A campeã mundial Heidilene Oliveira, que conquistou na semana passada medalhas de bronze na prova de cem metros, prata nos 200 e ouro nos 400 metros para a Classe T12, de deficiência visual, na competição Athletics Grand Prix Series 2022 na Tunísia, já está a treinar para revalidar o título nacional nos dias 15 a 17 de julho no Sal e, logo de seguida, vai focar-se nos Jogos Paralímpicos de Paris 2024. A atleta lamenta, no entanto, a falta de condições de trabalho – treina na estrada e no asfalto porque a pista do Adérito Sena encontra-se muito deteriorado -, e de apoios das autoridades para este desporto que tantas conquistas tem dado a Cabo Verde.
Ao Mindelinsite, esta atleta de 30 anos, que foi recebida no aeroporto de S. Vicente com batucada, conta que começou a correr em 2019, depois de ficar a par de uma reportagem sobre deficientes que praticavam desporto na praia da Lajinha. “Fiquei encantada e procurei por mais informações. Cheguei à Associação Regional de Desporto Adaptado de São Vicente (ARDA) e comecei a praticar. Para a minha felicidade, no mesmo ano consegui vencer o campeonato regional e, depois o nacional, na Praia. Foi esta conquista que me levou agora para Tunísia, onde consegui ganhar medalhas de bronze, prata e ouro, nos 100, 200 e 400 metros, respectivamente”, explica Heidilene.
Classificada na categoria de atletas com baixa visão, Heidilene atribuiu parte destas conquistas ao seu guia, o atleta internacional Jailson Oliveira, com quem treina desde 2020. “É uma pessoa em quem confio muito. Treinamos juntos desde 2020 e acompanha-me em todas as provas. Estamos unidos por um instrumento que colocamos nas mãos e, através dele, sinto e me oriento. Devo ao meu guia parte do meu sucesso”, enfatiza esta atleta, que diz ainda não ter processado na totalidade a conquista do mundial.
“Foi a minha primeira competição internacional. Mesmo em Cabo Verde competi apenas em S. Vicente, onde conquistei o titulo regional e, depois na Praia, onde ganhei o campeonato nacional. Mas na Tunísia havia atletas de diferentes nacionalidades. A prova contou com a presença de 25 países”, exalta Heidilene, que integrou a delegação de Cabo Verde, composta por três atletas e dois guias. “Inicialmente estava muito nervosa por ser a minha estreia internacional. Mas consegui ultrapassar os desafios e subir ao pódio por três vezes. Foi um grande feito. Não estava nada à espera de trazer para casa medalhas de ouro, prata e bronze”, confessa.
Com a fasquia elevada, Heidelene Oliveira admite que a responsabilidade também agora é maior nas próximas competições, desde logo no nacional que será disputado no próximo final-de-semana na ilha do Sal e, mais tarde, nos Jogos Paralímpicos de Paris, em 2024. “Tenho que trabalhar para me manter no topo. Infelizmente, as condições logísticas não são as melhores. Treino na estrada ou no asfalto porque a pista do Adérito Sena está muito deteriorado. É complicado para um deficiente treinar nestas condições. Também faltam apoios em termos de materiais e outros. Por exemplo, no meu caso o meu guia, que é um atleta internacional, consegue alguns materiais que partilha comigo. De resto, cada atleta tenta conseguir pelos próprios meios ou recebe ajuda de familiares.”
Não obstante todos estes constrangimentos, Heidilene Oliveira Lopes orgulha-se da prestação dos atletas a nível dos desportos para deficientes. “Ao longo dos anos temos conseguido bons resultados e trazido muitas medalhas e troféus para Cabo Verde no que tange ao desporto paralímpico. Tenho como referência atletas como Carlos Araújo e Gracelino Barbosa, que somam muitas conquistas”, afirma.
Apesar disso, a atleta entende que ainda há muito para melhorar no desporto para deficientes em Cabo Verde, sobretudo a nível de informação. “As pessoas desconhecem o desporto para deficientes. Acham estranho uma pessoa correr acompanhada. Por causa disso, escudo comentários desagradáveis. Acho que é preciso sensibilizar as pessoas para que possam entender e ver este desporto com outros olhos.“
Formada em Ciência Política e Relações Internacionais pela Universidade do Mindelo, Heidilene diz ser uma pessoa alegre e optimista. Mas nem sempre foi assim. “Comecei a perder a visão já adulta. Tinha 22 anos e estava no último ano da minha licenciatura. Procurei um médico e fui diagnosticada com Retinose Pigmentar, que é uma doença degenerativa da retina que causa perda de visão progressiva, podendo conduzir à cegueira. É uma doença ainda em fase de estudos, ou seja, não tem cura. Na altura fiquei revoltada e depois apagada, mas consegui dar a volta por cima.”
Talvez por causa da baixa visão, está desempregada. Aliás, nunca conseguiu sequer um estágio na sua área de formação. Mas não desanima e continua a procurar emprego, até porque gostaria de trabalhar e praticar atletismo. Enquanto isso, foca-se nos treinos e na prática desta modalidade desportiva que lhe tem dado alegrias. Por isso, deixou uma mensagem de optimismo aos deficientes em Cabo Verde: levantem a cabeça e escolham praticar desporto. Às famílias, pede para incentivarem os seus a praticarem desporto e a não esconderem os deficientes. “As pessoas ainda escondem as deficiências em Cabo Verde. É triste. Todos precisamos viver”, completa.
Refira-se que, para além do título mundial conquistado por Heidilene, a comitiva trouxe mais uma medalha de prata, ganha por um atleta invisual nos 400 metros.