Os empresários de São Vicente, mas também os de Santo Antão e São Nicolau, estão revoltados com a ausência de ligação marítima para as ilhas turísticas, para permitir a escoamento dos produtos. Com cerca de duas semanas sem qualquer viagem entre S. Vicente, São Nicolau, Sal e Boa Vista, na sequência de atribuição de novas rotas ao navio Interilhas, que vinha garantindo esta ligação com alguma regularidade e previsibilidade, estes empresários garante que os contratos e compromissos com as unidades hoteleiras destas ilhas. “Está-se a priorizar rotas económicas e que trazem receitas para o país em detrimento de rotas politicas”, denuncia João Santos.
Este sócio-gerente da Sociave, que falava num exclusivo Mindelinsite em nome dos demais empresários desta região, afirma que Cabo Verde tem neste momento quatro barcos em operações, e todas alocadas no Sotavento. “O navio Interilhas vinha cobrindo esta zona norte com viagens entre as ilhas de São Vicente, São Nicolau, Sal e Boa Vista, com alguma regularidade e previsibilidade. Resolveram entretanto retirar o barco desta rota e colocá-lo na zona sul, com viagens entre São Vicente, São Nicolau, Praia e Maio, sendo que esta última é uma linha subsidiada. Penso que a inclusão do Maio é apenas porque esta ilha está na moda. É preciso justificar o porto recém-recém-inaugurado”, acusa.
João Santos mostra-se ainda particularmente revoltado porque, diz, ontem o navio Dona Tututa, que se encontrava na Cabnave, iniciou operações com uma viagem para Praia, completamente vazio “O navio foi certificado no final da tarde e zarpar à noite vazio, apenas porque tinha de fazer a rota para o Maio, sendo que este barco nunca foi para esta ilha. A sua rota foi sempre São Vicente, São Nicolau, Sal, Boa Vista e Praia, e vice-versa”, declara este empresario, realçando que a sua preocupação é que 80% do turismo de Cabo Verde está no Sal e Boa Vista, que não estão sem ligação com as outras ilhas para desespero dos operadores que estão sem produtos nas prateleiras dos mercados.
“Se o turismo é de facto a alavanca do desenvolvimento de Cabo Verde como diz repetidamente o Governo, então porque não estamos a dar-lhe a atenção devida? Porque é que, mesmo nas crises, não estamos a olhar para as prioridades. Sempre tivemos uma rota SV/SN/Sal e BV porque grande parte da industria do país está no Mindelo. Não é atoa que 90% da exportação nacional são produtos de SV. A estes juntam os produtos agrícolas de São Nicolau e os transformados de S. Antão que vão para Sal e Boa Vista”, enfatiza este empresário mindelense, para quem a sua dúvida é se está-se a priorizar as rotas económicas e que trazem receitas para Cabo Verde ou as rotas políticas.
Isto porque, diz, São Vicente está a cerca de duas semanas sem qualquer ligação marítima com as ilhas turísticas do Sal e da Boa Vista, onde está de facto os mercados. “Temos contratos de fornecimento com os hotéis. Ainda há poucos dias uma cadeia de hotéis, que representa mais de 70% do mercado, anunciou que vai trazer nove mil turistas por dia para Cabo Verde. A minha pergunta é como abastecer estes hotéis sem uma ligação marítima regular? Que turismo é este que queremos”, interroga este empresário, que socorre-se do programa do Governo para esta legislatura, que diz que o turismo é a alavanca de desenvolvimento e que o objectivo é o abastecimento dos locais com produtos nacionais para poder ter toda uma cadeia de valores. “A pratica contradiz completamente esta premissa. Estão a priorizar rotas subsidiadas. Entendo que todas as ilhas têm os mesmos direitos, mas temos de ver as prioridades. Esta é a minha revolta. Estamos na eminência de perder os contratos”, desabafa.
Prejuízos e perda de confiança
Segundo este empresário de São Vicente, para além do prejuízo para os hotéis, que não têm como resolver a questão do abastecimento imediato, corre-se o risco de perder a confiança, que é fundamental no negocio. “Se houver perda de confiança, perde-se tudo. Sinto-me triste porque estamos a sair de uma pandemia, estamos a enfrentar um problema grave decorrente da guerra na Ucrânia com um aumento exponencial da matéria-prima e nós ainda sequer repassamos estes aumentos para o consumidor. Todo este esforço e estamos a sentir que não temos solidariedade do sistema”, lamenta Santos, realçando que os empresários do norte estão com produtos encalhados.
“Os maiores hotéis das ilhas do Sal e da Boa Vista têm produtos para até esta sexta-feira. Foi-nos dado um ultimato até hoje. Não sei como irão fazer até a próxima semana. Na próxima segunda-feira tenho uma reunião em SV com o dono e DG da maior cadeia de abastecimento de hotéis de Cabo Verde. Não sei como vai ser porque não estamos a ver nenhuma alternativa”, declara J. Santos, que se mostra ainda mais revoltado porque, diz, ontem a noite, inesperadamente, o navio Dona Tututa, que era a esperança dos empresários do norte para levar carga e passageiros, zarpou vazio.
“Tentei procurar saber os motivos e a única resposta que obtive é que o navio tinha de viajar para a ilha do Maio. Resta saber quantos passageiros vai levar de Praia para Maio e o volume de carga, sobretudo tendo em conta que neste momento o Interilhas, que é um navio Roll on Roll off, opera nesta linha”, acrescenta o Sócio-gerente da Sociave, que justifica a sua decisão de trazer o assunto à comunicação social para que as partes possam sentar à mesa para analisar a gravidade da situação. “Se elegemos turismo como a nossa alavanca, temos dar uma atenção especial às ilhas do Sal e da Boa Vista.”
Questionado sobre possíveis implicações da perda de contrato, João Santos explica que, no seu caso, significa um rombo de 40% da sua produção e, consequentemente, o despedimento de trabalhadores. “Neste momento tenho cerca de 200 pessoas a trabalhar comigo. Se perder estes contratos, vou ter de despedir. É menos impostos. É uma bola de neve. Há outras empresários na mesma situação. Estou a falar em nome do grupo. A industria de Cabo Verde, a maior parte, está aqui na ilha.”
Em jeito de remate, este empresário afirma que não há nenhum Governo que não esteja imbuído de boa-fé. Agora, uma coisa é a política outra e a práxis, que neste momento difere completamente do programa do Governo. É preciso estabelecer prioridade e ter previsibilidade, conclui.