarenta anos.”
Foram também projectados três filmes: Hanami, de Denis Fernandes, Canhão de Boca, de Ângelo Lopes, e um vídeo sobre o laboratório de experiência de estudantes da Universidade de Parma, em Cabo Verde. Todos os painéis terminaram com um rico debate. O convénio foi organizado por Martina Giuffrè (antropóloga da Universidade de Parma), que, junto com Giacomo Pozzi (antropólogo da Universidade IULM de Milão) e outros colegas. Na entrevista que se segue, Martina Giuffrè partilhou mais informações.
- Como nasceu essa iniciativa?
O convênio insere-se num contexto particularmente significativo: a celebração do 50º aniversário da Independência da República de Cabo Verde. O evento foi realizado pela Universidade de Parma em colaboração com a Universidade IULM de Milão. Para nós, estes dois dias representam um momento de conexão entre vários projetos, relações e reflexões que se consolidaram ao longo do tempo e agora reunidos num eixo simbólico de união entre Roma, Parma, Milão e Cabo Verde.

- Mas como iniciou esta viagem?
É uma viagem enraizada numa longa história de estudos e colaborações. O meu interesse por Cabo Verde remonta a mais de vinte anos, e o meu colega Giacomo Pozzi, da Universidade IULM, também dedicou vários anos de investigação neste contexto. O meu mentor, Alberto Sobrero, já tinha iniciado estudos sobre o país na década de 1980, demonstrando um vínculo acadêmico profundo e duradouro. Um ator fundamental neste processo é o CUCI – Centro Universitário de Cooperação Internacional da Universidade de Parma que, há três anos, estabeleceu uma sólida e contínua relação de colaboração com Cabo Verde. Através do CUCI, a nossa Universidade assinou acordos ativos com as duas principais instituições académicas do país – a Universidade Pública de Cabo Verde (Uni-CV) e a Universidade Lusófona – criando uma rede de parcerias científicas e educativas.
- Como se concretizará esta parceria?
Destas colaborações resultaram projetos de investigação financiados pela Europa, programas de mobilidade para doutorandos, de formação conjunta e atividades de co-design entre docentes e investigadores. Entre as experiências mais significativas está, sem dúvida, o projeto WIDE (Widening International Didactics and Education), que, em abril de 2025, proporcionou à um grupo de alunos uma experiência de campo em Cabo Verde. Este projeto interdisciplinar, que combina a agronomia e a antropologia, pretende explorar as dinâmicas da cooperação internacional, o desenvolvimento local, o conhecimento tradicional e a sustentabilidade.
- Este projecto é sustentável?
Tive o prazer de partilhar esta experiência com colegas de outras disciplinas — Filippo Arfini, Michele Maccari e Osman Arrobbio — que demonstraram um forte interesse em continuar e alargar as colaborações com as comunidades do arquipélago cabo-verdiano. Como universidade, pretendemos continuar e fortalecer este caminho de intercâmbio, compreensão mútua e construção de conhecimento partilhado. Estamos convictos de que a universidade deve continuar a ser um espaço de pensamento crítico, de diálogo intercultural e de participação ativa em processos de cooperação internacional.
- Que tipo de análise surgiu dos temas debatidos?
O convênio gerou uma reflexão rica e articulada sobre algumas questões centrais para a compreensão dos processos históricos, políticos e culturais de Cabo Verde, desde o período colonial até à conquista da independência e aos dias de hoje. Os painéis temáticos ofereceram perspectivas diversas, mas complementares, destacando o papel crucial da memória histórica, da identidade linguística e da produção cultural — em particular a feminina — na construção da nação/identidade cabo-verdiana.

- Quais foram os temas que despertaram maior atenção?
A atenção centrou-se em três áreas principais: o papel das mulheres na luta de libertação e na política contemporânea, com foco na sua participação activa, embora muitas vezes invisível, nos movimentos emancipatórios; a literatura cabo-verdiana pós-independência (bem como outras formas artísticas), com especial enfoque no trabalho feminino e no contributo de escritoras, cujas vozes representam espaços de exploração crítica, íntima e política da experiência pós-colonial. Por fim, a questão do crioulo e o debate sobre o seu reconhecimento como língua oficial, que destacou a centralidade do crioulo como dispositivo identitário e ferramenta de comunicação quotidiana, mas também as tensões em torno do seu estatuto institucional em comparação com o português. O debate linguístico, em particular, focou questões mais amplas relacionadas com a descolonização cultural, a inclusão linguística e o direito de expressar na própria língua materna.
O evento terminou com a apresentação do livro “Nessuna isola è un’isola” (LARES, 2023), em memória de Alberto Sobrero, autor da mais interessante publicação de um italiano sobre a cultura cabo-verdiana, com o titulo “Hora de Bai” (Argo, 1996). Entre os oradores, estiveram Pietro Clemente, antropólogo, Silvia Stefani, antropóloga, e Marzio Marzot, etno fotógrafo. Concluímos esta entrevista com uma declaração de Marzio Marzot sobre a evolução da comunicação visual em Cabo Verde.
“Tendo tido a sorte de visitar o arquipélago de Cabo Verde desde 1984, posso dizer que fui testemunho ocular de uma das muitas revoluções por que passou a sociedade cabo-verdiana desde a sua independência. Concretamente, em 1986, fui nomeado diretor de comunicação da nova Direção de Extensão Rural de Santo Domingos, Santiago. Assim, tive a oportunidade de analisar a cultura rural do país. Com colegas especialistas como Alberto Sobrero, para além de Gunter Heindric, Giovanni Lussu e Francisco Ferreira, observámos que, nas zonas rurais, durante aqueles anos, a população camponesa sofria de uma certa forma de analfabetismo das imagens. Este fenómeno é frequentemente encontrado em áreas remotas, distantes dos centros urbanos. Mas pudemos verificar que, naquela época, mesmo dentro da cidade, a comunicação pública raramente recorria a imagens. Os murais eram extremamente raros (dois na Praia, dois no Mindelo), e até a comunicação em disputas políticas preferia utilizar palavras escritas em vez de imagens, um forte contraste com o que se passava nos continentes, tanto africano como europeu.”
Qual é a origem dessa carência?
Entre nós, especialistas da comunicação, perguntávamos por que razão a população cabo-verdiana era tão carente de tradição visual (sem figuras em vasos, cestos ou outros artesanatos), enquanto, pelo contrário, encontrava na poesia, na música e na dança uma expressão altamente pessoal, poderosa e profundamente identitária. Só em Cabo Verde se podia ouvir morna, coladeira, funaná ou testemunhar danças como o batuque, o kolá san jon ou a tchabeta.
As razões para esta falta de imagens são para nós desconhecidas, e deixamos esta questão para os especialistas de Cabo Verde. Contudo, nos últimos anos, a difusão de imagens populares tem sido exuberante, graças tanto aos incentivos governamentais e às contribuições dos emigrantes, como às intervenções dos imigrantes do continente africano: basta observar a riqueza dos murais do Mindelo, Praia, ou dos arredores de Sal Rei, para ter uma ideia: quanta alegria e quanta criatividade e quanta “comunicação sem palavras”! Esta é também uma conquista e uma revolução.

O Convênio concluiu com um bom jantar, preparado por Filomena Silva de S.Nicolau, com várias travessas da melhor catchupa da nossa Terra, e enfim a nossa jovem cantora Márcia Duarte, do grupo musical MarSeaAzul, deu início à bela noite cabo-verdiana com um repertório musical que a cantora dedicou ao povo de Soncente.
- Colaboradora