Esta pergunta é suscitada pelo recente acordão do Tribunal Constitucional proferido com fundamento nos “costumes” com impacto numa norma da Constituição da República de Cabo Verde (CRCV).
Por António Espírito Santo Fonseca
Esqueça os seus amigos e inimigos. Esqueça mesmo essa espécie historicamente pérfida conhecida por “indiferentes”. Faça esse esforço, concentre-se apenas na matéria, no assunto que está na pergunta. Alguns mais afoitos a insinuar que a Constituição é um documento guardado na capela dos juristas, não se cansam de lembrar que uma Constituição não pode ser interpretada à letra. Isto é verdade.
Mas, há o inverso que vem do Supremo Tribunal Federal do Brasil que lembra que não vale ignorar “olimpicamente” a letra do documento, ou, seja, tudo tem de ser, “…nos termos da Constituição”. ” Interpretar” não é o mesmo que “escrever” ou “re-escrever”.
Os “costumes” não são “termos da Constituição”, e invoca-los ainda por cima para mexer numa norma, é um risco para a ordem constitucional. Se essa “doutrina” se repetir por três (?) vezes, ela torna-se definitiva e obrigatória. Ou seja, passa a haver mesmo uma revisão da Constituição, operada por órgão sem competência expressa para tal. Um dos riscos políticos é esse!
Estaremos a caminho de uma usurpação ou pelo menos invasão profunda do poder de revisão cometido exclusivamente à Assembleia Nacional.
E volto ao começo: esqueça amigos, inimigos e indiferentes, pegue apenas no problema político que está a ser potenciado. É a segunda vez que me sinto confrontado com este desafio. Um dia falaremos sobre a primeira vez.