Mais uma vez em nome da cidadania, vou procurar explicar um pouco de aeronáutica aos não-aeronáuticos, não porque sou um “profeta da desgraça”, um “engenheiro do caos” um “infeliz” ou “populista”; nem porque sou candidato disto ou daquilo, era só o que faltava, não lembra ao diabo, nem mesmo ao “Molosso” de serviço! O objetivo é informar o cidadão comum como eu, o contribuinte, sobre matéria de suma importância, mas que tendo em conta as suas especificidades poucos acompanham como desejávamos que fosse, tendo em conta o seu impacto na nossa economia e vidas.
Por: Américo Faria Medina
No mundo aeronáutico e não só, e já falei disso aqui anteriormente, aprendemos por onde passamos que, há situações em que as relações entre o regulador e algumas reguladas tornam-se “cordiais”, “…may become too close…”, devido a conjunturas muito específicas, dando lugar àquilo que os anglo-saxões chamam de “…opportunistic behaviour by the regulator…” o que a acontecer é altamente perverso, desestabilizador e prejudicial, com impactos sérios nos utentes/consumidores, níveis de serviço praticados e segurança operacional na sua generalidade.
Também, aprendemos por onde passamos que, dentre outras missões, as autoridades aeronáuticas, as reguladoras, tendo em conta as características e especificidades do sector, existem para defenderem as operadoras, os operadores, o mercado, os técnicos, os pilotos de si mesmos! Isso é profundo: anotem, defendê-los deles mesmos! Isso diz muito da importância e complexidade do papel dos inspetores, auditores e supervisores no desempenho e cumprimento das suas intrincadas, notáveis e consagradas missões no mundo aeronáutico; isso diz muito dos conflitos e tensão permanente entre os regulamentos, as normas, os procedimentos, as práticas recomendadas e os interesses/objetivos/metas deste ou aquele gestor, deste ou aquele operador, e a relevância do fator humano na aviação, na sua “tensa” relação entre a sua própria génese versus a génese do Flight Operation Process no seu todo e a sua otimização, no sentido lato.
É essa dimensão da missão da AAC que os governantes, não entenderam até hoje, levando-os nestes últimos sete anos a instilarem no coração do setor, de forma ilegítima e, obedecendo a critérios bem como objetivos puramente político-mediáticos, uma cultura de condescendência e “protecionismo” para com as operadoras, resultando por um lado, num visível atrofiamento nas atividades, na reputação/prestígio da autoridade competente e, por outro lado, num depauperamento dos níveis de serviço e performance técnico-operacional dos players regulados, visíveis à distância e sentidas na pele de todos quantos demandam o transporte aéreo via as duas operadoras nacionais.
O último episódio, que culminou com a suspensão do Certificado de Aeronavegabilidade a uma das aeronaves da Best Fly, por parte da Direção de Aeronavegabilidade da AAC que, reconheçamos esteve muito bem (CV CAR 5.B.255), é um desfecho que só peca por tardia e não ser mais penalizadora para a Best Fly, senão vejamos:
Há já muito tempo que qualquer observador atento, claramente apontava déficit de gestão no seu sentido lato e, de riscos operacionais no operador BestFly; em pouco mais de 2 anos de operação, anotamos que 2 Diretores de Manutenção se demitiram, cenas de pugilato entre um Diretor de Qualidade Vs um Diretor de Manutenção; a Diretora de Qualidade e Safety foi despedida, destituição do Diretor de Operações de Voo das suas funções, seguida da sua despromoção como Instrutor de Voo, passando a Piloto Comandante, apenas; o Diretor de Treino despedido, a responsável por treinos de Pessoal de Cabine demitiu-se;
Reduziu-se consideravelmente a massa salarial, demitiram-se vários técnicos de manutenção; inúmeros atos de má prática operacional e comercial com impactos internos e externos (prestadores de serviço, utentes) implicando várias disrupções operacionais por falta de stock de unidades (peças); isso apesar de existir um suposto contrato com um provedor de unidades, estando já mais do que provado que a eficiência do contrato é nula(!), resultando no mesmo que não ter stock, ou seja, um expediente para contornar o regulamento que obriga o player a ter um stock mínimo de unidades extras( isso nunca foi auditado e retido pela AAC?); não dão, nem nunca deram, a mínima atenção às suas obrigações no que tange aos direitos dos passageiros em situações de disrupção, não sendo essas obrigações cobertas nem pela operadora nem pela CONNECT que é quem comercializa a operação BestFly em Cabo Verde ( A AAC não sabe disso?);
Evidente e clamorosa incapacidade técnica na gestão de dossier tão publicitado, como a prometida introdução de um avião de médio curso (E-Jet 190) e início de operação internacional, num processo em que a capacidade de planeamento e gestão do processo, mostrou todas as fragilidades e mazelas da casa; inaceitável que num ambiente de aeronáuticos e ecossistema como o nosso ou noutras costas, um operador levar mais de 15 meses (e continua a somar revezes no processo) falhando continuamente a cada etapa, estando o aparelho (E-Jet 190) estacionado na placa “ulcerando”, sem se conseguir certifica-lo, com todos os custos associados a uma aeronave imobilizada.
Na indústria, em que todas as partes se empenham em fazer o seu trabalho de casa com rigor e como mandam as regras, um processo de certificação não pode levar mais do que 90 dias, qualquer referência temporal acima disso é ridícula, é sinal de que algo de muito errado se passa dentro do player, da sua capacidade de gerir, operar e explorar com sucesso o equipamento em causa, bem como expertise em gerir processos complexos como o são os relacionados com o Flight Operations Process no seu sentido amplo e essenciais em qualquer operadora, mesmo estando numa lista negra qualquer ou não! Os erros cometidos pela operadora neste confrangedor processo de certificação, conjugados com os sucessivos e intensos fenómenos internos em dois aninhos, bem como o desempenho técnico-operacional da BestFly deveriam ter disparado o alarme na AAC, há muito!
Foram bandeiras sinalizadoras à mais para que sejam/fossem ignoradas pela autoridade reguladora! Os factos que aqui trazemos e outros que não apontamos, devido à sua extrema sensibilidade, deduzimos que são do conhecimento da AAC, no mínimo requeriam medidas de uma supervisão de maior proximidade e mais “ostensiva”, bem como o desenho de planos de medidas corretivas correspondentes; noutros casos, investigação visando a aplicação de medidas outras, a clarificação de tantos “fenómenos” internos, ocorrências, avarias e cancelamentos de forma tão intensa e densa, em tão pouco tempo.
É nesta base que é legítimo se perguntar se realmente a AAC não deveria ter suspendido o AOC a este operador pois, é evidente que uma RCA (Análise de Causa Raiz) irá na minha opinião encontrar toda uma cultura, práticas e procedimentos que colocam em risco as operações da companhia, logo a segurança dos passageiros! Ao impedir a aeronave de operar não se resolve os problemas internos que estão minando a operadora, pois a cultura prevalecente segue o seu curso.
Um PCA que traz um pneu aeronáutico sem a documentação e evidências requeridas que permitam aos técnicos e autoridade aeronáutica fazerem o “trace” do mesmo, como mandam as normativas; traz com ele um mecânico de paragem outra sem estar certificado para proceder à colocação desse mesmo pneu numa aeronave como se de um pneu de autocarro ou carroça se tratasse, deve ser objeto de uma severa punição no final de um processo e ser inibido de gerir qualquer companhia aérea! Esse mesmo pneu aeronáutico que foi rejeitado por técnicos no nosso país, certificados e aptos para procederem à substituição de pneus e que acabaram por negar assinarem o “release” preenchido pelo mecânico ilegítimo mas que não podia assinar, leva à decisão inédita de suspender o Certificado de Aeronavegabilidade. Estando o PCA envolvido pessoalmente neste processo no mínimo sulfuroso, nesta não-conformidade grave; atendendo aos antecedentes referidos é que na minha opinião temos aqui um problema de fundo sério e que, o AOC deveria ser retirado à operadora, pois que o que aconteceu com o D4-BFA, poderá muito bem voltar a acontecer no D4-BFB pois a cultura das más práticas, do “jeitinho”, da facilidade, está enraizada e dominante, predomina e nos está intoxicando em termos de qualidade e segurança do nosso até hoje reputado sistema montado.
É a primeira vez na história da aviação em Cabo Verde que o Certificado de Aeronavegabilidade é suspenso, retirado a uma operadora; uma operadora a quem o estado entregou de bandeja um monopólio e em que o estado é acionista, meteu lá o nosso dinheiro e tem um administrador no CA. Como é que reagiu o acionista estado a este gravíssimo episódio? Quem é “accountable” perante nós utentes neste mercado doméstico, perante nós os zelosos contribuintes que metemos lá o nosso dinheiro?
O que é feito dos Post Holders aceites pela AAC que têm como principal papel e missão zelar pela segurança operacional, ou seja onde estão Accountable Manager, Diretor de Operações de Voo, Diretor de Manutenção, Diretor de Qualidade, Diretor de Segurança Operacional , o Comandante do Voo em causa…(?) – qual foi o papel desse Staff, dessa fina flor de qualquer operadora nesse caricato e relevante evento? Gostaria de ver a AAC a abrir esta Caixa de Pandora…, ou será que a mando do “Zeus” do Palácio da Várzea a “Pandora” vai atirar a caixa com o seu conteúdo fora? É que a mitologia Ulissiana já consegue ultrapassar em muito a mitologia grega, um mito que ultrapassa de facto qualquer imaginação fértil do tipo de um tal de Hefesto
Sendo uma suspensão de certificado, tendo em conta as circunstâncias, com tudo imputável unicamente ao operador, este não pode fazer recurso ao leasing de uma outra aeronave. Isso vai ter um impacto enorme na mobilidade e agenda/vida dos que demandam a BestFly; vamos ter de novo mais estrangulamento, menos frequências, menos flexibilidade, menos eficiência.
Como pensa o acionista Estado tratar essa questão à luz da governança vigente na companhia? O CA vai cair? O Administrador representante do Estado cai(?); os Post Holders, o Accountable Manager, o DOV, o Diretor de Qualidade, o Diretor de Segurança Operacional, o Diretor da Manutenção Operador e OMA como é vão ficar nessa fotografia?
O Sr. MF-VPM que é especialista em comunicar com o mercado em nome dos hotéis privados, em nome de operadores económicos privados, em nome da TACV e especialista em “postar” fotografias, não nos traz nenhuma “fotografia” desta fantástica cena(?); não comenta nada de nada neste clamoroso imbróglio numa empresa comparticipada pelo Estado? Não nos deve nenhuma explicação? Tendo em conta o impacto desse caso inédito na história da nossa aviação civil, na opinião pública e cabeça de todos nós, impacto no mercado, na demanda, na reputação, credibilidade e confiança requeridas para o normal funcionamento do negócio e atividades conexas, explicações eram e são um imperativo, Sr MF-VPM. Nos transportes aéreos isso está previsto, uma norma, uma boa prática altamente recomendada!
Sabe porque está calado neste processo Sr MF-VPM, o especialista em “merchandising” político? É que o governo está de facto literalmente com as costas nas cordas, de joelhos no ringue, nesta questão dos transportes aéreos! Sujeito a todo o tipo de chantagens da BestFly que já nos ameaçou de se ir embora pois sabe o power que detém neste momento, daí o seu silêncio Sr MF-VPM! É que passados 7 anos, os nossos transportes aéreos foram desmantelados, passamos a operar no fio da navalha, com o credo na boca, tudo imprevisível, com menos frequências, menos conectividade, menos flexibilidade, menos rotas, bilhetes mais caros, baixo nível de serviço em escala e assistência aos passageiros 0,0! Reputação nem se fala, a nossa nas ruas da amargura do mercado!
É que o Sr. MF-VPM sabe que o Administrador Sá Nogueira ( também Assessor do MTT, veja lá esse imbróglio) que o senhor colocou lá, é responsável por identificar e avaliar os riscos associados às operações da BestFly e garantir que sejam geridos de forma eficaz, para minimizar qualquer exposição ao Estado; como representante do acionista Estado, o Sr. MF-VPM sabe que esse Administrador precisa monitorar e supervisionar as atividades da operadora para garantir que as mesmas estejam de acordo com as diretrizes, leis e políticas estabelecidas por si e pelas autoridades do sector ;
O Sr MF-VPM sabe que o Administrador Sá Nogueira (também Assessor do MTT, já reparou o imbróglio?) que colocou lá, é seu papel contribuir com insights estratégicos e participar ativamente das discussões para ajudar a moldar a transportadora para que o desempenho da mesma traga benefícios ao acionista Estado e não prejuízos e má reputação para o mesmo
Sr. MF-VPM, Senhores Gestores, Técnicos, Inspetores, Auditores, Sr Adminstrador Sá Nogueira (Assessor do MTT, está vendo esse imbróglio?)…, saibam (para uns relembram-se!!) que as más práticas, a complacência, a transigência, a contemporização, as não-conformidades nos transportes aéreos, no domínio das operações e Safety, redundam muitas vezes em mortes, em homicídios (ajustes de contas, já aconteceram) e cadeia! E que o mundo de hoje não é o da década de noventa! Conseguem dormir tranquilamente?