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Opinião
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Repete-se a tolerância só para Santiago.

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João Henrique Delgado da Cruz

A desculpa agora não pode ser “provocar uma enchente” porque os 15.000 bilhetes serão vendidos de qualquer forma. Se no estádio coubesse 30.000 pessoas, encheria na mesma.

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No momento mais importante do desporto nacional, marcamos este autogolo. Uma centralidade repugnante. Mesmo depois de chamadas de atenção, mostram-nos claramente onde estamos e para onde vamos.

Uma grande vergonha!

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Repito aqui o que tinha dito depois do jogo contra os Camarões, com algumas alterações contextuais e com a agravante de este ser um jogo “cereja no topo do bolo”.

Maior apoio de sempre? Será de certeza, mas não por causa de uma tolerância regional…

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… será porque nunca o coração de um povo esteve tão ligado a um estádio de futebol!

(lembro-me de Nhô Puxim parodiando com a impossibilidade de Cabo Verde ir a um mundial)

Pomposamente noticia-se, de novo, que o Governo vai conceder tolerância de ponto na tarde de segunda feira para os funcionários públicos de Santiago. O Primeiro Ministro justifica a medida “para que a nossa seleção tenha o maior apoio de sempre”.

Esse maior apoio será dos funcionários públicos residentes em Santiago mais os desempregados, aposentados e aqueles que têm possibilidades mesmo trabalhando, para se deslocarem ao estádio ou ver o jogo na televisão. Repete-se uma medida pouco inteligente e reveladora de uma regionalização só quando convém.

Cabo Verde tem 500.000 pessoas. Estarão no estádio 15.000. Isso quer dizer que irão ao estádio 6% da população de Santiago e 3% da população cabo-verdiana.

Os funcionários públicos das outras oito ilhas que queiram acompanhar o jogo na televisão não terão essa possibilidade legal. É importante frisar que o futebol transformou-se num espetáculo também televiso, por isso os estádios suportam uma pequena percentagem da população, com comodidades próximas ao refastelamento no sofá.

A tolerância é para uma percentagem reduzida de funcionários de Santiago acompanharem o jogo ao vivo no estádio e, a maioria (os que não vão ao estádio), ACOMPANHAREM e vivenciarem o jogo pela televisão! Pensou-se, novamente, somente em Santiago.

Essa vergonha, ajuda-nos a entender porque não há jogos da seleção de todos nós nas outras ilhas.

A maior parte das pessoas que querem ver o jogo de Cabo Verde não vão ao estádio, por várias razões. Portanto, a tolerância devia ser para os funcionários públicos nacionais acompanharem o jogo e assim a nossa seleção teria “o maior apoio de sempre”. Queremos comemorar em tempo real, sentir o frisson que só o futebol em direto provoca, no estádio ou via televisão!

Uma tolerância tem custos económicos, mas mais de metade dos funcionários públicos estão em Santiago, portanto, o restante é a menor fatia do bolo. Perde-se de um lado, porém, por outro lado, o comércio flui, o nacionalismo intensifica-se, e a alegria de viver intensamente a frente da tv não tem preço.

Antevejo o estádio cheio e telas gigantes em Palmarejo, Achada de Santo António, Santa Cruz, Assomada, Pedra Badejo… com muitos funcionários públicos e outras pessoas a vivenciarem um momento único de futebol e união nacional…

Mas, desta vez, nas outras ilhas pode acontecer um fenómeno de “resistência”, com bares, restaurantes e locais com telas gigantes, cheios de funcionários faltando o trabalho na função pública, alguns trabalhadores privados dispensados pelo patrão, aposentados, desempregados e estudantes.

Nada conseguirá separar um povo historicamente unido, mormente nesse momento que o patriotismo fala mais alto!

Força, Cabo Verde!

(Brava, Maio, São Nicolau, São Vicente, Fogo, Boavista, Sal, Santiago, Santa Luzia e Santo Antão)

PS. Só para terem uma ideia da importância desse jogo, em termos relativos, “é um jogo tão importante para Cabo Verde como uma final de mundial para Portugal”. E não venham com histórias de “parar o país por causa do futebol” porque isto acontece em todo mundo

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Constanca Pina

Formada em jornalismo pela Universidade Federal Fluminense (UFF-RJ). Trabalhou como jornalista no semanário A Semana de 1997 a 2016. Sócia-fundadora do Mindel Insite, desempenha as funções de Chefe de Redação e jornalista/repórter. Paralelamente, leccionou na Universidade Lusófona de Cabo Verde de 2013 a 2020, disciplinas de Jornalismo Económico, Jornalismo Investigativo e Redação Jornalística. Atualmente lecciona a disciplina de Jornalismo Comparado na Universidade de Cabo Verde (Uni-CV).

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